O desafio sindical na representação dos trabalhadores com deficiência

O desafio sindical na representação dos trabalhadores com deficiência
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Inicio este texto com minha auto definição, sou o Júlio César Silva Santos, homem negro de pele preta retinta, com 39 anos, 1,83 mt, 92 kg, olhos pretos, cabelo crespo e curto, muitos questionarão, por que esta definição física?

Destaco ser primordial a adaptação da linguagem, quando adentramos ao lugar de fala das pessoas com deficiência, que englobam irmãos cegos ou com baixa visão, impossibilitados de identificar visualmente quem lhe dirige a palavra.

Ao nos descrevermos, temos a possibilidade de ampliação dos horizontes visuais, que não passam simplesmente pela definição estética, mas atua no campo mental, de forma a facilitar o canal de comunicação com os receptores diretos da mensagem.

Segundo dados do IBGE, o Brasil possui aproximadamente 45,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência ou mobilidade reduzida, temos uma legislação ampla e avançadíssima se compararmos com a dos países de primeiro mundo. Todavia, temos um profundo desconhecimento dos direitos conquistados, não sendo cumpridos e consecutivamente com ineficácia na fiscalização.

Os desafios enfrentados pelos trabalhadores com deficiência são estruturais, em muitos pontos convergindo com os trabalhadores negros, uma vez que ambos os grupos são vítimas do processo eugênico, que define os modelos de ser humano ideal.

No caso dos deficientes, o primeiro Congresso Eugenista Brasileiro, realizado em 1929, integrado por médicos, biólogos, advogados, jornalistas, entre outros formadores de opinião, definiu que pessoas com deficiência como cegos, surdo-mudos, deficientes mentais, seriam enquadrados geneticamente como “tarados”, sendo um mal a ser combatido para que a raça superior prevalecesse.

Neste enfoque, pouco importava se a pessoa com deficiência era branca, “o ideal de perfeição segundo os estudos discriminatórios da eugenia”, englobava o deficiente como um grupo social a ser discriminado. Inclusive, durante a Ditadura de Adolf Hitler, na Alemanha, os deficientes foram perseguidos e destituídos de qualquer direito tal como os judeus.

Sem dúvidas, o fator racial seria um agravante, bem como a orientação sexual, ou seja, o deficiente teria a possibilidade de incorporar camadas de preconceitos sobre os seus corpos, sendo a sua sobrevivência colocada em risco constantemente.

A construção social dos deficientes a partir da perspectiva de que são um fardo social, alicerçou as bases da segregação  desde a infância. A estrutura do  1º Concurso de Criança Eugênica no Brasil, definiu como tipo eugênico ideal, crianças brancas, sem nenhum tipo de deficiência. A construção do padrão desejável na sociedade era eurocêntrico e patriarcal, a tal ponto que as meninas brancas classificadas nesse concurso foram definidas como “as perfeitas procriadoras” (meninas que tinham estrutura física capaz de engravidar e gerar um povo com boa saúde [sem deficiência] e branco).

Estes tristes episódios fortaleceram o abismo social, visto que a sociedade negligência as relações humanas com as pessoas com deficiência, e reforça estereótipos com a discriminação recreativa sobre este grupo, negando-lhes o que é mais caro: a sobrevivência digna, sem discriminação e respeito à diversidade.

O projeto nacional, que oficialmente estimulava a vinda de imigrantes ao Brasil, mas excluía negros, asiáticos e deficientes de todos os tipos, reforçava as dificuldades de rompimento com as amarras ideológicas, e acaba ressoando perfeitamente na sociedade atual, que baseada na meritocracia e no individualismo, subjuga o corpo daqueles que não se encaixam no modelo ideal da supremacia fisiológica e étnico-racial.

Nesta seara, o sindicalismo cumpre um papel histórico, na luta pela emancipação dos direitos das pessoas com deficiência no mundo do trabalho. E no contexto atual de precarização  e desconstrução de direitos, os sindicatos precisam fortalecer o trabalho de base voltado a este grupo composto por pessoas em situação de vulnerabilidade, pois o segmento empresarial esta se aproveitando da flexibilização da legislação e dos órgãos de fiscalização trabalhista, e realizando um desmonte das estruturas mínimas corporativas de diversidade, reduzindo o quadro funcional de pessoas com deficiência, e pressionando o governo e parlamentares no sentido de flexibilizar a contratação de deficientes.

