O PT, o Partido Democrata dos EUA e a esquerda liberal

O PT o Partido Democrata dos EUA e a esquerda liberal
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Por Glauber Frota – Um ponto importante. Quem acompanha os debates do Ciro Gomes com certa frequência, talvez deve ter percebido um detalhe que é bem pouco notável e que deve ser melhor colocado em evidência.

Ciro tem cada vez mais se referido ao PT como algo muito parecido com o Partido Democrata dos EUA ou como uma “esquerda liberal”.

Esse tipo de aponte constitui um importantíssimo detalhe na condução não apenas do debate político, mas do próprio entendimento político do que se considera ser de esquerda ou de direita, levando-se em conta o contexto político brasileiro.

Quando Ciro faz essa associação do PT com o Partido Democrata americano, ele está nos dizendo: o PT não é de esquerda. É qualquer coisa, mas não é um partido de esquerda. Em “O Dever da Esperança”, ele faz uma importante tratativa em cima desse aspecto.

Tal aspecto é melhor compreendido se o PT for analisado com base em suas políticas econômicas. Não é preciso muito esforço: o projeto de autonomia do BACEN, por exemplo, já era aceito no PT desde a Era Lula mas não se concretizou por questões políticas da época. Esse mesmo projeto foi defendido por Dilma Rousseff em 2010 e por fim, foi pauta de campanha de Fernando Haddad em 2018. Os economistas petistas e ministros da Fazenda cotados nas gestões petistas, eram tão neoliberais que chegam a fazer Paulo Guedes (isso mesmo) e Armínio Fraga parecerem levemente de esquerda. É o caso de gente como Joaquim Levy, Henrique Meirelles e Marcos Lisboa. O próprio Bolsa-Família, introjetado por FHC mas conhecido como o “carro-chefe político” dos petistas, é política econômica nascida de economistas neoliberais como Friedrich Hayek e especialmente, Milton Friedman.

Saindo do aspecto econômico e indo para o político-cultural/de costumes, Ciro cada vez mais fala em “esquerda americanizada”. Ele se refere às políticas identitárias que o PT (e alguns outros partidos como PSOL e PCdoB) copiou acriticamente do Partido Democrata dos EUA como forma de se vender como “partido de esquerda” perante o povo. Com ajuda, inclusive, da imprensa. Que hoje tenta construir uma direita política com elementos identitários (BBB e Huck que o digam). Essas políticas identitárias são acompanhadas de uma política social-neoliberal econômica, que não chega nem mesmo a ser uma social-democracia. Mas sim, o que existe de mais “à direita” nas esquerdas hoje: a “esquerda estaunidense” fincada nos Democrats. O resultado dessas políticas no Brasil, uma das nações mais desiguais do planeta, foi catastrófico em termos políticos: o identitarismo não apenas alienou as esquerdas no Brasil de seu próprio passado revolucionário (o comunista que lutou na Ditadura Militar é diferente do comunista da redemocratização). Mas sobretudo, alienou as esquerdas da defesa de causas universais historicamente ligadas à esquerda desde a Revolução Francesa (educação, saúde, pleno emprego, igualdade na condição de ser humano, valorização dos trabalhadores, etc). A eleição de Bolsonaro e a estagnação política da esquerda (a qual o PT trabalha em manter), são apenas duas das piores consequências do identitarismo.

Dissecados os aspectos econômico e político-cultural/de costumes, fica cristalina a compreensão: quando Ciro diz que o PT é algo como o Partido Democrata dos EUA ou simplesmente uma “esquerda liberal”, ele está dizendo que o PT não está à esquerda no Brasil. Ele está “da centro-direita pra lá”.

É por essas e outras que não consigo deixar de manifestar minha admiração por Ciro. Acompanhá-lo e entendê-lo é uma experiência politicamente, culturalmente e intelectualmente rica. Hoje, Ciro é o único político com esse diferencial.

Por Glauber Frota

O PT o Partido Democrata dos EUA e a esquerda liberal