O discurso internacional de Lula e o projeto diplomático internacional

O discurso internacional de Lula e o projeto diplomatico internacional
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Por Alberto Imbiriba O que todo mundo sabia se concretizou nos primeiros meses de governo Lula, com sua forte agenda internacional, provando para seus opositores e para o mundo, após sua prisão, que é um grande estadista. Mas esse plano bem elaborado de reconstrução da imagem internacional, conjuntamente do Brasil e do Lula, faz parte da retomada de um projeto iniciado nos primeiros governos do PT. Esse projeto de tornar o Brasil uma liderança regional, e sobretudo uma liderança global, surge no papel diplomático único que o Brasil pode exercer.

A missão de paz no Haiti liderada pelo Brasil já dava mostras do papel que o governo Lula sempre quis exercer, e que o próprio sempre quis exercer, de líder único e incontestável. Assim Lula fez ao assumir a liderança sindical nos anos 70, depois ao assumir a liderança do PT nos anos 80, e assumir como única grande liderança da esquerda no Brasil nos anos 90. Após sua vitória nos anos 2000, Lula também já ensaiava se tornar a grande liderança da américa Latina, mas tinha pelo caminho lideranças que fizeram bem mais que ele no grande jogo da política latina. Pelo caminho, existiam Evo Morales e Hugo Chavez que lideraram movimentos superiores em seus países, enfrentaram golpes de estado e grandes pressões internacionais. Mas Lula não, foi eleito presidente com discurso pacificador, liberal e de fortalecimento do estado burguês. Bem diferente do discurso que ele adotou por inúmeras eleições entre as décadas de 80 e 90.

Depois de passar por toda a perseguição jurídica e midiática, e se transformar no caudilho que tanto queria se tornar no passado, mesmo tendo sido preso durante a ditadura. Nada no passado se comparou aos fatos ocorridos com Lula entre 2016 e 2020, com sua prisão se tornando um grande espetáculo midiático na imprensa brasileira, e a lava jato sendo exportada pela américa latina atras dos grandes líderes políticos. Todo esse contexto deu ao grande líder Lula, o que ele sempre quis, o calvário que transformou os grandes líderes da américa em caudilhos, mas diferente do ocorrido com Allende e outros líderes, a perseguição a Lula apenas tinha o levado a prisão, e não a morte como outros tantos caudilhos sulamericanos. E obvio, que a narrativa criada em torna da volta do Lula, como candidato, preso político, e injustiçado por uma perseguição jurídica, política e midiática precisa de um vilão claro, alguém que seria o novo risco para a democracia brasileira, e trouxesse de volta o discurso de nós contra eles. Bolsonaro cumpriu muito bem esse papel durante seus 4 anos de governo, construindo crises diplomáticas, institucionais e dentro do seu próprio governo, que muitas vezes mais parecia um trem desgovernado, do que um governo possuindo um projeto de país

E preciso ter em mente que o Bolsonaro acabou criando as condições ideais para a volta de uma liderança política como Lula, alguém que se apresenta como estadista, pacificador e conciliador. Um perfil que agradava ao mercado, seus antigos opositores como Geraldo Alckmin que aceitou ser vice-presidente, ao judiciário, e ao meio político mais tradicional, como o centrão, que já conhecia a forma como Lula trabalhava a composição do seu governo. De fato, Bolsonaro acabou se tornando o maior cabo eleitoral do Lula, ao somente atacar o PT e a esquerda, como fez na eleição de 2018, e não apresentar nenhum projeto, ou benfeitoria significativa do seu governo. Muito porque o próprio Bolsonaro deixou o seu governo divido em clãs de interesses, que governavam por ele, enquanto ele encenava um teatro de confronto contra o sistema, e de ¨ tudo que estava ai¨ como o próprio usou varias vezes. Acabou por esvaziar ainda mais sua narrativa ao cair direto na armadilha da polarização, que Lula e o PT utilizam desde a primeira eleição pós redemocratização. Mas que o próprio Bolsonaro utilizou em 2018, e naquela eleição não somente deu certo, como Bolsonaro acabou por varrer a política nacional, elegendo deputados, senadores e tantos governadores pelo Brasil.