O cenário trabalhista é alarmante, ao pesquisarmos as diversas categorias profissionais, poucas possuem estudos específicos da base de atuação, não sabemos ao certo, qual o percentual de deficientes no comércio, serviços, indústria, publicidade, educação, rural, entre outros ramos.

Um dos poucos estudos mais detalhados demonstra um cenário crítico. A categoria dos bancários conquistou na mobilização sindical, um censo nacional da diversidade bancária, realizado respectivamente em 2008, 2014 e 2019* (*Dados ainda não divulgados), que conforme o último estudo publicado, realizado com 450 mil trabalhadores, identificou que 3,6% dos bancários são trabalhadores com deficiência, ou seja, bem distante do teto de 5% estabelecido na Lei nº 8.213/1991.

Para piorar a situação, metade dos trabalhadores que integram a cota, ficaram deficientes no exercício do trabalho bancário ou devido outras intercorrências, e os bancos os enquadram nas cotas, ou seja, é mais fácil deixar um trabalhador deficiente e incorporar nas cotas, do que valorizar efetivamente a diversidade fazendo a contratação de deficientes.

Entre as estratégias utilizadas pelas empresas, estão constantes compromissos com o Ministério Público do Trabalho (MPT), com a assinatura de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), evidenciando um plano estratégico de contratação de profissionais, os quais efetivamente se mostram ineficientes.

Desta forma, há muitos casos em que trabalhadores com deficiência são contratados apenas para o cumprimento das cotas,  evitando o pagamento de multas, porém de forma comum, acabam colocados de lado, sem atividades ou funções  a serem desenvolvidas. Na outra ponta, existem empresas, que preferem pagar a multa a ter deficientes no seu quadro funcional. A perversidade está presente nestas duas condutas que impedem a efetividade da norma.

No entanto, importante mencionar que para aqueles trabalhadores deficientes que superam o desafio de uma colocação no mercado de trabalho, precisam vencer  a estrutura organizacional, porque as empresas não realizam a devida adequação do ambiente de trabalho para inclusão e recepção do deficiente. Na verdade, o que se nota é o mobiliário inadequado, ausência de rampas de acesso, sinalização deficitária, banheiros constrangedores, softwares insuficientes, entre outros.

Na relação direta com a equipe, a ausência de informação, orientação, valorização e perspectivas de crescimento (promoção) são os principais questionamentos dos trabalhadores com deficiência.

Neste sentido, é primordial ao movimento sindical, manter nas pautas de reivindicações de modo contínuo, a premissa de que investir na contratação de profissionais com deficiência, não é um custo e sim investimento, não desperdiçando talentos.

Inclusive, dados coletados em empresas apresentam que as políticas de inclusão de deficientes têm elevado o aumento dos lucros e produtividade de toda a equipe de trabalho. A lógica para esse crescimento é temerária, uma vez que passa pela ideia de que o funcionário sem deficiência ao ver um funcionário com deficiência, tenha inspiração em agradecer pela sua condição e entregar melhores resultados produtivos.

A lógica é a de que se tem alguém em situação mais vulnerável que eu, vou dar o meu melhor. Na visão dos deficientes, como sabem a dificuldade de encontrar uma ocupação digna, constantemente demonstram suas potencialidades. Desta forma, a perversidade da competição se estabelece, agregando valor corporativo a empresa.

Com efeito, a inclusão deve ser realizada com a identificação das demandas de todos os trabalhadores, especificamente, dos deficientes, que na maioria das vezes estão abandonados pelos empregadores e colegas de trabalho. É fundamental elaboração de políticas internas nos sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais, bem como que seja realizada a valorização estrutural desta parcela significativa da sociedade, no ambiente social, político e econômico, em prol da igualdade de oportunidades.