É possível sentir orgulho?

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Os dias que precederam este 28/06 foram extremamente difíceis. Enquanto em São Paulo, Gabriel, um garoto de 22 anos era morto com 3 tiros na cabeça em uma emboscada, Roberta, uma mulher trans teve seu corpo tomado por fogo numa tentativa de assassinato em Recife. O tempo curto entre um caso e outro desestabiliza a ponto de pensar se realmente podemos falar de orgulho em meio a tanto caos e medo. Mas a grande verdade é que falar de orgulho é falar sobre esperança, e mais do que nunca, esse exercício tem sido extremamente necessário.

Todos os anos o mês do orgulho chega com o lembrete de ser LGBT ainda é um grande risco. Sabemos que a cada 23h o Brasil produz uma vítima fatal por lgbtfobia, em sua grande maioria mulheres transexuais e travestis, que tem expectativa de vida de apenas 35 anos, e colocando o país em um patamar de líder absoluto de mortes por esse crime de ódio há mais de anos. Lembrar dessa verdade amarga é difícil, e vê-la acontecer em pleno Junho é destruidor.

A Parada do Orgulho de São Paulo surgiu e se popularizou, em grande parte, por ser um evento que transmite a oportunidade de pessoas LGBTs coexistirem em um mesmo ambiente, com a liberdade de ser, de amar, de se divertir e de ter uma voz, sem sofrer represálias ou julgamentos. E participar dessa manifestação festiva se tornou uma forma de encontrar motivos para se orgulhar em meio ao caos que é ser LGBT no Brasil.

E do que vamos nos orgulhar, afinal?

É preciso admitir, antes de mais nada, que lutamos muito pelo nosso reconhecimento, nossos direitos, e pelas pequenas conquistas que nossa comunidade recebe diariamente. A Parada de São Paulo reúne milhões de LGBTs anualmente e é a maior do mundo, onde a força de nossa mobilização permite que as pautas da comunidade não sejam invisibilizadas. Os anos de luta reunindo esse número expressivo garantiram direitos históricos para todos, por isso devemos nos orgulhar imensamente de cada novo casamento, adoção, emissão de documentação com nome social que recebemos.

E como não se orgulhar de ser lésbica ao lembrar que fenômenos da música como Cassia Eller e Daniela Mercury mostraram e mostram que é possível ser família e ter amor numa relação homossexual? Ou de ser gay sabendo que Lulu Santos canta para nós e sobre nós sempre que considera “justa toda a forma de amor”? Também de ser bi, ladeado por um panteão que vai de Cazuza a Anitta? E principalmente, é possível não se orgulhar de ser trans ao ver as grandes mentes geniais como Laerte, Pepita e toda a representatividade política forte como Duda Salabert, Erica Hilton e tantas outras?

E com a ascensão da cultura drag promovida pela popularização do reality Rupaul’s Drag Race, é preciso fazer uma menção especial ao orgulho que temos que ter por Jorge Lafond, que quebrou diversos paradigmas na televisão e eternizou a Vera Verão, popularizando a arte que Miss Biá, Silvety Montilla e Márcia Pantera já faziam nos clubes e boates muitos anos antes. Essa visibilidade possibilitou que Pabllo Vittar se tornasse, hoje, a drag queen mais popular do planeta, passando o fenômeno Rupaul em seguidores no instagram e reproduções no spotify.

Orgulho é um exercício, é não esquecer o nome de todos os Gabriel e Robertas, vitímas da lgbtfobia, sem deixar de lembrar que é preciso lutar, e que essa luta é enfrentando ocupando espaços, amando e mostrando ao mundo que existimos, resistimos, sobrevivemos, temos esperança de evolução, e que assim como a letra da Pabllo Vittar, sabemos que tudo vai ficar bem, que nossas lágrimas vão secar, que se recebemos dor, devolvemos amor, e que quanto mais dor recebemos, mais sabemos que somos indestrutíveis.