Principalmente com Marx, mas não só

O quadro de fracionamento explícito que ora vive a classe dominante, os maganos do grande capital, obriga à esquerda não menos fracionada a uma corrida contra o tempo. Como tirar proveito da crise sócio-política atual sem que tal crise se conclua, como várias outras antecedentes, num simples freio de arrumação, através de fusões na burguesia, ou simples extinções naturalistas dos mais fracos diante dos mais potentes? Como impedir, repetindo crises anteriores, que as classes dominantes terminem por se locupletar ainda mais, ao transferir para o mundo do trabalho, derrotado, o ônus da tragédia econômica gerada por eles?
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O quadro de fracionamento explícito que ora vive a classe dominante, os maganos do grande capital, obriga à esquerda não menos fracionada uma corrida contra o tempo. Como tirar proveito da crise sócio-política atual sem que tal crise se conclua, como várias outras antecedentes, num simples freio de arrumação, através de fusões na burguesia, ou simples extinções naturalistas dos mais fracos diante dos mais potentes? Como impedir, repetindo crises anteriores, que as classes dominantes terminem por se locupletar ainda mais, ao transferir para o mundo do trabalho, derrotado, o ônus da tragédia econômica gerada por eles?

ESSA QUESTÃO PREMENTE, para mim, precisa encontrar respostas não só nas formulações teóricas fundadas na economia política do capitalismo tão profundamente destrinchada pelo genial Karl Marx e seu parceiro Engels. Agindo como marxistas, cabe-nos também a constatação de caminhos diversos do processo revolucionário para além do formulado pelos dois cúmplices revolucionários.

NO CAMPO DA TEORIA, Gramsci já nos ensinava isso em ensaio curto mas incisivo, “A Revolução contra o Capital”, publicado no Avanti em 25 de novembro de 1917. Ali, o não menos genial Sardo já deixava claro que não ser pelo eixo referencial do desenvolvimento capitalista, da análise da economia política, que a Revolução se dera na Rússia.

LITERALMENTE, ELE DIZ: “A revolução dos bolcheviques é feita mais de ideologias do que de factos. (Por isso, no fundo, importa-nos pouco saber mais do que já sabemos). É a revolução contra O Capital de Karl Marx. O Capital de Marx era, na Rússia, mais o livro dos burgueses que dos proletários. Era a demonstração crítica da necessidade inevitável que na Rússia se formasse uma burguesia, se iniciasse uma era capitalista, se instaurasse uma civilização de tipo ocidental, antes que o proletariado pudesse sequer pensar na sua insurreição, nas suas reivindicações de classe, na sua revolução. Os factos ultrapassaram as ideologias. Os factos rebentaram os esquemas críticos de acordo com os quais a história da Rússia devia desenrolar-se segundo os cânones do materialismo histórico. Os bolcheviques renegam Karl Marx quando afirmam, com o testemunho da acção concreta, das conquistas alcançadas, que os cânones do materialismo histórico não são tão férreos como se poderia pensar e se pensou”.

GRAMSCI apenas atesta que é a partir dos fatos concretos, da realidade objetiva, onde a decomposição do regime czarista na I Guerra Mundial desempenha papel fundamental, que Lenin surpreende seus camaradas na liderança bolchevique com as “Teses de Abril” por algo que chegava com raio em céu azul, para usar a expressão cunhada por Marx. Teses tão ousadas, e tão distintas da racionalidade anterior do próprio Lenin, que Stalin, editor do órgão oficial do partido, se recusa a publicá-las.

OU SEJA, LENIN dava ali a prova, uma vez mais, de que não só a economia política com base de desenvolvimento material de uma sociedade determinava, pelo avanço do capitalismo, o surgimento das condições objetivas sobre as quais a subjetividade revolucionária daria o salto qualitativo para um regime superior.

LENIN apenas dava continuidade a revolucionários, anteriores até a Marx, como Baboeuf, líder da “Revolução dos Iguais”, o primeiro a falar em comunismo, ou aos socialistas utópicos Owens, Fourier, Saint Simon, assim como o ícone do Anarquismo, Proudhon. Entre tapas e afagos, Marx nunca negou como foram fundamentais para o seu desenvolvimento ideológico.

VALE CITAR DO PRÓPRIO MARX, aliás, algo que José Paulo Netto recupera no seu magistral “Marx, uma biografia” a idéia anti-doutrinarista de que “Cada passo do movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas”, verdadeiro petardo contra os que preconizam a necessidade prioritária de longos e quase nunca lidos programas complexos, facilmente substituíveis por alguns eixos referenciais na desconstrução do regime capitalista.

PORQUE É NA DESCONSTRUÇÃO, em batalhas permanentes, e não na lógica do desenvolvimento natural do capitalismo que a ação revolucionária subjetiva se revelou consistentemente vitoriosa. Do salto qualitativo da Revolução Francesa, em 1792, passando pela Comuna de Paris e a Revolução Bolchevique, para chegar à Revolução Chinesa e à Revolução Cubana, são as condições da realidade objetiva e a aversão ao que deve ser destruído que resultou em avanço qualitativamente transformador.

NÃO FORAM CONDIÇÕES OBJETIVAS exclusivamente ditadas pela exclusividade dos dados da economia política que foram ali determinantes. Não foram as classes oprimidas, mas sim vanguardas capazes de trazer a essas classes a consciência de “para si” e não de simplesmente “em si”. Foram vanguardas capazes de, no empenho da desconstrução do regime opressor, nas condições específicas de cada realidade, mover a roda da História.

A VALER exclusivamente a lógica da movimentação transformadora a partir da análise da economia política, teria sido na Inglaterra Carlista ou na Alemanha de Bismarck – onde as burguesias não se pretendiam revolucionárias como a francesa, e o proletariado ela conduzido por limites estabelecidos por sua “aristocracia” sindicalista, que teríamos liquidado o capitalismo.

O QUE TERIA dispensado Gramsci de escrever o seu ensaio antológico. Portanto, e como conclusão, penso que a necessária Frente de Esquerda, a se formar, não pode apagar os exemplos recentes dos fracassos consequentes de uma visão conciliatória da luta de classes. Tem que se formar não obrigatoriamente com textos complexos de programas difíceis de leitura.

MAS, SIM, NA TRADUÇÃO de alguns pontos referenciais, que trabalhem sobre o ódio crescente das camadas oprimidas – na base da sociedade, mas também em setores das classes médias – Que sistema financeiro? Deve continuar privado? Que políticas agrária? Que política agrícola? Que organização de Estado? Como reformá-lo pela democratização, como forma de dar espaço aos que pretendem minimizá-los? Que política Tributária progressista? Como liquidar os privilégios das isenções que só favorecem o capital? Como agir para neutralizar o pacote de contra-reformas anti-sociais já legisladas?

SEM ENTRAR EM DETALHES, como o próprio Marx nunca entrou, em desenhar o que será construído depois, pois isso terá que ser medido a cada passo de avanço. A cada degrau escalado. Um “que se vayan todos” pela esquerda, antes que direita o retome com novas roupas.

Luta que segue!