O Brasil e os BRICS

O Brasil e os BRICS
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A ampliação dos BRICS com a entrada, a partir de janeiro de 2024, da Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã, Egito, Etiópia e Argentina (a ver como vai lidar com isso o futuro presidente a ser eleito nas eleições de outubro/novembro, uma vez que uma eventual vitória de Patricia Bullrich ou Javier Milei pode fazer o país vizinho recuar do pedido de ingresso nos BRICS) é um fato novo e extremamente relevante na geopolítica mundial.

Significa um acréscimo ao grupo de uma população superior a 380 milhões de habitantes (maior que a soma das populações do terceiro país mais populoso do mundo, os EUA, com do Canadá) e um PIB nominal combinado de cerca de 3,1 trilhões de dólares (equivalente ao do Reino Unido e superior ao da França, segundo dados do FMI).

Das reservas mundiais de petróleo, os BRICS agora passam a deter 45% do total, também tem 45% da população (mais de 3,6 bilhões de habitantes) e um PIB somado superior a 31 trilhões de dólares. Por paridade de poder de compra a soma dos PIBs vai a 65 trilhões de dólares.

Em inovação tecnológica, dentre inúmeros outros feitos, a China passou os EUA no número de novas patentes anuais e a Índia, durante a cúpula de Johanesburgo, pousou um módulo na lua.

Desde 2009 quando Brasil, Rússia, Índia e China fizeram sua primeira reunião de cúpula, passando por 2011 quando a África do Sul passou a fazer parte do grupo, o BRICS viu sua participação na economia mundial crescer, junto com sua relevância política e estratégica, que foram ainda impulsionadas pela criação de um banco de fomento próprio, para o qual abriu a participação de países não membros, o que fez a fila de países pretendentes a fazer parte do grupo só aumentar.

De apenas uma sigla aleatória inventada por um economista ocidental o grupo passou a ter pautas cada vez mais relevantes pros seus países membros.

O conflito na Ucrânia e a reação dos EUA e seus aliados com a imposição de embargos e confiscos de reservas internacionais sem precedentes contra a economia russa, utilizando para isso sua influência em sistemas de governança globais que deveriam ser neutros, como o SWIFT, acenderam uma luz de alerta em diversos países do chamado sul global.

Muitos países temem ser eles próprios os próximos alvos desse tipo de sanções.

Tantas vezes os EUA e aliados buscaram impor seus valores, tomados invariavelmente como universais e absolutos, a outros países, sempre de acordo com seus próprios interesses econômicos e geopolíticos, intervindo em países soberanos sem nenhum pudor em diversas ocasiões que essa reação do chamado sul global deveria ser previsível.

Num gesto de grande significado geopolítico e ainda não devidamente analisado a China promoveu com grande discrição – e sem nenhuma participação dos EUA – uma série de reuniões diplomáticas entre Arábia Saudita e Irã, históricos adversários no Golfo Pérsico e no mundo muçulmano, que culminaram no restabelecimento de embaixadas em Teerã e Riad. Agora os dois países vão se tornar membros do BRICS.

Se lembrarmos que na década de 70 os EUA eram os maiores aliados e parceiros militares e comerciais de ambos os países, que foram fundamentais para a implantação dos petrodólares, é fácil constatar a importância dessa articulação da diplomacia de Pequim.

Agora vemos a postura hostil da população do Níger aos ex-governantes pró franceses, numa reação em série que mostra a rejeição por parte da população de vários países africanos aos antigos colonizadores europeus e seus sucessores norte-americanos.

A implantação do programa de infraestrutura One Belt, One Road (Nova Rota da Seda) pela China que tem como grande foco a África e países da Ásia Central e Oriente Médio também se insere nesse novo cenário global. Embora Brasil e Índia não tenham assinado o memorando de entendimentos com a China para fazer parte da iniciativa (a Índia por disputas históricas com a China e o Brasil por pressões dos EUA, por querer negociar o apoio da China por um assento no Conselho de Segurança da ONU, por priorizar acordos bilaterais ou pela combinação desses motivos) todos os seis novos membros do BRICS já assinaram sua participação no projeto chinês.

O dólar está sendo cada vez mais substituído por moedas locais nas trocas comerciais dentre os países dos BRICS.

O equilíbrio geopolítico global está mudando a passos largos, o que constitui para o Brasil um misto de desafio e oportunidade.

É tão óbvio o grande crescimento da participação da economia dos BRICS no cenário mundial que tem sido motivo de euforia em muitos por aqui que vêem isso como um todo sem se ater devidamente a realidade do Brasil, ou melhor usam o grande crescimento dos BRICS – do qual efetivamente fazemos parte – para tentar esconder nosso papel insignificante até aqui para que essa expansão econômica acontecesse.

A alegada preocupação do governo brasileiro em ter o peso do país dentro dos BRICS diminuído com a adesão de novos países membros, como foi amplamente divulgado antes e durante a cúpula de Johanesburgo, é procedente. Muito mais por ficarmos cada vez menores economicamente dentro do bloco do que por qualquer outra coisa.

Geopoliticamente a condição do Brasil no BRICS sempre vai ser favorável. Somos mais da metade da população, território e economia do continente sul americano e temos o maior litoral do Atlântico Sul.

