Uma crítica ao livro de Ciro Gomes: sobre aquilo que faltou

Uma crítica ao livro de Ciro Gomes projeto nacional dever da esperança
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Prezado Ciro Gomes, acabo de terminar a leitura de sua obra. Trata-se de uma ferramenta importante de reflexão e combate. É notável sua capacidade holística de perceber os dilemas nacionais e traduzi-los materialmente como uma linguagem política viável para a democracia proferida na Carta Magna de 1988.

Confesso que para mim, que tenho te acompanhado por vídeo quase que diariamente desde 2016, ler seu livro foi rever suas palestras. Mesmo que tenha sido avisado da repetência conteudística, senti-me na obrigação de adquirir o livro e – porque não – opinar a respeito. Afinal, ambos preocupamo-nos com a centralidade da questão nacional.

Sem sombra de dúvidas, seu pensamento já se tornou um importante paradigma para as novas gerações. A capacidade imaginativa fornece a substância necessária, um ponto de partida para detectar os problemas e traçar a estratégia brasileira. Gosto quando eleva a temperatura do debate sobre o neoliberalismo.

Essa afirmação é impecável:

“o neoliberalismo nada mais foi que o instrumento ideológico fabricado pelo novo colonialismo para promover a destruição dos Estados-Nação”.

Assim como essa:

“Abandonamos a denúncia da exploração neocolonial no nosso discurso e na explicação da questão nacional, e nos afastamos da defesa de um Projeto Nacional. Até dos símbolos nacionais e das pautas nacionalistas muitos de nós passaram, na verdade, a se envergonhar”.

Por defender a tal “blusa da CBF” nas esquerdas fui quase chamado de “coxinha”. Defendo desde meus tempos de militante das Brigadas Populares que um novo Projeto Nacional de Desenvolvimento precisa dialogar com os lemas da pátria. É preciso repensar a Ordem social, rumo a um novo Progresso das maiorias. É de suma importância casar seu Projeto Nacional de Desenvolvimento com nosso manto sagrado. Sobre essa questão simbólico-cultural específica também recomendo um artigo que fiz ano passado sobre o entreguismo cultural, publicado no Portal Disparada.

Ressaltar a importância desta dialética metrópole-satélite é, mais uma vez, condição sine qua non para promover uma estratégia de projeto nacional, de caráter libertador e emancipatório. Confesso que gostaria de ver esse uso da luta contra o colonialismo como algo mais presente em suas declarações e discurso. Eles são importantes para desmontar a estética patriótica produzida pelo fascismo. Beber um pouco na fonte do Brizola e montar uma linguagem pautada na dialética colonizador/colonizado é fundamental para dar sentido de mobilização e de luta para a juventude.

Também é importante para desanuviar o termo neoliberalismo, hoje tratado como jargão por setores liberais de esquerda, que querem fazer o confronto ao modelo econômico sem, com isso, reivindicarem a nacionalidade, produzindo um “mazombismo” contestatório, parafraseando um termo de José Honório Rodrigues.

Portanto, assim como não tenho discordância com seu iluminismo tropical, tampouco enxerguei alguma diferença substancial com relação ao projeto nacional desenhado, talvez porque, nesses últimos anos, você tenha sido um dos bons professores que me acompanham nessa minha jornada como candidato a Doutor em História.

Feita a minha breve “rasgação de seda”, gostaria de apontar outras angústias que, porventura, numa reflexão mais adensada em forma de livro, você poderia trabalhá-las e não o fez.

Compreendo o que você deseja ao descrever “o que fazer”. No entanto, seu “como fazer” ainda me parece carente de orientação. E veja: não falo do espectro das alianças e da correlação de forças que também estou plenamente de acordo. Especialmente no que diz respeito às alianças com um centro democrático que busca a eficiência em espaços estatais pouco dinâmicos e fossilizados. A composição heterogênea na luta pela emancipação do Brasil nos acompanha desde os idos de nossa independência e conta com uma longa tradição de astúcia aglutinadora, representada nas figuras de José Bonifácio e Tancredo Neves. Conservadores que jamais podem ser colocados ao lado de traidores. Nesse sentido, eu prefiro fechar um pacto com uma figura como Rodrigo Maia que dormir todos os dias com um lobo em pele de cordeiro fantasiado de trotskista como o Palocci.

A minha angústia diz respeito ao elemento partidário. Afinal, o PDT consegue dar conta de governar o país com o método e estilo de trabalho que acumulou ao longo do tempo? Como construir bases sociais fundamentais que te elejam em 2022 e no futuro sejam importantes para a consolidação de seu apoio, provendo um cordão sanitário contra eventuais golpes?

Admiro seu iluminismo e seus princípios. No entanto, não se pode acreditar que “estudantes defenderem governo” ou até mesmo sindicalistas devem ser vistos, a partir do momento que o fazem, como meros objetos de cooptação política. Trata-se de uma necessidade do porvir. Assim como o Brasil precisará de uma contrainteligência robusta para es preservar da sabotagem estrangeira, como você defende em seu livro, é preciso montar uma “contrainteligência popular” que seja capaz de sustentar a criação de uma nova consciência nacional, quer dizer, um pacto social com setores amplos que defendam um Novo Estado Nacional, na construção de uma contra-hegemonia ao rentismo.

