O tudo ou nada para justificar o imobilismo

O tudo ou nada para justificar o imobilismo
O presidente Jair Bolsonaro, durante cerimônia no Palácio do Planalto, com o presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, ao fundo Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo/10-03-2021
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Tempos difíceis para a esquerda, os que vivemos. Tempos de desencontros até por razões fúteis, mas de consequências nada fúteis, num divisionismo que vai de uma acomodação ao permitido pelo status quo ao imobilismo resultante da negação de importância das contradições e choques entre os representantes políticos das classes dominantes. Do que, se permite à direita a recomposição de suas mazelas, com rapidez, e até avançar. Estou falando dessa troca de ofensas entre o presidente da Anvisa e o inominável, ora ocupante do Planalto.

MARX nunca ocultou sua preferência pelo conservador Balzac sobre o revolucionário Vitor Hugo – dois gigantes da literatura do século XIX – em função do que via de mais útil na obra de Balzac ao descrever as mazelas da burguesia em sua obra. Gramsci não se submeteu ao sectarismo de Bordiga, que dirigia o PC italiano voltado exclusivamente para a tomada insurrecional do Poder. Respondeu ao imobilismo daí resultante na vida real indo para as fábricas, e lá formando os Conselhos para a luta política concreta, classista, dos trabalhadores, para além da econômica, sindical. Lenin não poupava críticas aos revisionistas que pretendiam arrastar o então Partido Social Democrata russo para um caminho de moderação. Sua ousadia, na vontade, no entanto, não o impedia de defender a luta institucional na Duma controlada pelo czarismo. Há exemplos históricos , vários a serem recordados como antídoto aos desacertos atuais dos polos da esquerda que se chocam no cenário de fragmentação marcante das relações sociais consequentes da Revolução Tecnológica acelerada, sob controle do capital privado.

DE UM LADO, a acomodação ao “possível”, em que a luta política é jogada para escanteio por conta de resultados imediatos dos pleitos mantidos dentro da ordem. É onde se dá a rendição ao “empreendedorismo” e aos limites de uma “inclusão”, onde os poucos mais “safos” no alpinismo social conseguem se transferir do campo do oprimido para o campo do opressor.

É ONDE O ELEITORALISMO raso opera pelo abandono da ousadia militante e impõe uma prática de rendição antes de a guerra começar. É onde setores da esquerda, em nome do “temos que barrar o mal maior”, se omitem de suas obrigações com um programa fundado na transformação estrutural da sociedade, propondo frentões com os que contestam o regime pela forma e pela retórica toscas e autoritárias, mas que com ele se fundem na defesa da essência, na manutenção e radicalização da política econômica pró grande capital.

NO OUTRO POLO desse campo ideológico, o supostamente revolucionário, surge a tendência a cair no imobilismo a partir de ponto de partida bizarro: desprezar as contradições e choques entre setores das classes dominantes. Não aceitam a importância tática de tirar proveito das fissuras que tais contradições e choques provocam nas hostes da direita, e concentrando-se na avaliação insicisuL dos personagens para ressaltar o que têm de comum, por seu histórico individual. Os maganos da avenida Paulista e da Faria só têm por que agradecer.

É O CASO do recente confronto do Almirante Barra Torres contra o inominável. Longe de tentar compreender as razões na atitude ofensiva do presidente da Anvisa, nossos camaradas preferem mergulhar na desqualificação da figura. Vão se fundar no anticomunismo comum aos dois para desqualificar o destrambelho interno, causado entre os militares, por conta da Nota oficial do Almirante contra Bolsonaro, vinda na sequência de uma decisão claramente anti-Planalto, do comandante do Exército na questão da obrigatoriedade de vacinas e na atenção contra a participação em fake news.

VÃO MAIS LONGE, com processo em nosso próprio campo, ao desqualificarem a iniciativa do campo de esquerda do PT, com Genoino e Ruy Falcão à frente, de lançar um manifesto contra a possibilidade de Lula vir a aceitar Alckmin na sua vice. “Tá legal, eu aceito o argumento” como já disse o grande Paulinho da Viola, “mas não alterem o samba tanto assim”.

O FATO DE RECONHECER que não é a composição com qualquer vice que determinará a linha programática de um previsível governo Lula, o fato de o Manifesto ser apresentado para colher assinatura publicamente favorece, ou não, a pressão para que qualquer composição com Lula se dê a partir de pontos programáticos concretos?

COMO TAIS PROTAGONISTAS se comportarão no futuro, diante da atenção ou desatenção que Lula venha dar à iniciativa, é sem dúvida importante a considerar. Mas não agora. E sim após as tomadas de decisão de Lula. Agora, vale mais dar importância ao que interessa à esquerda combativa que se mantém fiel à prioridade de um programa anticapitalista, de confronto e não de conciliação de classes, e que aponte isso num conjunto de reformas estruturais claramente opostas às contrarreformas impostas ao mundo do trabalho nos últimos anos, com o apoio dos que Lula sinaliza querer como parceiro de chapa.

ESTOU COM ELES, e luta que segue! Juntos, enquanto não houver decepção

PS – A coluna da sempre brilhante Cristina Serra ilustra a postagem por ter tratado do assunto. Mesmo que, de forma excepcional, dela tenha discordado.