Viola de Cocho, um alaúde brasileiro

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Por Artur Santos – As Violas Brasileiras vêm em inúmeros formatos. Moldadas às regiões de onde são originárias, carregam com sigo marcas culturais que, por vezes, as diferenciam tanto entre si que ganham técnicas, formas e até nomes distintos. Esse é o caso da Viola de Cocho, um dos símbolos do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além de um Patrimônio Imaterial da cultura brasileira desde dezembro de 2004.

É muito curiosa: a quem vê, talvez nem por viola a chame mas, asseguro, esta é uma das nossas Violas Brasileiras. Definida por Julieta Drummond de Andrade (escritora e pesquisadora) como um “alaúde brasileiro” – em seu livro “Cocho Mato Grossense, um Alaúde brasileiro” remontando suas origens ao instrumento árabe Oud- é utilizada como um instrumento de acompanhamento a duas principais manifestações culturais: o Cururu e o Siriri (características do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul). Curioso também é seu surgimento; ninguém sabe ao certo quando nasceu, apresentando relatos tão antigos que datam do século XIX, já na região do Centro Oeste brasileiro.

Seu nome “Cocho” vem do seu corpo; um pedaço de madeira esculpido tal qual os cochos utilizados para a alimentação de gado no campo. Pelo o que dizem, a madeira deve ser cortada nos primeiros 4 dias de lua minguante e não pode apresentar nós ou umbigos.

Faço, na breve descrição, uma pausa para dizer à cara leitora que, se achou que as Violas de Cocho estariam distantes de superstições, enganou-se ledamente. Pela própria condição de ser viola, já está fadada ao misticismo. Dos guizos de cascavel aos espelhos colados nas Violas Caipiras até o próprio corte da madeira utilizada na viola da qual falo hoje, temos a grande relação entre a vida e o místico, entre a arte e a superstição.

Antigamente, assim como os violões, alaúdes e instrumentos de corda em geral, era encordoada com tripa de animais; matava-se o animal, tirava-se a tripa e curava-a para que ganhasse mais resistência. Com isso, vinham os conhecimentos dos quais eu nunca imaginaria nem cogitaria a existência: para fazer corda com tripa de macaco, o animal deveria ser abatido antes da época em que começasse a comer formigas. Isso pois, quando comia o inseto, ficava com as tripas cheias de picadas e as cordas não saiam com boa qualidade. Tripas de gato, no entanto, não eram utilizadas. Diz-se que quando um encordamento é feito com as tripas desse animal, logo se criam brigas nas rodas de Cururu; trazem uma energia pesada à roda.

A música tocada por ela é bem rítmica -o Cururu e o Siriri são manifestações dançadas em roda e com ritmos rudimentares marcados muito pelo “pisar no chão”- mas, por estarem muito próximas geograficamente da fronteira do Brasil com países vizinhos, carregam características marcantes do que chamamos de “Ritmos Fronteiriços” que apresentam misturas entre ritmos brasileiros com ritmos paraguaios e bolivianos (como a Guarânia e a Polca Paraguaia).

O interessante é que não se parece com uma Viola Caipira mas compõe a mesma cultura, o mesmo espaço, carrega o mesmo nome -com sobrenome diferente. Os saberes tradicionais e geracionais estão muito presentes em seu corpo físico e em seu saber imaterial e isso prova o quanto a cultura é capaz de estabelecer ideias, transmitir conhecimentos e se relacionar com o espaço no qual as pessoas representadas por ela habitam. Do cortar a madeira na lua minguante e do antigo meio de fabricação das cordas ao “saber fazer” (considerado Patrimônio Imaterial), o que permeia tudo isso é a cultura.

Por: Artur Santos.