A despeito da história contada pela USP, Getúlio Vargas conseguiu governar por um longo período porque incorporou os interesses das classes subalternas e, concomitantemente, auxiliou no processo de organização política da emergente classe operária e sua burguesia industrial.  Sem essa aliança, como será possível desenvolver até mesmo uma burguesia nacional nascente? Afinal, qual seria a linha de massas a ser adotada?

O conjunto de reformas políticas propostas pelo companheiro precisam ser feitas no seio do movimento trabalhista. É preciso trabalhar com uma lógica que desconcentre poder e que proíba a política goela abaixo de deputados nas juventudes partidárias. Em suma, é preciso pensar não somente o programa, mas o design do instrumento político que tenha como missão a tarefa permanente de “organizar as maiorias desorganizadas” – perfeita categoria formulada por Mangabeira Unger. Para isso, é preciso fazer com que a militância sinta-se parte de instrumentos partidários, que calculam o poder político de um militante não por suas “ideias”, mas pelo número de votos que ele é capaz de puxar. É preciso encontrar um meio-termo para esses problemas. Caso contrário, a juventude nascente de sua campanha poderá se afastar da construção partidária, uma vez que se vê distante dessa construção.

Acredito que o companheiro esteja diante de uma situação paradoxal: ao mesmo tempo que profere contra o personalismo, o mal chamado “caudilhismo latino-americano”, parece ainda padecer dele, uma vez que, assim como o nosso querido Leonel Brizola, ainda tem diante de si um partido sem instrumentos populares verdadeiramente enraizados no cotidiano das maiorias e concentra em sua figura a principal voz do Projeto Nacional de Desenvolvimento. Isso faz com que, ao fim e ao cabo, haja uma concentração ainda maior de poder nas mãos de poucos.

No estilo político e na linha de massas atualmente aplicada, a construção da contra-hegemonia política torna-se um mero escutar de propostas do candidato, colocando o militante em uma postura passiva diante da realidade.  E que fique claro: a meu ver a relação grandes lideranças em oposição às ideias ou uma estrutura partidária democrática são falsas dicotomias. Acho que o Ministro deveria, inclusive, evitar essa visão preconceituosa, eurocêntrica e vira-latista sobre a política brasileira e latino-americana. Afinal, a Merkel está há anos no governo alemão e nem por isso questionam seu poder de fogo, nem muito menos a representatividade parlamentar que possui.

Também não podemos fazer tábula rasa e tratarmos lideranças do porte de Rafael Correa como toscos ávidos pelo culto à personalidade. Aliás, esse tipo de palavreado contribui para o afastamento de lideranças populares latino-americanas, que devem, num processo de enfrentamento articulado e em rede, monitorar suas respectivas democracias e, sincronicamente, enfrentar eventuais agressões. Chamá-los de “caudilhos” no mesmo sentido que fazem os grandes meios de comunicação não me parece uma ideia inteligente.

Por fim, espero que um dia você leia essa crítica e tecer uma posição a respeito.

Saudações Glauberiano-Brazyleyras,

André Luan Nunes Macedo, Doutorando em História pela Universidade Federal de Ouro Preto, Visiting Scholar no Latin American, Caribbean and Iberian Studies da University of Wisconsin-Madison, Visiting Scholar do Centre for Postcolonial Studies- Goldsmiths, Londres.

Uma crítica ao livro de Ciro Gomes projeto nacional dever da esperança

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  1. Ciro não pode entregar TODAS suas estrategias e pensamentos… por questões políticas, marketing etc… Ciro tem muita carta na manga e coisas a contar e a fazer. O livro deve ser 50% da cabeça dele, no máximo.

  2. Mas e o CIEP? O PDT tem que ter como bandeira prioritária o projeto de Darcy e Brizola para as crianças no BRasil. Quantos CIEPS serão construídos, as fábricas de CIEPs retornam como e onde, afinal qual é o projeto, quanto da renda nacional será alocado exclusivamente para isso. É disso que se trata de comprometimento com realizações para o povo brasileiro.

  3. Ótima reflexão. A melhor até agora. Que chegue em Ciro. A questão do uso da palavra caudilho pelo Presidente Ciro me incomoda. A crítica no sentido de “pregar contra a personificação” numa mão, e soar como o salvador da pátria na outra, é verdadeira. Questão para discutir dentro do PDT, talvez. Manejar, num primeiro momento, essa massa “cirista” (outro conceito estranho) para a política partidária (não precisa ser apenas para dentro do PDT, aliás). Como pedetista gostaria que Ciro fosse mais pedetista. Em tempo, cem por cento fechado com Presidente Ciro, vamos juntos, e vamos a vitória. E sejamos amigos da crítica! Parabéns pelo texto, Professor.

  4. Gostei da crítica, muito válida. Não consigo imaginar nosso presidencialismo desvencilhado desse personalismo capital, é um “não tem tu, vai tu mesmo”. Uma vez dirigindo o executivo e pondo em prática o PND vamos construir um sentimento republicano onde todos possam ver que o líder não precisa ser necessariamente o “Francisco, José ou Maria” ou o “Pedro, Joana ou Rita” (Projeto Nacional… p. 45). Essa tarefa faz parte do pacote também: despersonalizar o quanto puder o PND.

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