Shamisen, canções do mundo flutuante

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O nome já começa dando toda a poesia que conduz a HQ, um texto e um traço instigantes, etéreos, relaxantes e reflexivos, mas com momentos agoniantes e de surpresa, charme puro. Ter sido escrito por um cineasta de mão cheia, dono de premiações a dar com o pau, como Tiago Minamisawa, torna a obra singular dentro da arte nipo-brasileira. Os desenhos ukiyo-e coloridíssimos de Guilherme Petreca, um estudioso da arte japonesa, chamam tanto a atenção que mesmo fechada, a obra atrai olhares pela capa e lombada. As 164 páginas ricamente coloridas saem por 64,90, podendo ser achado com desconto, eventualmente.

A inspiração da trama é a música tradicional japonesa chamada Minyo, tocada pelo shamisen, um instrumento de corda peculiar tanto pelo som quanto pelo formato. Instrumento este tocado pelas gozes, uma classe de mulheres cegas que tocavam o shamisen para sobreviverem de doações de ouvintes, sendo uma dessas a protagonista da história, Haru, inspirada em uma goze real, Haru Kobayashi, falecida em 2005 e considerada um tesouro nacional vivo do Japão, ganhando filme sobre sua vida também. Outros personagens são inspirados em personalidades reais, o professor de Haru é Takahashi Chikuzan, um dos maiores músicos de shamisen, e um figurante não nomeado é Hokusai, inclusive a Grande Onda de Kanagawa também aparece no traço de Petreca. Outros elementos da obra são as criaturas mitológicas japonesas, como o Kappa que se torna amigo de Haru, e os deuses japoneses, como Shinigami, Benzaiten, Raijin, dentre outros que são todos comovidos pela música de Haru.

O contato de uma cega com o mundo e suas divindades é belíssimo, de uma sensibilidade absoluta. Cada percepção do mundo por Haru lava a alma do leitor ao longo da história pacífica da vida da cantora que é carregada de xintoísmo ao longo do traço limpo e contemplativo que nos conduz do começo ao fim. O balonamente é show à parte, cada personagem tem seu próprio tipo de balão e fonte, variando entre os deuses, o Kappa, Haru e os demais humanos. Pode ser colocado como um dos melhores lançamentos nacionais de 2021 desde já.