A possibilidade de diminuição da nossa força dentro de um grupo com tanto crescimento, população, força militar e plena soberania dos países membros decorre exatamente da nossa estagnação econômica e dos riscos de diluição da nossa autonomia que constantemente enfrentamos, sem o devido aclaramento dos interesses externos por aqui e seus aliados internos.

Nos 50 anos compreendidos entre 1930 e 1980 o Brasil, baseado num projeto de país que teve o Estado desempenhando um papel primordial de indutor da economia, implantado com Getúlio Vargas e a Revolução de 30 e continuado, ainda que parcialmente, até o governo Geisel, foi o país que mais cresceu no mundo. Repetindo: o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo !

Chegamos em 1980 a uma participação de 4,3% na economia mundial segundo o FMI.

De lá pra cá o Brasil foi, dentre os 5 países que originaram os BRICS, disparado, o que mais seguiu com afinco aos ditames do neoliberalismo e do sistema financeiro internacional, abandonando quase por completo seu projeto autônomo de desenvolvimento, que vinha desde 1930.

Mesmo quando o discurso oficial é autonomista e soberano, a prática não tem sido essa.

O resultado é que pelas projeções do mesmo FMI a participação do Brasil no PIB mundial em 2023 deve ficar abaixo dos 2% pela primeira vez em muitas décadas.

Aí acontece um paradoxo que muitos economistas ou entusiastas do atual governo fingem não ver: enquanto a economia dos países do BRICS somadas cresce a um ritmo alucinante o Brasil, mesmo tendo todas as condições e necessidades de crescer num ritmo ao menos próximo da média dos BRICS, vai ficando cada vez mais para trás.

Para ilustrar melhor: em 2000 a soma dos PIBs dos onze países que viriam a formar os futuros BRICS* (ainda não constituído) era o equivalente a 18,24% do G7 (EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) e o Brasil respondia por 16,26% desse PIB dos BRICS.

Em 2009, ano da primeira reunião de cúpula, a economia dos BRICS (dos onze países a partir de janeiro de 2024) já equivalia a 36,65% do G7 e o Brasil tinha uma participação de 14,28% nesse PIB somado dos BRICS.

Agora, em 2023, sempre de acordo com o FMI, os PIBs somados dos BRICS vão ser 67,89% do G7 (3,7 vezes mais que em 2000) e o Brasil vai ter apenas 6,67% desse total dos BRICS (2,4 vezes menos que em 2000).

Enquanto o BRICS está cada vez mais perto do G7, o Brasil tem uma participação cada vez menor dentro do BRICS.

Nossa fatia dentro do bolo dos PIBs dos BRICS, sempre considerando os onze países que serão membros a partir de janeiro de 2024, caiu de 16,26% em 2000 para apenas 6,67% em 2023.

Se em 1980, como já dito antes, o Brasil tinha 4,3% da economia mundial em PIB nominal, em 1985 tínhamos 4%, em 1990 3,6%, em 1995 3,4%, em 2002 3,1%, em 2016 2,5%. Uma queda contínua.

Uso esses anos para fazer um paralelo do nosso calendário político. 1985 é o início da Nova República. 1990 início do Governo Collor. 1995 começa o período FHC. 2002 eleição do Lula. 2016 fim do governo Dilma.

Também não é por acaso que desde 1995 o Brasil pratica em média os juros reais mais altos do mundo. Mesmo entre 2003 e 2016, nos governos Lula e Dilma, foi assim, apesar do conveniente discurso atual contra os juros altos.

Esses números mostram que não houve nesse período de 1980 até hoje nenhuma interrupção nessa queda do peso da economia brasileira no cenário mundial por absoluta falta de um projeto nacional de desenvolvimento que permitisse ao Brasil aproveitar de todas as suas vantagens comparativas (tamanho, clima, população, abundância de matérias-primas, demanda por grandes obras de infraestrutura, potencial energético, capacidade técnica, etc).

Mesmo se usarmos o PIB por paridade de poder de compra ao invés do PIB nominal – o que muitos economistas preferem, por trazer um retrato mais fiel da realidade de cada país, já que os custos são muito diferentes – vamos ver os BRICS contribuindo com 37,26% da economia mundial (já maior que os 29,83% do G7, como festejou o presidente Lula) mas o Brasil dentro do BRICS só tem 6,18%, ou seja nossa participação é ainda menor que com o PIB nominal.

Diante desse cenário tão promissor para as economias emergentes, a falta de um projeto nacional de desenvolvimento está fazendo o Brasil perder uma janela de oportunidade histórica que pode não aparecer mais nas próximas gerações.

Nunca teremos um ritmo de crescimento econômico ao menos próximo de nossos parceiros de BRICS enquanto tivermos nossa economia totalmente dependente de commodities (novo nome para matéria-prima) e menos ainda se insistirmos em juntar a isso o dogmático tripé macroeconômico de meta de inflação, superávit primário e câmbio flutuante.

Não se faz um país próspero com uma economia sendo o paraíso do rentismo e baseada em commodities, uberização e salões de beleza como símbolos da capacidade de empreendedorismo.

Basta observar que nenhum dos outros países que puxaram os BRICS, que tanto cresceu apesar da pífia participação do Brasil, fizeram isso.

Todos se baseiam num projeto nacional autônomo, ousado e inovador.

Por Allan Nacif

 

*Incluindo os PIBs de Hong Kong e Macau, que afinal não possuem política externa independente da China.