Stop Asian Hate: O crescente aumento da violência contra asiáticos

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No dia 18 de março de 2021, Robert Aaron Long, um homem branco de 21 anos, realizou diversos ataques em Atlanta, nos EUA, que acabaram na morte de 8 pessoas. Dentre as vítimas fatais, 6 eram mulheres de origem e ascendência asiática. Jay Baker, o chefe de polícia responsável pelo caso chegou a dizer em uma coletiva de imprensa que o atirador estava tendo “um dia muito ruim, e foi por isso que ele fez isso”.

Embora os investigadores aleguem ser muito cedo para dizer que o crime foi motivado por questões raciais, é preciso enxergá-lo dentro de um contexto maior. Conforme já abordei em outra oportunidade, o “perigo amarelo”, discurso de ódio utilizado contra asiáticos “amarelos” em geral, é invocado por líderes e conselheiros de estados “ocidentais” desde o século XIX, em períodos em que temem a ascensão econômica de povos asiáticos.

O ex-presidente norte americano Donald Trump, que não fazia a menor questão de suavizar seus discursos xenófobos, foi um grande impulsionador das campanhas de ódio contra minorias nos Estados Unidos. A pandemia do coronavírus veio em momento perfeito para que Trump, no meio de uma guerra comercial contra a China, passasse a chamar a COVID-19 de “vírus chinês”.

Respaldados por preconceitos seculares e estimulados pelos discursos de ódio do ex-presidente dos EUA, supremacistas brancos passaram a agir contra a comunidade asiática norte-americana. Estudos realizados pela associação sem fins lucrativos “Stop AAPI Hate” demonstram que, desde o início da pandemia foram relatados quase 3.800 incidentes de ódio contra amarelos nos Estados Unidos. 45,5% dos incidentes ocorreram na Califórnia, estado que concentra a maior população asiática norte-americana. Grande parte das agressões foram verbais (68%), mas também houve ataques físicos (11%).

As agressões físicas têm sido direcionadas especialmente contra idosos. Em São Francisco, um homem, também branco, agrediu um senhor vietnamita de 83 e uma senhora chinesa de 75 anos. A mulher conseguiu se defender com uma bengala, mas Ngoc Pham teve que ser hospitalizado, devido a uma fratura no nariz e aos vários arranhões em seu corpo. Em janeiro e em março outros dois idosos foram atacados, também em São Francisco. Ambos faleceram.

Até mesmo asiáticos famosos, como os integrantes do grupo de K-POP BTS têm sido vítimas de discursos de ódio de cunho racial. Em fevereiro, após terem feito uma aparição icônica no MTV Unplugged, Matthias Matuschik, um famoso radialista alemão, comentou que o grupo deveria ser erradicado com vacina, assim como o coronavírus.

Em outro episódio, ainda essa semana, uma empresa americana produziu diversas charges satíricas de artistas indicados ao Grammy, uma edição colecionável denominada “Garbage Pail Kids: The Shammy Awards”. Todavia, chama a atenção que apenas as charges do BTS envolvessem violência. Os integrantes do grupo aparecem todos machucados, por terem apanhado da estatueta. Após o episódio, os fãs do grupo movimentaram a hashtag “Racism is Not Comedy” no Twitter.

Não é coincidência que a maior parte das vítimas do ataque em Atlanta seja de origem asiática. Também não é por acaso que as agressões contra amarelos tenham aumentado tanto desde o início da pandemia. A ascensão econômica chinesa nos últimos anos tem ameaçado a hegemonia norte-americana, o que faz com que o discurso do “perigo amarelo” ressurja com toda a sua força.

Muito embora Trump não seja mais o presidente, seus discursos passados alimentam o sentimento de superioridade de grande parte de seus compatriotas. E embora seja mais polido, a vitória de Joe Biden não confere a segurança de que o discurso do “perigo amarelo” será deixado de lado, já que sua postura de enfrentamento contra a China também passa pela política externa estadunidense.

E o Brasil?

A historiadora Marcia Yumi Takeuchi analisou, em sua tese de doutorado, como as charges e ilustrações em revistas e jornais brasileiros, publicadas entre 1897 e 1945, moldaram o imaginário social e resultaram em preconceito contra os imigrantes japoneses e seus descendentes¹.

É preciso notar, entretanto, que essas publicações em veículos de imprensa se valiam de discursos já existentes sobre o “perigo amarelo” (àquela época temia-se o colonialismo japonês) e do preconceito contra os imigrantes chineses, que já viviam no Brasil desde 1814.

Além disso, ao analisar ofícios e correspondências guardados no Arquivo Histórico do Itamaraty e no Arquivo Público do Estado de São Paulo, Takeuchi demonstra como a elite política e intelectual brasileira também era altamente influenciada pela visão negativa que os norte-americanos possuíam em relação aos povos e países asiáticos. Como resultado, durante boa parte do século XX, imigrantes japoneses foram hostilizados e até perseguidos pelo Estado brasileiro.

Os discursos nacionalistas e a política de branqueamento no Brasil até hoje fazem com que brasileiros descendentes de asiáticos ou de imigrantes do Oriente Médio não sejam reconhecidos como parte do povo brasileiro. O conceito de “estrangeiros perpétuos” é diariamente materializado quando brasileiros de fenótipo asiático são chamados de “china”, “japa” ou “coreia”, por exemplo.

Há alguns anos, durante a votação pelo impeachment de Dilma Rousseff, foram vários os comentários xenófobos e preconceituosos proferidos na internet contra os deputados federais de ascendência japonesa. Expressões como “deputado made in-china” (como se povos asiáticos fossem todos iguais) ou “volta pra sua terra” (como se não fossemos tão brasileiros quanto qualquer outra pessoa que tenha nascido aqui) foram proferidas aos montes, especialmente por pessoas que se dizem de esquerda.

Em um primeiro momento, muitos desses comportamentos parecem inofensivos e podem ser até mesmo cômicos. Mas é preciso ter em mente que “esses prazeres violentos tem fins também violentos”. Vale lembrar que, em 2020, pessoas diretamente ligadas ao Presidente da República, como seu filho Eduardo Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo apareceram em público reverberando os discursos racistas de Donald Trump.

Essas falas, que já nos causaram vários impasses diplomáticos, conferiram licença para que muitas pessoas aqui no Brasil passassem a atacar descendentes de asiáticos violentamente. Em 2020, o Instituto Brasil-China (Ibrachina) criou uma central de denúncias que já recebeu mais de 200 casos de agressões, majoritariamente feitas em posts nas redes sociais. Nesse triste cenário de crises sanitária e econômica, somados também à escalada de teorias conspiratórias e de movimentos de supremacistas brancos, é preciso estar em alerta para que não cheguemos a vivenciar episódios extremos como os de São Francisco ou o de Atlanta.

Notas:

¹ TAKEUCHI, Márcia Yumi. Imigração japonesa nas revistas ilustradas. Preconceito e imaginário social (1897-1945). São Paulo: Edusp, 2016.