Voto impresso e os equívocos de Castañon

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Por Rennan Ziemer – O voto impresso é uma pauta histórica do PDT, mas isso não autoriza militantes a falarem absurdos sobre o tema. Foi Getúlio Vargas quem assinou o primeiro Código Eleitoral nacional, pelo Decreto nº 21.076/1932, sendo que as principais diretrizes de organização do modelo atual da Justiça Eleitoral permanecem muito próximas ao original. Antes da revolução, a legislação eleitoral era estadual. A instituição da Justiça Eleitoral foi uma grande conquista para coibir fraudes eleitorais. Inclusive eram recorrentes as duplicatas nos estados, com “eleições” de dois governadores ou duas assembleias legislativas. Um dos princípios básicos de Direito Eleitoral é o sigilo do voto, assegurado pela Constituição de 1988, repetindo a regra estabelecida por Getúlio.

Ciro Gomes é muito claro em seu livro, Projeto Nacional: o dever da esperança, ao tratar da desconfiança do eleitorado com as urnas eletrônicas. Nas palavras de Ciro, “Uma democracia não resiste ao permanente questionamento da legitimidade dos seus resultados eleitorais pela maioria da população, nem à impossibilidade de se realizar uma recontagem de votos quando demandada por essa mesma maioria”. Afirma também que “a confiabilidade dos resultados apurados é diretamente dependente da confiabilidade do software”, de modo que defende as urnas de terceira geração, com registros físicos (cédulas) a serem digitalizados para contagem eletrônica e possível recontagem individual.

Esses argumentos são muito claros: o eleitorado deve confiar no sistema eleitoral brasileiro, diretamente dependente das urnas. Não se trata apenas da segurança de fato das urnas eletrônicas, que até hoje não possuem nenhuma comprovação de fraude. Qualquer eleitor deve poder compreender o processo de contagem eleitoral sem conhecimentos técnicos de informática. Isto se dá com o voto impresso ou cédula digitalizada. A discussão é mais psicológica do que realmente técnica, a democracia deve adotar os mecanismos necessários para conquistar a confiança dos cidadãos, para que acreditem na confiabilidade do resultado eleitoral apurado.

Não é isso que Gustavo Castañon faz em seu texto e vídeo publicados no último dia 28 de maio. Gustavo torna uma discussão legítima sobre a instituição de mecanismo de recontagem de votos numa imensa confusão de argumentos. É uma tremenda irresponsabilidade, especialmente pelo alcance de suas falas, por promover intensa despolitização. Age como um negacionista, vendendo a cloroquina das eleições. Não está somente criticando fragilidades das urnas, está questionando a própria legitimidade da democracia, especialmente no vídeo ao afirmar que “quis mostrar que elas [as auditorias] não protegem em nada ou muito pouco o processo eleitoral”. É tanta desonestidade com mistura de argumentos válidos e falaciosos, que é preciso separar o joio do trigo em parágrafos distintos para ficar evidentes os argumentos.

Argumentos válidos: a) todo cidadão tem direito a compreender o funcionamento dos procedimentos de contagem de votos, com possibilidade de recontagem sem depender de conhecimentos técnicos; b) é necessária a recontagem individual dos votos e não apenas dos boletins de urna; c) a organização da Justiça Eleitoral pelo modelo atual possui muitos inconvenientes.

Argumentos falaciosos: a) os maiores riscos de fraude se dão nas fases transmissão e apuração de votos pela Justiça Eleitoral; b) não é feita recontagem com boletins de urna impressos; c) o software não é auditável, havendo diversas fragilidades.

De fato, é justo que qualquer cidadão possa compreender o processo de contagem de votos sem conhecimentos técnicos de informática. Hoje não é possível a contagem individual dos votos, mas apenas dos boletins de urna, enquanto o voto impresso sem contato do eleitor permite essa recontagem sem violar o direito ao sigilo do voto.

Entretanto, aqui um grave equívoco de Gustavo, qualquer cidadão pode ir a uma seção eleitoral ao final da votação, fotografar os boletins de urna afixados na parede e posteriormente comparar com o relatório de votação no site do TSE. Ou seja, as fases de transmissão eletrônica dos dados após o encerramento das votações e a contagem dos votos pelo TSE são plenamente auditáveis e não dependem de nenhum conhecimento técnico específico do cidadão. Vale ressaltar que a urna não possui acesso à internet. Apenas ao final da votação o presidente da seção, após a impressão do boletim da urna, rompe o lacre físico e retira uma espécie de pen drive com registro eletrônico dos resultados que será transmitido para a Justiça Eleitoral.

Ao se falar de risco de fraudes eleitorais, deve-se comparar o modelo eletrônico, de cédulas de papel e voto impresso proposto. Todos podem em tese serem fraudados, por isso a necessidade de auditorias para atestar a inviolabilidade das urnas. Entretanto, Gustavo utiliza argumentos que beiram à teoria da conspiração. Claro que existe risco de fraude eleitoral, mas para isso é necessário que alguém pratique este crime, que dependerá de conluio com servidor da Justiça Eleitoral ou mesário. Esses agentes estão sujeitos a graves punições caso seja comprovada qualquer ilegalidade.

O software das urnas é plenamente auditável, embora dependa de conhecimentos técnicos de informática. Causa grande surpresa um professor universitário pregar tamanho negacionismo à ciência. Não é porque não se possui esse conhecimento particular que todo o conhecimento dos especialistas é inválido. Em cada auditoria, especialistas são chamados para buscarem vulnerabilidades nos softwares com tempo suficiente para serem corrigidos antes das eleições. É desonesto afirmar que nada é feito para corrigir fragilidades do sistema.

De fato, não basta ser honesto, é preciso também parecer. Neste ponto, o voto impresso tem essa vantagem de ser facilmente compreensível por todos, a confiança dos cidadãos nos resultados eleitorais é extremamente importante numa democracia. Inclusive mudei de posição. Justamente por esse elemento subjetivo que se justifica a adoção do voto impresso, embora eu confie no modelo atual. Não é a minha opinião que importa, mas a de grande parcela da população.

Por fim, a organização da Justiça Eleitoral possui graves distorções, nisso concordo com Gustavo, mas não tem relação alguma com voto impresso. Isto porque o controlador de um ato administrativo não deve ser o próprio agente controlado. Os recursos das decisões jurisdicionais do TSE são julgados pelo STF, entretanto três dos Ministros do TSE são também membros do STF. Por isso, a Constituição deveria ser alterada pelo Congresso Nacional para retirar os membros do STF da composição do TSE. Outro problema é que muitas decisões administrativas dos tribunais e juízos eleitorais são controladas judicialmente pelos próprios magistrados, outra inconsistência. O adequado também seria a criação de uma autoridade eleitoral administrativa separada do Poder Judiciário que teria a legalidade de seus atos controlados pela Justiça Eleitoral, algo que também depende de alteração legislativa.

Enfim. O que eu quis demonstrar é que o debate sobre o voto impresso é legitimo, apenas não deve ser contaminado pelo negacionismo e argumentos que corroborem com as alegações de fraudes no modelo atual, quando na realidade não há nenhuma prova de que os resultados eleitorais divulgados não correspondem aos votos dos eleitores.

Por: Rennan Ziemer.
Mestre em Direito do Estado pela UFPR