O edifício Capanema e o acervo de Lúcio Costa

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Por Rosana Miranda – Os últimos acontecimentos relacionados à transferência de acervos de dois grandes arquitetos brasileiros Paulo Mendes da Rocha e Lúcio Costa para a Casa de Arquitetura de Portugal, colocou em cheque o destino futuro das documentações de arquitetura brasileira e sua importância para a formação cultural de nosso país, quando elas ficam restritas à decisão do âmbito privado.

São patrimônio material enquanto acervo, e imaterial enquanto pensamento representante da cultura de um povo.
Soma-se a este fato a notícia recente da possibilidade de venda do próprio edifício Gustavo Capanema como se este fosse apenas mais um edifício público vazio sem a menor importância cultural.

O corre que as razões noticiadas que levaram à doação do acervo de Lúcio Costa para Portugal, que antes era abrigado pelo Instituto Tom Jobim, foi a falta de um lugar adequado e de pessoal para a preservação daquele acervo, apesar de seu site realizado com apoio da CEF e Petrobras, ser um dos mais adequados e fáceis de consulta no campo da arquitetura.

O Brasil perdeu um pedaço da obra e pensamento da sua mais expressiva personalidade que marcou a entrada do Brasil na modernidade.

Evidente que a digitalização e a disponibilização por meio virtual garante algum tipo de acesso a documentos. Mas, muito diferente é ver a linguagem, a textura e a qualidade de desenhos feitos à mão de um profundo conhecedor da arquitetura e cultura brasileiras.

Os brasileiros perderam os documentos da trajetória do brasileiro que projetou Brasília e que dedicou a sua vida a cuidar da beleza do nosso patrimônio como diretor do IPHAN, órgão que funcionou até pouco tempo no próprio edifício Capanema.

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O Palácio Gustavo Capanema, no centro do Rio de Janeiro.

Esse edifício foi projetado por Lúcio Costa e construído entre os anos de 1937 e 1943, para ser o berço da educação e cultura no país como sede do Ministério da Educação e Cultura, exemplo da arquitetura moderna e situado na cidade que foi a capital da República até sua transferência a Brasília.

O Rio de Janeiro é também a cidade da antiga Escola Nacional de Belas Artes onde dirigiu e lecionou Lúcio Costa, hoje ligada à UFRJ, e assim, a cidade pode vir a ser a casa dos arquitetos brasileiros.

A ideia de transformar o edifício Gustavo Capanema no local do Centro de Documentação da Arquitetura e Urbanismo Brasileiros é uma ideia latente que vem circulando entre alguns arquitetos pelas redes sociais desde que se anunciou a venda do edifício, e, mais ainda agora com a travessia do Atlântico do acervo de Lúcio Costa.

Essa é uma proposta que deveria ser fruto de uma parceria de gestão entre o poder público e as instituições afetas à guarda e pesquisa de nosso patrimônio arquitetônico. Entre elas destaco o IPHAN, a UFRJ, IAB, O CAU, a Biblioteca Nacional, o Arquivo Nacional e a Cidade do Rio de Janeiro, e a filiação e apoio de todas as faculdades de arquitetura públicas ou privadas do país.

O edifício Capanema representa ainda a construção do Estado brasileiro nos anos 30, estado hoje tão enfraquecido, por isso deve ser mostrado a todas as gerações, para que tenham orgulho de ser brasileiros e dizer-lhes que no Brasil viveu o maior arquiteto da era moderna reconhecido no mundo todo pela sua obra.

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Lúcio Costa e Oscar Niemeyer durante a construção de Brasília.

E quem sabe no futuro possamos receber de volta o acervo de Lúcio Costa num gesto de gentileza de Portugal, para que os meninos e meninas brasileiros se encantem com essa profissão.

A popularização e divulgação da produção de arquitetura não é coisa só de arquitetos, é a expressão permanente da história da cultura, da arte, e do abrigo de um povo.

Por Rosana Miranda, Professora Doutora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP).