O relativismo cultural, o identitarismo e a necessidade de um novo universalismo

O relativismo cultural o identitarismo e a necessidade de um novo universalismo
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Na minha visão, sistemas de pensamento baseados no relativismo cultural e na apologia à diversidade e alteridade humana, por mais progressistas e bem intencionados que sejam, são insuficientes para dar conta do combate ao fascismo moderno.

Por uma simples razão: seus intelectuais principais propagam essas coisas!

Vejamos o principal nome da Nouvelle Droite, uma das grandes influências do Alexandr Dugin, o francês Alain de Benoist. Antigo militante das OAS contra a independência da Argélia, apologista do apartheid sul-africano e na ex-Rodésia.

Há umas cinco décadas ele deu uma guinada relativista, aparentemente abandonando sua crença em superioridade de raças. Passou a defender até certas lutas de Independência do Terceiro Mundo!

Formulou um tal de “etnopluralismo”, reconhecendo o direito de todo povo a viver com seus próprios sistemas de crenças e modelos de sociedade. Reconhece, inclusive, assim como Dugin, o direito dos povos autóctones e suas cosmovisões próprias, assim como um ambientalismo altamente crítico ao consumismo e desperdício das urbes ocidentais.

Não à toa, tanto Benoist quanto Dugin possuem enorme débito com a antropologia moderna, de Mauss e Levo-Strauss a Gilbert Durand. Não me parecem que os nomes da “virada ontológica” na disciplina, como Descola ou o perspectivismo de Viveiros de Castro advoguem coisas tão incompatíveis.

Devido à influência da escola perenialista de Guénon e seu fascínio com os povos antigos e com sabedorias “tradicionais”, propagam um esoterismo relativizador (ou mesmo negacionista) da ciência moderna. Não há muitos pontos de contato com a esquerda estilo “jovem místico” e cética ao universalismo científico?

Tudo isto englobado numa perspectiva política fortemente atrelada a variações de socialismo não marxistas, a começar por Proudhon. Federalismo, descentralização e auto-gestão local são, portanto, grandes valores. Mais uma vez, não lembra a esquerda movimentista, estilo Fórum Social Mundial, contemporânea?

Mas qual o pulo do gato então? Por que há algo de problemático nisto tudo? Bem, a questão é que o foco na Diferença e na Alteridade elude o Mesmo: apesar das diferenças, fazemos parte da mesma espécie, compartilhamos um mesmo destino.

O identitarismo fascista (sim, eles se autodeclaram identitários e há um movimento político europeu influenciado por estes autores) prevê um mundo dividido em ilhas autárquicas, cada uma preservando sua identidade regional própria. Cada um no seu quadrado. De novo, ecos do pluralismo epistemológico típico de certa esquerda.

O que gera a possibilidade de convivência dessas culturas regionais próprias? Um Império. Daí retomam não o nacionalismo burguês tradicional, do século XIX, mas uma concepção pan-europeia a abarcar suas múltiplas identidades. E os povos não europeus? Façam suas própria civilizações! É cada um por si.

O fetiche por identidades fechadas e exclusivas faz com que esses autores pareçam uma versão de sinal invertido de certas teorias presentes nos movimentos de opressão de minorias.

É por esta razão que estou convencido de que o combate firme a este tipo de coisa necessite de algo além do que hegemoniza nossos departamentos de humanas. Um novo universalismo, focado na igualdade e no Mesmo, não nas infinitas diferenças, sem negá-las, contudo, mas as envolvendo num projeto comum racional e abrangente. Em política isso só pode significar uma coisa: um novo comunismo.