Plebiscitos e democracia quente

Plebiscitos e democracia quente
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Não quero discutir o conteúdo da sabatina do Ciro Gomes no Jornal Nacional.

Uma coisa, no entanto, me chamou bastante a atenção: o modo como a Renata Vasconcellos, questionou a proposta dos plebiscitos como afronta à democracia, uma sinalização de “populismo” latino-americano.

É um sinal dos tempos.

Durante certo período, movimentos populares e personalidades democráticas sonhavam com a ideia de complementar a democracia representativa (frequentemente exposta à blindagem aos interesses populares e refém de inúmeros lobbies e interesses dos arcanos do poder) com uma “democracia participativa”, na qual entidades da sociedade civil e a população poderia exercer diretamente seu poder de interferir nos rumos da nação.

Esse ideal “democratista”, cujo auge se deu, não à toa, no processo de redemocratização da ditadura militar, nos anos 80, foi bastante popular inclusive entre juristas, ansiosos com um novo ideal de democracia, chamada de “quente”, pois abrangendo manifestações populares e movimentos sociais em seu escopo.

Não à toa, nossa Constituição estabelece logo no artigo primeiro, em seu parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou **diretamente** (destaques meus, claro), nos termos desta Constituição”. Será que os jornalistas do maior noticiário do país desconhecem tal dispositivo?

A previsão de plebiscitos e referendos na nossa tal “Carta Magna”, ademais, adveio de uma forte influência do constitucionalismo português e espanhol, países que também viviam uma aurora democrática após anos de ditaduras direitistas, que incluíam tais manifestações de democracia direta como antídoto à inércia conservadora. Ou seja, muito antes do tal novo constitucionalismo latino-americano, antes dos ameaçadores Evo Morales e Hugo Chávez, eram nações europeias que influenciavam a relativização dos mecanismos parlamentares tradicionais, em nome de princípios populares. Não me consta que estes países da União europeia sejam chamados de ditaduras por ninguém…

É mais uma prova de que pouca coisa sobra do espírito original da Constituição quando esta é filtrada pelas opiniões e interesses de uma das classes dominantes mais reacionárias do mundo, não importa o quanto faça para parecer “moderna”.