Bob Jeff complica Bolsonaro, e ajuda Lula na disputa para dividir a alma do Brasil

Bob Jeff complica Bolsonaro, e ajuda a dupla JanJan na disputa pela alma do Brasil (2)
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A campanha de Lula no segundo turno das eleições presidenciais tem sido um desastre completo. Todas as pesquisas indicam praticamente um empate e tendência de alta para Bolsonaro. Se continuasse desse jeito, o atual presidente chegaria no dia da votação como favorito para vencer por pouco. Mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do PTB, Roberto Jefferson, protagonizaram duas trapalhadas incríveis que colocaram Bolsonaro em maus lençóis nos últimos dias de campanha.

A trapalhada de Paulo Guedes foi a de reafirmar, o que ele sempre defendeu, a intenção de desindexar o salário mínimo de gatilhos automáticos da inflação. Bolsonaro teve que entrar em campo e colocar Paulo Guedes sentadinho ao seu lado para prometer que o salário mínimo vai ser corrigido pelo menos com a inflação, e ainda teve a cara de pau de dizer que talvez possa até ser reajustado com ganho real, ou seja, acima da inflação. Até as pedras sabem que Paulo Guedes defende cortar todos os reajustes inflacionários dos preços decididos pelo governo justamente para conter gastos, e não para aumentar. Portanto, ficou meio ridícula a defesa governista do ministro, que em um país com soberania deveria é ter sido demitido há muito tempo pelo desastre econômico no qual o Brasil se encontra.

Mas Bolsonaro até conseguiu se sair bem porque “desmentiu” o ofensiva da campanha do PT em uma das únicas questões econômicas que Lula poderia atacar Bolsonaro. Isso porque a campanha petista no segundo turno é basicamente chamar Bolsonaro de pedófilo, defender a religiosidade de Lula que é contra o aborto, e defensor da família tradicional que não gosta de banheiro unissex em locais públicos, além de explorar o desastre sanitário do enfrentamento da pandemia pelo atual presidente. De economia mesmo, o PT fala muito pouco, e de corrupção, também. Afinal de contas, em termos de economia, o povo não tem a memória tão curta assim para esquecer que foi durante o governo Dilma que voltou a ficar desempregado e a passar fome devido à volta da inflação. Já do ponto de vista ético, foi Lula que passou mais de um 1 ano na cadeia, e o povo não fez faculdade de direito para compreender exatamente porque ele é inocente e a Lava-Jato um partido criminoso que o perseguiu, ainda que isso seja verdade.

Diante dessas dificuldades, o PT apostou em dobrar as promessas ao capital financeiro, indicando que Henrique Meirelles vai voltar a comandar a economia com o antigo chefe, caso Lula volte ao poder, e a triplicar a carga na guerra cultural em uma campanha conduziada pela dupla JanJan ou JJ, Janja e Janones. Além de morrer de ciúmes da memória da falecida Dona Marisa, que era muito querida pelos velhos amigos sindicalistas de Lula desde os tempos que costurou a primeira bandeira do PT, a atual mulher do ex-presidente, a Janja, gosta mesmo é de frequentar a casa do Caetano Veloso e articular com Paula Lavigne clipes musicais de jingles para a classe média progressista poder curtir o segundo turno distribuindo adesivos da campanha nos barzinhos do Leblon e da Vila Madalena ao som nostálgico da MPB. Já Janones foi escalado para fazer a campanha no povo pobre com fake news e discursos morais, acusando Bolsonaro de adúltero, pedófilo, maçom, satanista etc. Nada funcionou.

O fato é que Bolsonaro estava vencendo essa batalha. Lula não cresceu nada no segundo turno, e Bolsonaro estava em ascensão obtendo não só os votos de Simone Tebet, Ciro Gomes, e outros indecisos, como virando votos do próprio Lula nos chamados “votos moles”, porque o candidato petista tem um eleitorado muito menos convicto que o do atual presidente que está na vanguarda da mobilização dos sentimentos populares dos homens e mulheres comuns que não possuem os mesmos valores pós-modernos da classe média cosmopolita.

