O embate entre Bolsonaro e Rodrigo Maia pela presidência da Câmara marca o fim da anti-política

O embate entre Bolsonaro e Rodrigo Maia pela presidência da Câmara marca o fim da anti-política
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Rodrigo Maia foi brutalmente derrotado por Bolsonaro na disputa pela sucessão na presidência da Câmara dos Deputados. O candidato do Presidente da República, Arthur Lira, deve ganhar ainda no primeiro turno contra Baleia Rossi, o candidato do atual Presidente da Câmara.

Essa disputa é marcada pela imposição da força das máquinas públicas. Bolsonaro se adequou muito rapidamente e de forma competente a essa dinâmica estrutural do Estado brasileiro. Ele entregou o Ministério da Educação para o DEM, sinalizou a recriação de outros ministérios para receber mais líderes do Centrão, e distribuiu emendas parlamentares à vontade. É bom lembrar que não há nada de ilegal nisso tudo.

Já Maia e o “centro democrático” não tinham nada para oferecer para além da promessa de defender a política contra a anti-política de Bolsonaro. Por isso que a oposição aderiu a sua candidatura em 2019, mas essa situação já não existe mais. Ao contrário, a perspectiva do PT ter destaque na mesa diretora de Baleia Rossi afastou setores do centro devido à resiliente rejeição ao petismo, bem como a rejeição das bancadas de outros Estados ao governador de São Paulo, João Doria, que apesar de ser opositor de Bolsonaro, mantém péssima relação com os outros governadores.

Por outro lado, essa mesma dinâmica faz com que Doria seja o favorito na disputa contra Luciano Huck na disputa pelo apoio dos partidos de centro-direita para a eleição de 2022. Doria manda no maior orçamento público depois da União, além da Prefeitura de São Paulo, que fica entre o quarto ou quinto orçamento do país. Essa era a gigante máquina pública estadual que Maia tentou mobilizar contra Bolsonaro, mas não foi suficiente.

O que define Bolsonaro de verdade é a volta do populismo, não o discurso hipócrita “anti-establishment”. Um líder carismático e capaz de articular alianças pragmáticas sob seu comando orçamentário para atender interesses concretos das bases eleitorais do interior do Brasil profundo e real que elege o famigerado “Centrão”.

O aspecto “anti-establishment” de Bolsonaro não é apenas um falso-moralismo difuso anti-corrupção. Se assim fosse, a Globo, monopolista da opinião publicada do moralismo anti-política, já o teria derrubado. Após os escândalos da rachadinha do Queiróz, envolvimento com milícias, interferência nos órgãos de controle para proteger o filho senador corrupto e o desastre completo no enfrentamento à pandemia de covid-19, Bolsonaro hoje é mais popular do que no início do mandato, mesmo diante de ferrenha oposição da Globo.

Com a eleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco para as presidências da Câmara e do Senado, Bolsonaro agora consolidará uma base parlamentar inédita. Agora sem medo de entregar cargos, emendas, promessas de obras e etc., Bolsonaro viverá a situação política mais estável de seu governo justamente no momento que mais precisa, diante do colapso econômico e sanitário e da ofensiva da oposição para derrubá-lo com esvaziadas carreatas e repetitivos pedidos de impeachment.

O mérito de Bolsonaro é conseguir riscar uma linha no chão entre seus apoiadores e seus inimigos. A criação de uma fronteira política “nós contra eles”. Bolsonaro representa a volta do populismo no seu sentido mais estrutural como dinâmica da política de massas e como estratégia de mobilização de interesses difusos. Ao invés de comparar com fascistas que buscam destruir as instituições democráticas, me parece mais adequado comparar Bolsonaro com populistas que conseguiram utilizar os recursos fornecidos por essas mesmas instituições para seu projeto político.

Lula em 2005, diante da crise do mensalão e da ofensiva da oposição tucana para derrubá-lo, saiu mais forte, com apoio justamente do “Centrão” no sistema político e do “povão” com o Bolsa Família. A situação econômica era diferente, a crise pode derrubar Bolsonaro no médio ou longo prazo, mas ele sabe muito bem o que fazer para enfrentar isso. Assim como Lula, obter apoio do Congresso não apenas para manter seu mandato, mas para aprovar transferências de renda assistencialistas capazes de diminuir a miséria do povo em meio ao colapso do neoliberalismo.

Diante desse cenário, Rodrigo Maia e o “centro democrático” perdem o sentido na defesa da política contra anti-política.

O presidente do DEM, ACM Neto, já embarcou no governo, e Maia anuncia sua possível desfiliação do partido. Um fim melancólico para quem desejava ser o líder protagonista do establishment liberal defensor da democracia e deve terminar como assessor de luxo de Doria, assim como o ex-governador Paulo Hartung é para Luciano Huck.

Não tem animador de auditório de televisão, popularidade de “influencer” da internet, ou mesmo apoio dos traders da Faria Lima, que substitua a força de quem manda na máquina pública para atrair apoios políticos entre o povo e, principalmente, entre os caciques partidários. É o refluxo da onda da anti-política (2013/2018). A janela histórica para os “outsiders” fechou.

Sergio Moro, Luciano Huck, e etc., tiveram sua chance em 2018, mas foi Bolsonaro que capitalizou aquele momento de crise das instituições, e é ele que está reconstruindo a relação “normal” entre Congresso e Executivo. Até sua nomeação ao STF foi uma guinada no sentido da prevalência da política contra as corporações não-eleitas tais como as associações de juízes e procuradores e a grande mídia.

O mesmo vale para João Doria. Ele capitalizou esse momento vendendo a falsa imagem de outsider, sendo um dos mais fisiológicos representantes da velha política pelo lado do empresariado de rapinagem dos negócios do Estado. Assim como Bolsonaro, ele também se mostra um profissional da política institucional através do orçamento de São Paulo para arregimentar apoios em 2022, tanto entre o Centrão, pelo menos em seu Estado como se viu na eleição municipal, como entre o povão com a vacina.

O jogo mudou, e agora Bolsonaro é o grande player da política nacional como chefe eleito do Executivo Federal, e com apoio do Congresso Nacional. Ele não deu golpe algum para além de mobilizar seus apoiadores e consolidar o bolsonarismo como uma corrente política disposta a defendê-lo contra qualquer inimigo. Essas são as instituições brasileiras construídas há muitas décadas, e a oposição tem que decidir se vai passar a defender o fim dessas instituições ou vai adotar uma estratégia populista capaz de vencer as eleições e governar com elas.