O boom da criminalidade e a responsabilidade de Lula

O boom da criminalidade e a responsabilidade de Lula
Botão Siga o Disparada no Google News

O Brasil, como as sociedades latino-americanas contemporâneas, vive o mesmo problema dos cartéis de drogas há décadas. Há demanda constante por entorpecentes e a remuneração pela venda do produto compensa os riscos que os agentes que o ofertam encaram.

O que mudou de um tempo para cá foi o crescimento e a profissionalização das facções que operacionam a venda das drogas. Isso envolve amplo recrutamento de cidadãos livres e pobres, de desempregados, de dependentes químicos, de presidiários acossados nas cadeias pelas gangues, de funcionários públicos de órgãos fiscalizadores e de políticos profissionais. Some-se a tudo a inapetência das polícias civis, que porcamente exercem o trabalho investigativo, e as liminares do judiciário, que franqueiam o acesso dos bandidos às ruas tão logo suas raras capturas ocorrem.

Com o boom do crime organizado, as sociedades latino-americanas passaram a viver terrorismo sem fundamentalismo, rebeliões sem ideologia, morticínio sem declaração de guerra. A violência naturalizada venceu. E suas sinapses atingem qualquer cidadão a qualquer momento. Nada é tão cegamente democratizado quanto a vulnerabilidade à ação das tribos do crime organizado. Incitados pelo poder imperial que sentem ter, os criminosos tribais exibem suas próprias façanhas contra o Estado de Direito em redes sociais e invadem até emissora de TV ao vivo.

Todos os dias somos convidados a constatar que é um milagre não termos sido vítimas de um crime bárbaro, que alguém não tenha ainda invadido nossa casa, usurpado nossos caixas, sequestrado nossos entes, estuprado nossas filhas, esquartejado nossos vizinhos. Nada, de fato, nos protege da randômica reação em cadeia da violência.

A naturalização dessa anomia é concomitante à perda total do monopólio da violência pelo Estado. Nas sociedades latino-americanas de hoje, apenas conceitualmente o Estado detém esse monopólio. Na prática, as polícias, braços de força do Estado contra o crime, estão esmorecendo face ao poder imperial dos cartéis.

O fundamento desse quadro é mais do que óbvio: a posse de armamento vasto, pesado e abastecido com munições inesgotáveis. Da mesma forma que o descontrole generalizado do aumento de preços nutria a hiperinflação dos anos 1980, o descontrole do acesso a armas alimenta a violência vivida em toda parte. Somos objeto da inércia do fogo. Só que essa compreensão é turvada pela ilusão moralista que culpabiliza os consumidores do tráfico de drogas. Embriagados por um imaginário Tropa de Elite, populares e policiais pensam que o fato de um criminoso ter dinheiro é o que o faz ter a arma com que ameaça e executa. O ponto, contudo, é a distribuição franqueada do armamento ilegal. Como pode algo assim ser mercadoria de consumo livre a alguém? Como podemos tolerar que nossos portos, aeroportos, rodovias e até rios e lagoas sirvam de plataforma de infraestrutura para a circulação de um bem mortal como esse? Como podemos não nos escandalizar com o fato de jovens menores de idade terem acesso a armamento que faltam aos nossos policiais?

Clareza quanto ao problema é uma parte necessária ao enfrentamento. Mas convém determinar o encaminhamento. Não é possível que haja solução fora de um tratamento nacional e centralizado da coisa. É prerrogativa intransferível do presidente o combate ao tráfico de armas. Só ele tem força política e moral para iniciar uma campanha em várias frentes para reduzir ao limite do controle o acesso às armas que fortalece os criminosos e naturaliza a violência urbana. Só ele pode lançar mão de um Plano Real do controle de armas ilegais e do reempoderamento das polícias. Não sendo assim, estaremos lavando as mãos e assumindo não termos como lidar com o problema.

Até agora, o presidente Lula não tomou em suas mãos essa responsabilidade. A consequência é seguirmos convivendo com a criminalidade e contando com a reincidência do milagre, ao tempo que vemos pessoas de todas as classes, regiões, grupos, gêneros e cores serem vítimas das balas ou do que elas prometem fazer. Lula não é o responsável pelo tráfico de arma no Brasil, mas é o responsável por não enfrentá-lo.