Já a trapalhada de Roberto Jefferson desequilibra mais o jogo contra Bolsonaro, justamente porque se dá nesse campo da cultura. Bob Jeff, como é conhecido nos debates políticos mais descontraídos, é um ex-aliado de Lula nos tempos de mensalão e que atualmente é um dos coordenadores de campanha de Bolsonaro. Impedido judicialmente de ser candidato a presidente por seu partido, Roberto Jefferson colocou um funcionário fantasiado de padre para fazer dobradinha com Bolsonaro nos debates eleitorais da televisão, o hilário “Padre” Kelmon, mais conhecido como “Padre de Festa Junina”, “Padre Kelson”, “Padre Kelvin”, ou “Candidato Padre”, como foi imortalizado pela “Mulher que Vira Onça”, a senadora Soraya Thronicke. O aluguel de sua legenda para Bolsonaro não rendeu frutos para Roberto Jefferson que não conseguiu reeleger sua filha deputada federal para manter pelo menos um gabinete para se entrincheirar e o PTB foi dizimado pela cláusula de barreira. O já idoso condenado pelo mensalão durante o governo Lula é agora processado por outros crimes e, após tantas provocações ao Poder Judiciário, sua prisão domiciliar foi revogada neste domingo e Roberto Jefferson resistiu à prisão trocando tiros com a Polícia Federal, ferindo um delegado e uma agente.

Bolsonaro teve que jogar o aliado ao mar publicando um vídeo em defesa dos policiais federais, chamando Jefferson de criminoso e enviando um contigente policial maior para garantir a prisão do meliante. Roberto Jefferson nunca mais sairá da cadeia porque passa a ser considerado um elemento violento e perigoso, e sua prisão preventiva na prática será perpétua. Para ele é bastante ruim, porque não vai poder passar os últimos anos de vida em sua conforável mansão no Rio de Janeiro. Mas para Bolsonaro é pior ainda, porque dá uma munição de altíssimo calibre para a campanha JanJan na guerra cultural pela alma do Brasil, enquanto a estrutura material continua a mesma.

Diante da percepção que a política econômica é a mesma e de que a governança política corrupta é a mesma, o povo brasileiro está sendo dividido entre lulismo e bolsonarismo pela cultura, pela religião, pelos valores individualistas e interesses corporativistas. Se uma parte mais conservadora da elite ainda aposta em Bolsonaro, os principais núcleos financeiro, cultural e judicial sediados na Avenida Faria Lima, no Projac e no Supremo Tribunal Federal, já se unificaram em torno de Lula.

O Judiciário que antes prendeu Lula em uma conspiração ilegal com o Ministério Público, os operadores da Bolsa de Valores que passam as férias em Miami, e a Vênus Platinada conduzida pela voz aveludada de William Bonner, até odeiam a cor vermelha do PT e o ausente dedo mindinho arrancado por um torno mêcanico do “ex-operário”. No entanto, a despeito da raivinha de que quem tem voto é Lula e não Henrique Meirelles diretamente, hoje essa elite tem mais nojinho do “Capitão do Povo” que até aplica a mesma política econômica exigida por ela, mas fala um pouco mais grosso quando mobiliza a massa popular nos seus primitivos e legítimos ressentimentos contra essa mesma elite por serem mantidos na miséria, e ainda por cima é ofendida em seus valores, sendo chamada o tempo inteiro de massa burra e fascista pelos donos dos aparelhos culturais.

O que estamos vendo neste começo de século XXI, assim como no começo do século XX, em alguns momentos históricos o povo se cansa de ser tutelado pelas elites ilustradas e “progressistas”, e não obedece mais às instituições “democráticas” que determinam o que é o “progresso” e quais são os valores que devem ser hegemônicos. Nesses momentos o rebote dos valores “conservadores” bagunça tudo, e aí são eleitos figuras “burras e fascistas” como Donald Trump nos EUA, Boris Johnson no Reino Unido, Viktor Órban na Hungria, Narendra Modi na Índia, Giorgia Meloni na Itália, e o próprio Bolsonaro no Brasil.

É por isso que a eleição está “empatada”. Bolsonaro e Lula são os dois maiores líderes populistas que a elite tem que engolir para impor seu programa econômico ao custo de literalmente dividir o Brasil ao meio. Mas não divide entre em dois projetos econômico-sociais diferentes, pois nisso são iguais, não há diferença entre Paulo Guedes e Henrique Meirelles, mas em duas massas que não se identificam cultural e axiologicamente.

Enquanto a esquerda jogou a bandeira do Brasil no chão para usar bandeiras coloridas dos movimentos de identidade, Bolsonaro pegou a bandeira verde-amarela e a transformou em bandeira partidária de valores culturais e religiosos. Nenhum dos dois lados está nem aí para usar a bandeira nacional como símbolo unificador de todo o povo em defesa de sua soberania contra os interesses externos, pelo contrário, os dois radicalizam a percepção de que a bandeira do Brasil divide os cidadãos brasileiros como inimigos. Do Império Persa contra as cidades gregas, do Império Romano contra os bárbaros germânicos e eslavos, do Império Mongol contra os chineses e indianos, dos Impérios Ibéricos contra as tribos africanas e indoamericanas, do Império Britânico contra a Europa Continental, e do Império Norte-Americano contra toda a América Latina, o sudeste Asiático e o Oriente Médio, dividir para governar é o lugar comum mais antigo e eterno do mundo.