O que ninguém na política esperava, ou não esperava tanto assim, era a intensa agenda internacional do governo Lula, em torno da reconstrução da imagem externa e interna do Brasil. Como se a vingança pessoal do Lula, fosse mostrar para o mundo que o Brasil com ele e o PT no poder, e um Brasil diferente, diplomático e que dialoga, pronto para ser aberto ao mundo. E notável a diferença de viagens e encontros internacionais que Lula participa agora, do que participou no seu governo. Mas ao se colocar no centro da narrativa, Lula também tenta reconstruir sua imagem de estadista, político habilidoso, e acima de tudo, um caudilho injustiçado que foi preso injustamente. E esse e o ponto central desse texto, visualizar como essa narrativa de reconstrução da imagem do Brasil, não diz respeito somente a imagem do país, mas também a imagem do próprio Lula. Como se o Brasil e o mundo pudessem esquecer em um passe de mágica, as tantas e tantas horas que o rosto do atual presidente esteve estampado como corrupto, ladrão e quadrilheiro, nos jornais, revistas, mídia e no próprio discurso do seu atual vice-presidente E o próprio Lula sabe disso, porque entende que a sua biografia e o mais importante de ser salvo nesse novo governo, e principalmente fazer um governo pacífico, calmo e de conciliação entre todos os atores do Brasil.

Seu discurso na ONU foi um dos mais brilhantes já feito, ao atacar de frente os reais problemas do mundo, mesmo que não tenha sido escrito pelo próprio Lula, mas representa o que ele pensa, ou contradizendo minha frase anterior, representa o projeto que Lula defendeu junto ao povo brasileiro como seu. Esse é o ponto principal, para pensarmos na ideia do presidente Lula em liderar, como grande estadista, e o último da sua geração de caudilhos populistas, a américa latina e o sul global. E inegável, o respeito e o prestígio que Lula como presidente por 8 anos, preso e reeleito presidente tem frente ao mundo, sobretudo como novas lideranças surgindo, e novos atores aparecendo no grande palco da política internacional. Mas o destaque de todo esse processo, e o papel inegável que o Brasil possui nos principais debates internacionais, como clima, preservação ambiental, energias renováveis, produção agrícola e combate as desigualdades. E esse papel que o Brasil assume, coloca Lula em uma posição extremamente favorável para apresentar seu discurso de conciliador e pacificador, não apenas para assuntos internos, mas para as questões externas também.

No passado, em seu último governo, Lula tentou consolidar essa imagem ao fazer acordos nucleares entre Irã e Turquia, que na época foi benéfico para ambos os países, mesmo o problema do Irã sendo com a Otan. O acordo foi benéfico para o Brasil, que abasteceu suas usinas nucleares ainda em construção com matéria prima, mas falhou em seu pretenso objetivo de pacificar o oriente médio. Mas colocou Lula em evidência internacional, ao líder brasileiro se provar como uma liderança diplomática no mundo. No final, Lula deixou seu governo com saldo positivo na política externa, que foi utilizado por sua sucessora a exaustão, até enfraquecer a posição brasileira na geopolítica global. Diferente da presidente Dilma, que convenhamos sofreu um golpe justamente por fortalecer a aliança brasileira com o bloco do BRICs, o atual governo Lula tem uma vantagem temporal e de interesses no que concerne ao BRICs. Uma posição favorável que coloca o Brasil como um dos únicos 2 grandes países do bloco que mantem uma forte posição de cooperação com os EUA. Sobretudo após Lula se tornar antagônico ao que Bolsonaro representava, e este, representava uma séria ameaça ao projeto de reaproximação regional do presidente Joe Biden, ao Bolsonaro se colocar como principal aliado do ex-presidente Donald Trump, que hoje é o principal adversário do sistema político americano e do establishment das Big Techs.

