A Ucrânia e as esquerdas

A Ucrania e as esquerdas
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Do modo como eu vejo as coisas, a invasão da Ucrânia pelas tropas da Federação Russa deve ser analisada à luz da invasão do Iraque pelas tropas estadunidenses e de seus vassalos europeus.

Digo isso não porque o sentido das duas invasões seja o mesmo, pelo contrário…

Trazer a invasão do Iraque – e tudo o que se lhe seguiu – à baila deve-se ao fato de que, em minha opinião, aquela inominável violência tornou patente que o modelo de análise baseado centralmente na luta de classes já não dá conta dos conflitos atuais da expansão do capitalismo monopolista e altamente financeirizado.

A invasão do Iraque resultou do interesse de corporações poderosas – com o assim chamado “complexo industrial-militar” à frente – em destruir e subjugar um estado soberano. Esse é o novo/velho paradigma que explica a atual crise da Ucrânia e explicará, muito provavelmente, muitas das crises que virão.

Quando a OTAN – o braço armado daquelas corporações e daqueles interesses – expande as suas fronteiras em direção ao Leste europeu, ela tem como objetivo criar as condições para, mais adiante, fazer da Rússia um novo Iraque.

Que seria o ingênuo ou o mal-intencionado que negaria essa evidência?

Assim, a Rússia não tinha como evitar a aberta provocação de que foi alvo, e invadiu a Ucrânia. O problema dos russos é que eles, de imediato, se fragilizariam de uma forma ou de outra, com invasão ou sem invasão da Ucrânia.

Foi portando uma jogada de mestre, essa levada a cabo pelas poderosas corporações, via OTAN? Qualquer resposta para essa pergunta é, me parece, prematura, já que estamos apenas no início de um processo que parece ser longo e com potencial para redesenhar dramaticamente a geopolítica mundial.

Contudo, suponho, já podemos “pacificar” alguns pontos. Vamos a eles:

1. O direcionamento da Rússia à Ásia em geral e à China em particular parece irreversível, o que pode, ao fim e ao cabo, decretar, dentre outras coisas, o fim do dólar como moeda “franca”.

2. A Europa Ocidental mais uma vez reafirmou o compromisso de soldar o seu destino ao destino dos EUA. Vassalos voluntários, a velha Europa cada vez mais perde relevância no mundo… O futuro é asiático: em breve teremos um Hegel de olhos rasgados para dar conceito a isso tudo que está em curso.

3. Desde a Queda do Muro de Berlim, da dissolução da União Soviética e da descomunização de seus satélites, a expansão imperialista das corporações em direção ao Leste europeu e à Eurásia já não tem como se legitimar pela ideologia da “luta da liberdade contra o comunismo”.

4. Sai de cena a luta contra o comunismo, entra em cena a luta contra estados demonizados, mas o objetivo segue o mesmo: a destruição dos estados e das economias nacionais, para uma “reconstrução” conduzidas pelas corporações poderosas.

5. O que aconteceu com o Iraque serve de modelo para a nova fase da investida imperialista: destruição dos estados nacionais.

6. Não vem sendo as esquerdas quem vem tomando a frente na luta contra a atual investida imperialista. São não raro setores nacionalista de direita. Nosso lugar, atualmente, é lugar nenhum…

7. As dramáticas mudanças no mundo do trabalho enfraqueceram sobremaneira a luta dos trabalhadores. E, pior, nada indica que isso possa ser revertido a curto e médio prazos. Os partidos de esquerda e as organizações de resistência dos trabalhadores, nos termos e modos em que se encontram, não têm futuro promissor.

8. Tudo somado, a ação da esquerda, deve, segundo penso, se reencontrar, criticamente, com as dimensões nacional e popular da luta anticapitalista. Devemos levar em conta, criticamente, as políticas de conteúdo nacional-popular que nortearam boa parte da ação das esquerdas no século passado. Em resumo: a questão da luta anti-imperialista deve ser o centro do nosso programa…

9. É disso que se trata, aqui e na Ucrânia. Na Ucrânia, o jogo se apresenta cruel para o povo ucraniano e, não sem razão, confuso em seu sentido para muitos nós. De um lado temos a OTAN, o braço armado a serviço dos interesses de corporações poderosas, com a indústria da guerra à frente, e de outro um estado soberano dirigido por uma cúpula corrupta e de direita.

10. A política, já nos ensinava Maquiavel, é uma esfera autônoma frente à moral. Levando-se isso em consideração, penso que não há o que fazer a não ser empenharmos os nossos parcos esforços para a derrota da OTAN.