Quem sustenta o mandato do atual presidente?

atual presidente Bolsonaro
Foto: Marcos Corrêa/PR
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Por Juliana Leme Faleiros – A derrota do atual presidente da República não está dada, ainda que haja um cenário razoavelmente positivo para o fim desse governo acintoso. Além da saída do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro da corrida presidencial, o que garante uma parcela de votos para Jair, os conchavos com o chamado Centrão, que dá capilaridade nos estados e municípios com distribuição de verba, a desistência de João Dória, que somente se diferencia dele por usar vocabulário polido, ele também tem o apoio de parte das Forças Armadas e um eleitorado fiel, aguerrido e, fundamentalmente, devoto.

Aquele mesmo capitão que planejou um ataque à bomba, que defende a completa neoliberalização da vida, que recusa a ciência e faz piadas ridículas e zombarias com duplo sentido para crianças não muda uma vírgula de sua visão de mundo mesmo sendo chefe de Estado. Aquele mesmo paraquedista que se pronunciava contra cotas, negros, mulheres, homossexuais e pessoas trans tem o mesmíssimo perfil de outrora e segue tendo votos.

Diante disso, fica sempre a pergunta sobre quem são esses apoiadores que insistem nessa posição. Mesmo depois de quatro anos, descaso com uma crise sanitária sem precedentes, escolhas desastrosas diante da grave crise econômica, ataques reiterados às instituições, como ele segue tendo milhões de votos? As pesquisas têm revelado que sua sustentação está no eleitor masculino branco e de meia idade. Esther Solano, pesquisadora renomada sobre o bolsonarismo, diz que “o ideário saudosista masculino da família tradicional heteronormativa e patriarcal” é considerado sob ataque e, desse modo, seus apoiadores veem pautas progressistas como desestabilizadoras da estrutura social e política que mantêm hierarquias sociais clássicas.

Nessa linha, o Instituto Ideia trouxe algo mais: em pesquisa encomendada pela Revista GQ da Editora Globo sobre o que pensa o homem brasileiro ficou reforçada a compreensão de que a identificação entre o atual presidente e seus eleitores perpassa pelo patriarcado brasileiro e, desse modo, é bastante equivocado o desprezo aos temas que o circundam. Dizer que a luta feminista e antirracista é de menor importância, colocando-as em segundo plano e nomeando-as, incorretamente, de pautas sobre costumes é de uma miopia sem tamanho. Economia, política, cultura e subjetividades estão umbilicalmente imbricadas, informando-se, relacionando-se e conformando-se.

O homem brasileiro revelado pela pesquisa do Instituto Ideia rejeita o feminismo (44% não apoiam e 23% não respondeu) e apenas 19% dos entrevistados se contrapõem a comentários machistas. Dos entrevistados, 85% torcem para algum time de futebol, 45% dão muita importância à virgindade das mulheres (!) e 58% defendem a criminalização do aborto. A mãe é a mulher que 36% mais admiram em contraponto a apenas 6% que indicam suas companheiras. Apesar disso, 30% se consideram mais inteligentes do que a média, 47% se consideram bonitos contra apenas 3% que se acham feios.

Mesmo tendo uma alta autoestima, 83% sofrem algum tipo de estresse – 74% de ansiedade, 34% de depressão e 26% de pânico -, 60% estão insatisfeitos com a vida profissional e 70% endividados. Fixados na mãe e apaixonados por jogo de bola, 24% declararam que teriam dificuldades com a homossexualidade do filho (21% preferiram não responder) e pasmem: 31% não dormiriam no mesmo quarto que um homem de orientação sexual diversa da sua.

Desses números, infere-se que o homem brasileiro é machista. Além disso, depreende-se da pesquisa que até mesmo os não eleitores de Bolsonaro não assumem explicitamente a defesa dessas temáticas e foi exatamente essa identidade machista que apeou a Presidenta Dilma Rousseff e que mantém Jair Bolsonaro na Presidência (repise-se que apenas 19% dos entrevistados se contrapõem a comentários machistas). Encapsular essa temática na chave ideológica, como reiteradamente acontece, é um erro crasso de interpretação de Brasil cometido por grupos e partidos políticos do campo da esquerda que se dizem defensores dessas questões. O patriarcado sustenta e é sustentado pelas estruturas econômicas e políticas, pois as categorias classe, raça e gênero se determinam concretamente, nas relações sociais materiais.

Antes que me acusem de misandria, deixo claro que nem todo homem se encaixa nesse padrão e que a pesquisa do Instituto Ideia se circunscreveu a entender o que o homem médio pensa e, assim, aquele que predomina e garante apoio tanto a Bolsonaro quanto aos inúmeros governadores, prefeitos e parlamentares brasileiros que rejeitam o feminismo, defendem a criminalização do aborto e preferem um filho morto a um filho homossexual. Ao lado desse homem brasileiro é possível adicionar a mulher brasileira, pois não se trata de um indivíduo essencializado: trata-se de sujeitos concretamente considerados.

Por fim, ainda sobre a pesquisa, anote-se que, perguntados sobre ícones do esporte nacional, os entrevistados apontaram, majoritariamente, Pelé (aposentado dos gramados há quase meio século) e Ayrton Senna (morto há quase trinta anos). Mais do que nostalgia, o resultado mostra a fantasia com o passado, a recusa do novo, a rejeição às transformações e o rechaço de outros modos de viver que não seja aquele que satisfaz a si mesmo. É a cristalização de um formato que garante a superioridade do macho nas relações sociais e suporta políticos como o atual presidente.

Desse modo, um projeto social orientado pela vida humana deve ser sustentado na articulação entre as categorias raça, classe e gênero corporificado na radicalidade da luta feminista e antirracista. Por estarmos em ano eleitoral, vale refletir sobre isso, buscar candidatos que se posicionem abertamente sobre a transformação social. Quem sabe, assim, deixamos de ter tão profundamente o “futuro ancorado no passado”.

Por Juliana Leme Faleiros, doutora e mestra em Direito Político e Econômico. Especialista em Direito Constitucional. Advogada e professora, pesquisa a relação entra classe, raça e gênero no Brasil.