A violência kafkiana do Poder Judiciário contra os conselheiros do TCE-RJ

A violência kafkiana do Poder Judiciário contra os conselheiros do TCE-RJ
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Por Floriano Brasil – Uma das mais bizarras violências cometidas pelo Poder Judiciário nos últimos tempos foi o afastamento dos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) apenas com base numa delação premiada.

Retirados pela Polícia Federal de suas residências às 6h de uma manhã de quinta-feira de 2017, ficaram presos duas semanas, foram soltos depois, porém execrados publicamente com exibição em fotos e imagens televisivas – e, na sequência da crise, uma vez aceita a denúncia pelos ministros da corte superior, transformados em réus.

Assim, nessa condição ainda de réus, estão para reassumir seus cargos diante da vergonhosa indefinição e lentidão do Poder Judiciário num caso complexo e rumoroso, envolvendo uma instituição de controle da aplicação dos recursos públicos.

Mas também o que se poderia esperar no lastro dos tumultuados ventos do lavajatismo que vem turvando a atmosfera política do país desde 2014, com os episódios já bem conhecidos de alto a baixo do sistema político, envolvendo políticos, prefeitos, governadores, empresários, autoridades e funcionários de diversos setores, empresas etc.?

O Brasil já está calejado, sem dificuldade para compreender o que é uma situação kafkiana, com prisões, suicídios, mal-entendidos, textos ‘copia e cola’ de processos, delações sem pé nem cabeça, juiz que prendeu candidato a presidente e virou ministro do governo eleito, o ‘ouvir dizer’, não sabe, mas ouviu dizer, enfim, a terra devastada da Lava-Jato que bem conhecemos.

O processo contra os conselheiros ainda corre, entretanto, numa situação totalmente absurda. Como se fosse uma condenação prévia antes do julgamento, o afastamento por cinco anos tornou-se algo totalmente anômalo, daí o retorno inevitável, porém em que condições políticas? Inevitável retorno como, por outro lado, vergonha do próprio Poder Judiciário, ainda que muitos dos seus representantes não estejam nem aí para o que é certo ou errado. Muitos que não estão nem aí para a própria lei.

Sem dúvida alguma, o episódio em questão é o flagrante kafkiano de uma das anormalidades produzidas pelo clima criado pelo lavajatismo – e da bagunça em que se transformou o Brasil depois da institucionalização do ‘esquema’ de se usar a delação premiada como prova. Isso mesmo: a delação premiada é um esquema.

Até hoje não se sabe o que exatamente os conselheiros fizeram. Há, sim, notícias de meios de comunicação, consensos forjados, reputações destruídas, pontos supostamente pacíficos. Há uma denúncia ainda não comprovada. Há uma situação ainda não julgada. Se são culpados, que sejam devidamente julgados e condenados.

Isso tudo, como se tivesse sido inaugurado no país um sistema de eterna espada pairando na cabeça de todo mundo sempre que determinados atores em jogo se articularem, conforme os interesses e as conjunturas. Kafka, realmente, se vivo fosse, teria farto material para seus romances. Era só pegar os bois do real cotidiano e trocar os nomes.

Sim porque, afinal, se se faz isso com conselheiros de tribunais de contas, o que não se pode fazer com pessoas pobres e/ou sem recursos de poder e dinheiro num país que tem a triste marca se ser a terceira população carcerária do mundo?

Há os ingênuos que sempre vêm com o aspecto mais irrisório, veneno que é poeira saindo pela urina, sem importância alguma. Qual seja, o fato de eles terem sido afastados, mas permanecerem recebendo seus salários. Lógico, cara pálida, nada de mais nisso, afinal ainda não foram julgados – ou mudem a Constituição então em vez de virem com porretes de violência sumária e fascista para situações “ad doc”.

E os salários deles são grão sem importância, sim, saindo pela urina espumosa do denuncismo, comparado com os absurdos da evasão de divisas, as dívidas trabalhistas e previdenciárias de empresários que não querem pagar impostos, o desmonte do país, enfim, para não falar dos honorários fabulosos da corrupção legalizada de ex-altos funcionários públicos trabalhando para multinacionais ou empresas interessadas em destruir o Brasil.

Não se pretende aqui entrar no mérito dos processos envolvendo os conselheiros até porque não se tem informação sobre isso. Não se pretende aqui defender os conselheiros do ponto de vista jurídico ou político. Que seus advogados e outros o façam. Mas, sim defender o óbvio. O mínimo que se espera das regras.

Sim também de usar o bom senso de lembrar que ainda vivemos ou pretendemos, para usar uma linguagem do senso comum, o tal “estado democrático de direito”, com todas as contradições inerentes a essa expressão que enche a boca dos venerandos arautos da moralidade do sabe-se lá que tipo de beatitude celestial desejada para uma comunidade política. Comunidade que se pretende chamar de país, estado-nação ou, quem sabe, barbárie, fundo do poço, terra devastada.

Por Floriano Brasil