Um Gramsci ‘trotskista’ é um delírio acadêmico

gramsci trotski
Botão Siga o Disparada no Google News

O canal da Boitempo no Youtube lançou um vídeo de Ruy Braga falando de Gramsci e Trotski.

Sobre o vídeo, duas considerações.

A – Braga critica a apropriação inicial de Gramsci ligada ao reformismo do PCI (Partido Comunista Italiano) e em seguida ao eurocomunismo. Se a crítica é correta, é estranho um autor ligado ao PSOL e que defendeu a Geringonça portuguesa como alternativa para esquerda brasileira (acreditem! A Geringonça portuguesa…) fazer esse debate. O PCI de Togliatti, comparado a Geringonça portuguesa, era um ajuntamento bolchevique!

B – O autor passa o vídeo inteiro afirmando que existem semelhanças no marxismo de Trotski e Gramsci. Não consegue sustentar tal afirmação. No final do vídeo diz que Trotski e Gramsci eram profundamente internacionalistas, fazendo análise “comparada” e que o marxismo precisa disso para transcender os “vícios nacionais”. Não sei o que são “vícios nacionais”. Sei que um dos centros da crítica de Gramsci para Trotski foi o COSMOPOLITISMO do teórico da Revolução Permanente. Para o comunista italiano, Trotski nunca conseguiu construir uma boa dialética entre o nacional e internacional nas suas análises.

Falar de uma aproximação do marxismo de Gramsci com o de Trotski ou até de um Gramsci filo-trotskista é só mais um delírio acadêmico que fazia sucesso 20 ou 30 anos atrás. Hoje perdeu a graça. Por fim, deixo um trecho de Gramsci para vocês.

Realmente, a relação “nacional” é o resultado de uma combinação “original” único (em certo sentido), que deve ser compreendido e concebida nesta originalidade e unicidade se se quer dominá-la e dirigi-la. Por certo, o desenvolvimento é no sentido do internacionalismo, mas o ponto de partido é “nacional”, e é desde ponto de partida que se deve partir. Mas a perspectiva é internacional e não pode deixar de ser. É preciso, portanto, estudar exatamente a combinação de forças nacionais que a classe internacional deverá dirigir e desenvolver segundo a perspectiva e as diretrizes internacionais. A classe dirigente só será dirigente se interpretar exatamente esta combinação, da qual ela própria é componente, e só como tal pode dar ao movimento uma determinada orientação, de acordo com determinada perspectiva. Parece-me que é neste ponto que se localiza a divergência fundamental entre Leão Davidovitch [Trotski] e Bessarione [Stalin] como intérprete do movimento majoritário. As acusações de nacionalismo não são válidas se se referem ao núcleo da questão. Se se estuda o esforço empreendido pelos majoritários de 1902 a 1917, vê-se que sua originalidade consiste em depurar o internacionalismo de todo elemento vago e puramente ideológico (em sentido pejorativo), para dar-lhe um conteúdo de política realista. O conceito de hegemonia é aquele que se reúnem as exigências de caráter nacional e podemos compreender por que certas tendências não falam deste conceito ou apenas referem a ele de passagem. Uma classe de caráter internacional, que guia camadas sociais estritamente nacionais (intelectuais) e, muitas vezes, menos ainda que nacionais, particularistas e municipalistas (os camponeses), deve se “nacionalizar” num certo sentido, sentido este que não é, aliás, muito estreito, porque, antes de formarem as condições de uma economia segundo um plano mundial, é necessário atravessar fases múltiplas em que as combinações regionais (de grupos de nações) podem ser variadas. Por outro lado, não se deve jamais esquecer que o desenvolvimento histórico segue as leis da necessidade até que a iniciativa passe nitidamente às forças que visam à construção segundo um plano, da pacífica e solidária divisão do trabalho. Vê-se por absurdo que os conceitos não nacionais (isto é, que não se referem a cada país determinado) são errados; eles levaram à passividade e à inércia em duas fases bastante distintas: 1) na primeira fase, ninguém acreditava que devia começar, ou seja, considerava que, começando, ficaria isolado; na expectativa de que todos se movimentassem simultaneamente, ninguém se movia e organizava o movimento; 2) a segunda fase é talvez pior, porque se espera uma forma de “napolionismo anacrônico e antinatural (já que nem todas as fases históricas se repetem da mesma maneira). As debilidades teóricas desta forma moderna do velho mecanicismo são mascaradas pela teoria geral da revolução permanente que não passa de uma previsão genérica apresentada como dogma e que se destrói por si mesma, pelo fato de que não se manifesta efetivamente.” – Antônio Gramsci – Cadernos do Cárcere, volume 3 – Maquiavel, notas sobre o estado e a política. Civilização Brasileira, p. 319-320.