As duas batalhas do Lago Changjin, ou a China no terreno do inimigo

As duas batalhas do Lago Changjin, ou a China no terreno do inimigo
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Vale a pena assistir “A batalha do lago Changjin“, hiperprodução chinesa disponível no Youtube. Certamente não é a melhor película de guerra já realizada, pode-se argumentar que a construção dos personagens apresenta problemas e o patriotismo dá o tom (característica da ampla maioria de obras do gênero). Mas é admiravelmente bem dirigida, com uso e abuso de computação gráfica, cenas eletrizantes e combates encarniçados no meio da neve. Duas horas e meia padrão Spielberg, da fase aventuras.

O ATAQUE SURPRESA contra um destacamento de 30 mil soldados norteamericanos estacionado próximo ao lago no noroeste da Coreia, no final de 1950, já foi um tema controverso na China. Apesar da derrota humilhante que os agressores sofreram, o número de baixas do lado chinês foi tão expressivo – entre 30 mil e 60 mil – que o feito foi sempre citado com certo comedimento. A Revolução acontecera no ano anterior e o Partido Comunista buscava ainda se consolidar no poder. A superioridade estadunidense era acachapante em todos os sentidos e o abalo interno causado pela guerra da Coréia não foi pequeno.

A trama acontece logo após a missão da ONU liderada pelos EUA invadir a península, em junho daquele ano. A aprovação do ataque no Conselho de Segurança se constitui numa das mais vergonhosas manobras de Washington na organização. Diante da escalada, o governo chinês decide socorrer a Coreia, então comandada por Kim Il Sung, seu principal dirigente revolucionário.

A megaprodução de US$ 200 milhões, realizada no rastro das comemorações dos 100 anos do Partido Comunista (2021), obteve a maior bilheteria da História em seu mercado doméstico e a distribuição global embute outra batalha, tão eletrizante quanto a original. Ela faz parte daquilo que começou como guerra comercial com os EUA e que passa a ser uma disputa pelo mercado mundial, erroneamente chamada de Guerra Fria 2.0. É uma peça do soft power oriental para ganhar corações e mentes por toda parte.

A fita chega primordialmente através do Youtube – terreno do inimigo -, além de várias plataformas, e é legendado em 14 idiomas.

É ABSOLUTAMENTE INUSITADO assistir as tropas ocidentais no papel de bandidos e um cartaz com a águia americana ser arrancado de uma parede no final. Não tem preço.

Um dos grandes motivos do avanço comercial e tecnológico chinês está no fato de Pequim enfrentar Washington em seu território – o do livre comércio – e levar paulatinamente a melhor. Agora entra de cabeça na briga de cachorro grande da indústria cultural.

A Batalha do lago Changjin se passa em dois tempos, em 1950 e em 2022, a primeira, diante de nossas telas. A segunda vai muito além delas e é a mais fascinante.

  1. Maringoni. As voltas que as percepções ideológicas dão. O caso é que, naquele momento, os chineses enfrentavam batalhas contando com a imensa superioridade numérica e a disposição de sofrer grandes baixas pela vitória. O comandante do exército chinês na Coreia, Pen Dehuai, tentou depois reverter essa situação enfatizando modernização, equipamentos e organização, e entrou em um embate com Mao exatamente por conta do voluntarismo do “Grande Salto Adiante” e depois na mobilização dos Guardas Vermelhos na Revolução Cultural. Deu no que deu. Acho que o recado que os chineses estão querendo dar é esse mesmo: temos muita gente e muita disposição…

  2. Obrigado pelo comentário,Felipe. Sim, o filme fala de um conflito de sete décadas, mas seu recado é atualíssimo

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