Duvido caso Trump ganhe a eleição, que Lula se coloque numa posição antagônica como todos pensam, porque isso iria contra o seu discurso de pacificador, e de qualquer forma teria a narrativa de grande estadista de Lula pronta. Como o presidente que conseguiu ter uma aproximação com Trump, e manter sua narrativa populista. Mas essas questões ficam no campo das projeções, enquanto de fato temos uma posição mais palatável para analisar no momento, que gira em torno da guerra na Ucrania. Onde o presidente Lula desde os primeiros dias do seu governo tenta tomar uma posição de conciliação, e retomada do diálogo, para o encerramento pacífico do conflito militar, por meios de acordo de paz. Pois, já ficou claro a luz dos olhos de todos, que o conflito se tornou uma guerra indireta entre OTAN (Organização militar do acordo do atlântico norte) e a Rússia, por controle de zonas de influência no Cáucaso e na Europa oriental. Mas essa posição tomada por Lula, mesmo que seja a correta dada a tradição diplomática brasileira, de não interferência nos conflitos, e na resolução pacífica das disputas e conflitos, tomando uma posição neutra. Não se deu pelos valores diplomáticos, mas sim na imposição do discurso do presidente Lula como estadista, e como um grande líder diplomático internacional. Inclusive na própria ideia de criar uma liga de nações pela paz, Lula colocou seu capital político internacional numa tentativa de melhorar a imagem do Brasil, bem como resgatar sua própria imagem, e ao mesmo tempo que colocar o Brasil de volta ao centro do debate diplomático novamente.

O presidente Lula apenas não contava com os objetivos particulares do presidente Zelensky, que tomou para si, a ideia de carregar o bastião moral do ocidente, e carregar a guerra na urania uma importância que jamais teria, se a guerra não fosse com a Rússia. Nesse ponto, Lula contrariou o ocidente e tomou a posição do BRICs ao não condenar a Rússia, e nem romper relações diplomáticas com um dos maiores parceiros comerciais do Brasil no mundo, sobretudo em relação aos fertilizantes e insumos agrícolas. Para contornar a ideia da liga de países pela paz, Lula retornou com um objetivo antigo, que estava com conversas adiantadas durante o 2 mandato da presidente Dilma, que é a entrada de mais países no conselho de segurança da ONU, que possuem poder de veto entre outras prerrogativas, e o país mais cotado para entrar nesse conselho sempre foi o Brasil. A defesa entusiasmada do presidente Lula ao abrir a assembleia geral das nações unidas, que defendeu a posição da entrada de mais países incluído o Brasil, não faz parte apenas de um projeto diplomático, mas um projeto mais amplo de poder e legado do presidente Lula. Que na tentativa de solucionar a guerra na Rússia, encontrado uma saída diplomática, tentava conseguir o que os grandes líderes e mártires do mundo conseguiram, o prêmio Nobel da paz, tal qual Mandala e tantos outros.

E dentro desse projeto político pessoal, agradar os setores amplos externos e internos se tornou algo importante dentro do discurso do Lula, para reafirmar sua imagem como estadistas e conciliador. No discurso interno nomeou indicações em ministérios chaves nomes do centrão que se propuseram a fazer parte da base do governo, mesmo o centrão tendo passado os últimos 8 anos vociferando contra a corrupção e ladroagem do PT e do próprio Lula. No discurso externo, Lula criou ministérios e indicou nomes para agradar a agenda globalista internacional, e o discurso de preocupação climática, direitos humanos e igualdade. Dentre os nomes escolhidos podemos citar Marina Silva no meio ambiente, que passou 12 anos sendo crítica e opositora ao PT, Sonia Guajajra nos povos tradicionais, e Anielle Franco na igualdade racial. Em Belém, minha cidade natal, quando tem alguma coisa que sabemos que é apenas uma capa, com discurso vazio, dizemos que é para inglês ver; o que exatamente esses ministérios representam. Não possuem orçamento, legislação própria ou atuação definida, se limitando a eventos e discursos internacionais que recolocam o Brasil nos debates das pautas globalistas internacionais, sem a preocupação de realizar os debates concretos e dentro da realidade brasileira sobre os temas.

Analisando o discurso internacional, e as narrativas internas e externas do governo do presidente Lula, observamos a existência de um projeto pessoal claro, com certas doses de revanchismo, mas que tem como objetivo resgatar a imagem de líder estadista, caudilhista, amado pelo povo, injustiçado, atacado pelas elites, mas acima de tudo, um Cesarista que atravessou o rubicão da lava jato, e assim como Cesar marchou triunfante sobre seus opositores. Mas como bem lembrou Cicero ao contar a história Romana, mesmo Cesar tendo atravessado o rubicão, tempos depois seus opositores e aliados mais íntimos, o esfaquearam em plena luz do dia, e sem remorso ou constrangimento algum. E esse pode ser o maior problema do presidente Lula tanto em seu discurso internacional quanto na agenda interna, que o processo de esquecimento dos últimos 12 anos, não seja tão rápido e pacífico como a narrativa que seu governo tenta emplacar.

Por Alberto Imbiriba