A quem serve o antipetismo?

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Por Guilherme Rodrigues Tartarelli Pontes – Fenômeno destes tempos, o “antipetismo” – a ojeriza ao Partido dos Trabalhadores – foi paulatina e estrategicamente construído pela Casa Grande brasileira, sob a chancela da Casa Branca, através de seus mais distintos aparelhos de hegemonia. Constituído sob a narrativa do “combate à corrupção”, organizou em torno de uma narrativa socialmente aceita o racismo, a xenofobia, o machismo e a LGBTfobia, conformando-se como oposição às pautas progressistas, à esquerda. Numa análise histórica, conformou-se como espécie de reedição do udenismo pré-64 que, com base no “anticomunismo” e na mesma suposta cruzada contra corruptos, sedimentou apoio de parcela expressiva do povo brasileiro ao golpe.

Setores de oposição aos governos petistas, à esquerda e à direita, valeram-se da mobilização deste “sentimento” na tentativa de aglutinar setores da sociedade em torno de seus próprios projetos. O curso da história, entretanto, revelou que o acúmulo possível deu-se à direita: as manifestações de contestação do resultado das eleições de 2014, cujo resultado foi constituir as condições, do ponto de vista da mobilização social, para que o golpe de 2016, operado pela Casa Grande em consórcio com a Casa Branca, pudesse ser levado a cabo.

Cumpre dizer que o antipetismo impregnado em parte dos setores à esquerda do PT os conduziram a posturas vacilantes em relação ao golpe de 16. Não é demais relembrar quando os manifestantes uniformizados com camisas da CBF se aproveitaram do material de agitação deixado em frente à FIESP um dia antes por setores da esquerda que, em evidente equívoco, manifestaram-se pelo “Fora Todos”. Havia, de fato, confluência na agenda política. A Lava Jato, operação articulada diretamente pelos gringos com o claro intuito de perseguir lideranças de esquerda e obstar qualquer tentativa de soberania nacional, é outro exemplo histórico de como o antipetismo e o combate à corrupção desde uma perspectiva moral foram capazes de cegar estes setores: chegou-se ao ápice de defesas entusiastas, “à esquerda”, da operação e de seus principais operadores.

A consolidação do golpe em 2016 e, posteriormente, a prisão de Lula de forma evidentemente ilegal tornaram mais evidentes o acúmulo possível de uma política antipetista: fortalecer projetos à direita. Ainda assim, setores “à esquerda” vacilaram na caracterização do golpe, na defesa da liberdade de Lula e na denúncia de que vivíamos um típico processo de “lawfare”. Parte destes setores, agora, revêem suas posições e, de forma envergonhada, argumentam que depois dos vazamentos de mensagens trocadas entre a cúpula da Operação Lava Jato, ficou evidente que estávamos diante de um processo de perseguição política, como se não houvessem fartos elementos para que esta conclusão pudesse ter sido atingida antes.

Ainda assim, diante de tantas evidências, o debate sobre táticas eleitorais para as eleições de 2022 abre, mais uma vez, espaço para que o antipetismo floresça. Dentre os setores assim tidos como “progressistas”, verifica-se forte discurso antipetista na construção trabalhista encampada por Ciro Gomes, bem como em setores da esquerda socialista que noutrora no PT estiveram e que, ao que parece, não conseguiram até hoje consolidar um projeto próprio que independa da negação daquilo que um dia construíram. Curioso e digno de nota é que, em debates internos, o antipetismo é elemento de aproximação destes setores.

Neste cenário, nos cabe perguntar: pode o antipetismo contribuir para a derrota de Bolsonaro e do bolsonarismo? E mais: é possível, neste momento histórico, forjar um projeto e, de consequente, uma candidatura presidencial progressista que prescinda da participação do PT? A resposta óbvia é não!

Por óbvio, o debate programático em torno da construção da unidade pode e deve ser tensionado: é preciso firmeza no enfrentamento à agenda neoliberal, na defesa do fim do teto de gastos, no enfrentamento ao rentismo e na defesa da soberania nacional. Há muito o que se avançar nesse sentido e o dever das forças políticas comprometidas com a vida do povo brasileiro é tensionar a construção de um programa que tenha como eixos centrais o anti-bolsonarismo e anti-neoliberismo.

Contudo, ainda que se queira, como queremos, forjar um projeto político capaz de superar os limites do PT e de toda a esquerda da ordem, importa dizer que o desejo e a intenção não alteram, por si, a relação de forças. Para além de um programa avançado, é necessário que estejam presentes as condições e reunidos os recursos necessários a tal feito. E, por óbvio, não é esse o cenário em que estamos inseridos no momento e nos cabe ações que visem criar condições políticas para tanto. A fim de ilustrar, pode-se aqui dizer que nas últimas pesquisas de intenção de votos para 2022, Lula se apresenta como único candidato com potencial de votos para derrotar Bolsonaro. Ciro Gomes, que tem dados passos largos na estrada do antipetismo, é hoje o candidato com a segunda maior rejeição. Considerando que a candidatura do primeiro colocado, o ex-juiz Sérgio Moro, não está por ora indicada como uma possibilidade real, Ciro é alçado ao desgostoso lugar de candidato mais rejeitado.

Se, apostando no antipetismo, Ciro Gomes abrirá mão de caminhar com a esquerda, com quem se aliará em 2022? Com setores da direita, como sinalizou recentemente? Aceitarão, estes setores e as respectivas frações da burguesia que representam, o programa econômico por ele apresentado, a despeito dos conflitos de interesses? Não nos parece provável.

Aos entusiastas do Projeto Nacional de Desenvolvimento, uma provocação: o economicismo, por mais crítico que seja, revela-se como vício de análise. Ou produz-se análises também pela política, ou de nada ou pouco servirão. Em 2022, a maior tarefa dos setores progressistas no Brasil é constituir uma ampla unidade em torno do combate ao bolsonarismo e à agenda neoliberal. Perdemos, hoje, 4 mil pessoas ao dia, milhões de brasileiros passam fome, o fechamento de regime é um cenário que não pode ser descartado: não há espaço para demarcação, sectarismo ou agitação programática! Pela unidade aberta dos setores progressistas, suscito esse debate como um chamado: que nós, maioria social, possamos seguir firmes, lado a lado, rumo a constituição de uma Nova Maioria política no Brasil.

Por Guilherme Rodrigues Tartarelli Pontes, Secretário Político Nacional das Brigadas Populares. Advogado. Mestrando em Políticas Públicas em Direitos Humanos pela UFRJ.