Novos ou velhos desafios para o sindicalismo?

Novos ou velhos desafios para o sindicalismo
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Nos últimos 40 anos o mundo assistiu ao processo de marginalização e criminalização dos sindicatos em quase todos os países do Ocidente. Dos anos 80 para cá, megacorporações despejaram bilhões e bilhões em pura propaganda antissindical, seja através de práticas de marketing, seja com matérias e especialistas ‘pagos’ em grandes veículos de comunicação para difamar e descredibilizar qualquer processo de coletivização da luta dos trabalhadores.

Além disso, a expansão do neoliberalismo não só como modelo econômico, mas também como uma visão individualista de mundo, ajudou a pintar este quadro sombrio. O discurso liberal se torna sedutor na medida em vende o sonho do “faça você mesmo” e adjacências.

Se trata de todo um conjunto de mentiras milimetricamente construídas para isolar o individuo. Ao lado disso, centenas de países alteraram suas legislações, protegendo empregadores, asfixiando sindicatos e destruindo garantias. Estas, duramente conquistadas após décadas de luta sindical.

Nesta esteira, a sindicalização de trabalhadores e trabalhadoras sofreu redução significativa, dentro de um processo já esperado diante de tantos ataques como os citados acima. Sindicatos mais fracos resultam em trabalhadores menos protegidos e maiores lucros para os bilionários, que seguem concentrando renda às custas de quem, de fato, produz riqueza – os trabalhadores. Este processo causou prejuízos gigantescos à sociedade, que se tornou mais desigual e desumana.

Nos últimos anos, porém, trabalhadores ao redor do mundo começaram a perceber – e a se organizar – que esse discurso piorou sua vida, objetivamente. Lideranças ligadas à luta dos trabalhadores voltaram a ter protagonismo político e eleitoral, furando a resistência da máquina de interesses do liberalismo desenfreado no começo do século.

Nos Estados Unidos, por exemplo, uma pesquisa feita pela empresa Gallup registrou os níveis mais elevados de apoio aos sindicatos desde a década de 1960. 71% dos americanos aprovam a existência e atuação dos sindicatos e um em cada 10 trabalhadores não sindicalizados afirma estar “extremamente interessado” em aderir a um, registra um artigo da BBC. Além disso, a geração Z (nascida entre meados da década de 1990 e meados da década de 2000) é, segundo o Centro para o Progresso Americano, “a geração mais pró-sindical que existe atualmente”.

O país, pilar do discurso liberalizante, assistiu às grandes mobilizações de trabalhadores nos últimos anos, como nos casos da Starbucks e da Amazon, e nesse momento presencia uma greve de grandes proporções no setor automobilístico, que ameaça paralisar as três maiores fábricas de automóveis do país.

Também vale citar a greve do roteiristas e atores de Hollywood, a ‘menina dos olhos’ da cultura norte-americana, que se cansaram de assistir estúdios obterem lucros bilionários enquanto os trabalhadores que produziam de fato os filmes de sucesso eram mal remunerados e não tinham acesso a nenhuma garantia trabalhista.

Não é à toa que Lula levou à Nova York os presidentes das mais importantes centrais sindicais do país para participarem da elaboração da chamada “Coalizão Global do Trabalho”.

No Brasil, a Reforma Trabalhista de 2017 retirou direitos dos trabalhadores e asfixiou os sindicatos, retirando cerca de 99% de seus recursos. O resultado foi catastrófico: a reforma não gerou os empregos, fez disparar o trabalho informal, achatou salários e empobreceu os trabalhadores do país que agora luta para enfrentar uma verdadeira epidemia de trabalho escravo, que se espalhou como erva daninha nos últimos seis anos.

Com o novo governo, a discussão sobre novas formas de custeio dos sindicatos avança, gerando ataques de multinacionais bilionárias e autênticas “fakes news” na Grande Imprensa, que insiste em falar em uma “volta do imposto sindical”, o que é simplesmente mentira. A contribuição sindical seria paga apenas se aprovada em assembleia pela maioria dos trabalhadores da categoria. Ora, ninguém faz assembleia para “decidir” se vai pagar algum imposto.

Imposto é obrigatório e acabou. Portanto, “denunciar” a volta do “imposto sindical” é notícia falsa e desonestidade intelectual.

Neste contexto, é simplesmente incompreensível que uma central sindical brasileira divulgue um suposto levantamento que na prática, ataca os próprios sindicatos e a contribuição sindical, faz o jogo dos patrões e “retrata” uma realidade que não existe.

As novas gerações, como mostra a pesquisa feita nos EUA, são mais simpáticas à luta sindical e não o contrário, como a tal análise feita pela empresa LLYC sob encomenda União Geral dos Trabalhadores (UGT) vislumbra apontar. Aliás, se trata de um levantamento feito entre janeiro de 2021 e janeiro de 2023, durante o governo Bolsonaro, o mais antissindical da história do Brasil e ainda por cima, englobando o período eleitoral, momento em que a extrema-direita martelava 24 horas por dia que “sindicato é coisa de vagabundo, de corrupto”, tentando ligar os escândalos de corrupção dos governos petistas anteriores à luta sindical, utilizando inclusive a máquina pública para isso.

Não fosse trágico, daria para apontar o suposto levantamento no anedotário nacional, um verdadeiro tiro no pé, eivado de segundas intenções, conclusões equivocadas e soluções clichês para um problema que sempre será o Calcanhar de Aquiles para qualquer movimento progressista. A luta contra toda estrutura de difamação constante.

Para piorar ainda mais a situação, a referida entidade entendeu por bem lançar uma campanha para tentar se “reconectar” com trabalhador, em especial os mais jovens.

Ora, se conselho fosse bom se vendia, mas não seria demasiado sugerir para a central sindical começar orientando os sindicatos de comerciários (que são filiados à central) a fiscalizarem empresas de outros setores que “fingem” ser do comércio para pagar menores salários e fugir de direitos garantidos por Convenções Coletivas superiores às dos comerciários. Parar de compactuar com esse tipo de fraude contra os direitos dos trabalhadores já seria uma ótima iniciativa da entidade para “se conectar” com os profissionais de TI, esses realmente afetados pela prática da entidade.

Basta ver o caso da IBM, por exemplo, que virou alvo de investigação do Ministério Público do Trabalho (MPT) por anunciar vagas discriminando moradores de Minas Gerais, que “por questões institucionais”, não poderiam concorrer ao posto de trabalho.

Vale explicar: a IBM – que todo mundo sabe que é uma empresa de tecnologia – se declara como empreendimento que tem no comércio sua principal atividade econômica em todos os estados do país com o objetivo de fugir das convenções de sindicatos do setor tecnológico, que em média são bem superiores e garantem melhores remunerações e mais benefícios aos profissionais. Só que em MG, a Justiça condenou a empresa a mudar seu enquadramento sindical para empresa de tecnologia, além de ficar obrigada a indenizar retroativamente todos os funcionários e ex-funcionários lesados pela empresa nos últimos cinco anos. Um sindicato – ou uma central sindical – não pode compactuar com esse tipo de prática, que retira dinheiro do bolso do trabalhador para aumentar o lucro do patrão – e possivelmente, gerar alguns trocados a mais para quem deveria estar do outro lado da mesa.