A Quarta Teoria Política de Dugin é um neofascismo?

A Quarta Teoria Política de Alexander Dugin é um neofascismo
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Por André Luiz V.B.T. dos Reis – Há muita curiosidade, e maiores incompreensões ainda, quanto à proposta teórica e ideológica de Alexander Dugin, que muitos da mídia qualificam, algo impropriamente, como “guru” de Putin.

Dugin se envolveu em algum grau com movimentos declaradamente fascistas no fim dos anos 1980 e início dos 1990, mas logo os deixou pra militar no assim chamado ”Nacional Bolchevismo”, que tentava sintetizar alguns elementos fascistas e stalinistas.

Nos anos 2000, já mergulhado no pensamento tradicionalista, decidiu abandonar aquilo que considerava como ideologias modernas/contemporâneas. E propôs uma meta-teoria para superá-las , publicada em livro originalmente em 2009, e traduzido pro inglês em 2012

Na obra, o russo estabelece uma nova classificação das principais ideologias, ao mesmo tempo em que as redefine segundo o sujeito normativo identificado em cada uma delas. Elas seriam o liberalismo, o socialismo e o fascismo [nacionalismo].

O liberalismo é o nome “guarda-chuva” dado a toda ideologia que faz do sujeito moderno o princípio normativo da sociedade. Dizendo de outra maneira, ele aplica o epíteto de liberal a toda ideologia estritamente individualista. O socialismo, identificado principalmente com o marxismo, diz respeito ao conjunto de ideologias que relativizam o indivíduo particular frente a uma coletividade definida pela ordem material de produção da vida social: ou seja, pela classe econômica. Por fim, o fascismo é visto de forma ampla. Todo nacionalismo, não somente os étnicos, com matiz anti-individualista e associado ao Estado-Nacional caem na definição da Terceira Teoria Política. Ou seja, se trata de conceito mais amplo do que o mobilizado na Academia, e que não pode ser reduzido somente ao fascismo italiano ou ao nazismo.

Frequentemente, Dugin é acusado de ser “neofascista”. Mas é necessário averiguar o que se entende por fascismo pra ver se há algum caráter heurístico no rótulo imputado ao russo.

Há abordagens psicologizantes do fascismo, que o associam à ideia de “personalidade autoritária”. Outros, pelo contrário, pensam que qualquer ideologia iliberal, ou seja, anti-individualista, e portanto com traços hierárquicos ou holistas, é necessariamente fascista. Dificilmente estas abordagens são compatíveis com o olhar histórico. O fascismo é uma ideologia, marcada por certas características, programas e agendas, não uma doença psíquica. Já o UR-Fascismo tornaria praticamente as práticas de poder de todos os povos da história, exceto as do Ocidente contemporâneo, em graus diversos de fascismo, o que dificilmente resiste a qualquer escrutínio histórico e antropológico adequado.

Há 3 argumentos que, até onde vejo, negam qualquer caráter verdadeiramente fascista à Quarta Teoria Política (QTP):

I) Dugin é fortemente anti-racista. Ele inclusive amplia o conceito de racismo a fim de incluir toda posição, postura ou mentalidade que hierarquize povos de maneira etnocêntrica;

II) Não é nacionalista. Pelo contrário, é crítico à relativização de todas as identidades em prol de um conceito massificado e homogêneo de nação;

III) Dugin repudia o conceito Ocidental de Estado-Nação, que considera prejudicial e superado.

Se formos além nestas formulações, o pensador russo é muito mais platônico em sua perspectiva metafísica do que verdadeiramente hegeliano.

São elementos que negam o caráter fascista do pensamento de Dugin, ainda que se possa considerá-lo holista, hierárquico e autoritário.

O pensador russo supõe superar as teorias políticas contemporâneas propondo um novo sujeito. De modo geral, ele sugere duas aproximações ou alternativas para este papel: o primeiro, uma determinada leitura do conceito de Dasein, de Heidegger. O segundo, que considero bem mais interessante, a mobilização e ressignificação da tese das Estruturas do Imaginário, de Gilbert Durand. Para Dugin, cada povo tem um Logos específico e próprio, que ele associa a um dos regimes do imaginário do intelectual francês.

Apesar destas formulações, a principal chave para ler a proposta de Dugin continua sendo a tradicionalista. E talvez, ainda mais especificamente, Henry Corbin. Quando Dugin fala de Povo, não está se referindo a uma coletividade massificada, nem muito menos a um etnia. Ele reivindica, por um lado, a noção de Narod, que tem longa história no socialismo populista russo, mas que também foi instrumentalizada, com um significado historicizado, pelos soviéticos. Por outro lado, e na verdade acima, se encontra a angelologia de Corbin. Todo Povo verdadeiro é expressão de um Anjo, de um universal ou forma divina específica, com um destino e uma atuação precisa na “história sagrada”. É uma visão tradicionalista.

Daí também porque a proposta da QTP não se reduz a um molde a ser exportado e copiado por todos os povos. Cada Narod teria de buscar em seu Logos [ou imaginário] os princípios constitutivos de sua organização social e política. A QTP se define, antes de tudo, como uma meta-teoria.

No campo geopolítico, o Narod se vincularia a um Grande Espaço, e não a um Estado-Nacional. O pensador russo defende um ordenamento internacional formado por confederações de Estados, conjuntos multi-nacionais com formas civilizacionais diversificadas. A UE ou a “Pátria Grande” [latino-americana] seriam dois exemplos possíveis de Grandes Espaços civilizacionais, organizados segundo o Logos dos Povos q neles habitam. [existem, portanto, um número indefinido de possibilidades de formações sociais e políticas].

Por André Luiz V.B.T. dos Reis