Breve pensamento sobre guerras e carnavais

Breve pensamento sobre guerras e carnavais
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Entre as tramas políticas que tornam incertas as eleições presidenciais nos EUA, a emergência de uma nova figura ideológica na Alemanha, a audácia inescrupulosa de Milei, na Argentina, e o cerco contra a extrema direita, no Brasil, 2024 desperta com as duas forças humanas mais assombrosas que podem haver: a Guerra e a festa. Não quaisquer guerras, mas as com massacres de civis e as que margeiam o caminho nuclear. Não quaisquer festas, mas o carnaval; não qualquer carnaval, devo acrescentar, mas o de Salvador.

A guerra e a festa são contextos de excitação de afetos profundos e não necessariamente contrários. Mas o que as torna poderosas experiências humanas é a mobilização coletiva em um tempo oportuno, no qual a ação individual tem resultado imediato e toda energia envidada pelos engajados tem desfecho explícito e significativo para eles. A grandeza de ambas reside na simultaneidade de eficácia e efemeridade. São dignas de tudo, porque exigem tudo e não são para sempre.

Claro, às vezes não dá para prever o término de uma guerra. No início da guerra entre Rússia e Ucrânia, um amigo sociólogo me assegurou com uma veemência desconcertante que o conflito duraria apenas duas semanas. Ele é justamente o maior especialista em festas que eu conheço. Mas as guerras são deflagradas para que as bandeiras brancas as encerrem, como o Carnaval, que termina depois de ter terminado com a quarta-feira de cinzas.

Diferente da experiência de torcida, em que toda a vitalidade, em combustão com esperança e fúria, é posta em uma dinâmica em que a interferência do torcedor é (meramente) psicológica, não sendo ele o agente de suas próprias motivações e interesses no interior do jogo, festa e guerra põem o protagonismo em cada participante. Toda alegria depende do folião, toda vitória depende do agrupamento.

A intensidade de ambas não se verifica em outras experiências. Não à toa, na utopia de intelectuais esquerdistas, a revolução é uma espécie de guerra necessária à vida boa, que haverá de vir na sequência, como uma festa sem prazo de validade. Tomados por ressentimento, esses dublês e epígonos de intelectuais pensam que a vida em sociedade, sem uma guerra revolucionária precedente, não é digna de realizar uma festa como o nosso carnaval.

O que o carnaval consegue produzir é único em matéria de galvanização da energia coletiva humana. O afeto da alegria, essa disposição de abertura para as coisas, de aceitação das condições de vida dada a oportunidade do vivido, é como que elevado à quase hipnose. Todas as contradições sociais, toda cólera e todo escárnio, todo rancor e toda volúpia, são misturados e vividos em função da oportunidade do carnaval. Há e haverá violência, como também compaixão e sedução. O que passa a haver com menor presença é a formalidade das relações, a frieza institucional mediando os laços interpessoais. As clivagens da estratificação social são empurradas a um mesmo processador que as mescla em brincadeira, descontração e brigas de rua. Mas, como disse, só por alguns dias.

Utopia bem-vinda seria a que nos mostrasse como injetar na política, única linguagem de organização da vida prática que se conhece, o tipo de mobilização que esse carnaval celebra, para que ela não fosse a guerra por outros meios, mas a festa vivida ciclicamente e em variados domínios.

Se 2024 der sinais de que haverá bandeira branca, ainda assim sobrará a questão: o que a política pode fazer em tempos de paz? Talvez a resposta esteja em tornar as instituições mais capazes de absorver o engajamento possível e deliberado das pessoas em uma dinâmica de realização de sua sociedade, como a própria sociedade quando se presta a realizar o carnaval. E isso não apenas para as nações que estão em guerra, mas para todo o mundo.