O Mito fantástico de Jorge Serrão

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No texto publicado no último dia 25 de outubro intitulado “Bolsonaro pode superar Juscelino com ’50 anos em 4’”, o comentarista da Jovem Pan Jorge Serrão parece ter concedido a si mesmo o direito de se livrar completamente de qualquer compromisso, ainda que mínimo, com os fatos objetivos.

Dando asas à sua mais livre e plena imaginação, de saída, Serrão afirma que o governo (?) do presidente Jair Bolsonaro vem promovendo “ritmo de investimentos muito superior aos da Era JK”, resultando em cenário no qual “milhares de obras movimentam a economia: estradas, ferrovias, modernização de portos e aeroportos, geração de energia e água para o Nordeste”. A partir dessa ficção, Serrão descreve a seguinte “situação”:

O tal “Mito”, sim, é o candidato à reeleição que, em futuro próximo, pode ficar famoso por ter feito, no Brasil, em termos de infraestrutura, ’50 anos em 4′. Pragmatismo na gestão dos recursos públicos. Fim das decisões ideológicas e da política da troca de cargos por apoio político. Esses são os segredos da atual revolução na entrega de obras públicas no Brasil. Sem exagero retórico [!], equivale a 50 anos de obras sendo entregues em apenas 4 anos. Impossível deixar de comparar o ‘milagre’ de Bolsonaro com o período do presidente Juscelino Kubitscheck [sic], conhecido por JK, que é idolatrado por todas as tendências ideológicas. A comparação é embasada em fatos objetivos. O atual governo destravou milhares de obras que estavam paradas no Brasil, alocou recursos para investimentos pesados em infraestrutura e atraiu a iniciativa privada para investimentos estruturais.

Quem dera o único maltrato do “comentarista” à figura de Juscelino tivesse sido o de desconhecer a grafia correta do seu sobrenome. Porém, não satisfeito, Serrão afirma logo em seguida que “quando os historiadores avaliarem, no futuro, o que está sendo feito em termos de obras atualmente, irão considerá-lo como um período desenvolvimentista da República Brasileira”. E prossegue, dizendo que o “volume de obras” ora sendo realizado em “rodovias, ferrovias, aeroportos, portos e infraestrutura por todo o Brasil vai resolver muitos problemas de gargalos na estrutura produtiva brasileira”. Serrão invoca, então, o “Plano Nacional de Logística 2035”, segundo ele, compreendendo 2 trilhões de reais em investimentos públicos e privados. Diz, ainda, que durante a presidência de Bolsonaro já foram “pavimentadas ou reconstruídas mais de 1.200 km de rodovias”; retomadas “10 mil obras paralisadas”; e que a construção civil brasileira foi reativada, promovendo a entrega de “mais de 1 milhão de moradias […] em todo o Brasil, através de 128 bilhões em investimentos federais, entre 2019 e 2021.”

Daí em diante, o texto segue proferindo excrescências como a de que o “momento atual de investimentos estratégicos do governo federal” deve ser comparado ao New Deal praticado nos Estados Unidos por Franklin Delano Roosevelt durante a “Grande Depressão” dos anos 1930. E enumera – com flagrantes erros – algumas das realizações infraestruturais de JK afirmando que, durante o seu governo, o Brasil construiu as grandes usinas hidrelétricas de Furnas e Três Marias; projetou 20 mil km de rodovias; aumentou a produção nacional de petróleo em quase 150%; e ergueu Brasília em apenas três anos de mandato.

Finalmente, na conclusão do seu “raciocínio” mágico, afirma Serrão:

“Agora mesmo atacado por tudo e por todos, o presidente Jair Bolsonaro (que ainda não foi comparado a JK, mas poderá ser, no futuro) realiza investimentos estratégicos, sem superfaturamentos, entregues nos cronogramas programados, em todo o território nacional. Tudo com ajuda das Forças Armadas, das cooperativas do agronegócio e de investidores que realmente apostam no sucesso do Brasil. Os efeitos na atividade econômica, no nível de emprego e na qualidade de vida dos brasileiros serão impactantes.”

No livro “O Governo JK e as raízes getulistas da orientação do capitalismo no Brasil”, publicado em 2015 pela Editora Prismas, propus uma análise desse período partindo da ideia de que as propostas e realizações de Juscelino Kubitschek corresponderam à execução do que considerei o “lado burguês” do getulismo. Isto é, um lado mais ligado à industrialização associada aos capitais estrangeiros do que àquela liderada pelas empresas estatais; e também, um lado do getulismo mais conservador, encarnado no Partido Social Democrático, e menos ligado ao ideário trabalhista praticado pelo Partido Trabalhista Brasileiro, embora Juscelino não negasse a importância da legislação de proteção ao trabalho como instrumento de harmonização social e de estabilização das relações entre as classes sociais no Brasil.

Por outro lado, realizei também um inventário das realizações de Juscelino quanto à industrialização do Brasil, principalmente nas chamadas “indústrias de base”, objetivos expressos no seu Plano de Metas; quanto à implantação da indústria automobilística no Brasil; e também no que diz respeito à construção de Brasília. Vejamos, então, apenas dados de referência.

Entre 1956 e 1961, Juscelino Kubistchek logrou aumentar a geração nacional de energia elétrica de 3.500 para 5.205 MW, superando a meta inicial de 5.000. Furnas e Três Marias, porém, embora tenham tido suas obras iniciadas por ele, não foram concluídas nem entraram em operação durante o seu mandato. Com relação à produção nacional de petróleo, a meta inicialmente estabelecida previa a expansão de apenas 7 mil barris diários, em 1956, para 100 mil em 1961, ao passo que nesse ano alcançou-se uma produção real de 95.400. A pavimentação de rodovias alcançou 6.202 quilômetros, contra uma meta de 5 mil, enquanto a construção de novas rodovias foi de quase 15.000 (contra uma meta de 12 mil). A produção de aço, que alcançou 2,5 milhões de toneladas em 1961, quase dobrou a de 1956. Já a produção da indústria automobilística nacional, residual em 1956, alcançou, em 1960, 321.200 veículos produzidos, contra uma meta inicial de 170 mil, depois revisada para 347.700. Foram construídos 12 novos estaleiros, capazes de produzir 200 mil toneladas anuais em embarcações. No geral, a produção nacional cresceu 10% ao ano entre 1958 e 1960 e mais de 60% entre 1956 e 1962. A renda per capita subiu 3,9% ao ano, acumulando 25% de expansão no período. Finalmente, a produção industrial brasileira cresceu 80%, com expansão de quase 100% na siderurgia; 125% na indústria mecânica; 380% na de equipamentos elétricos e de comunicações; e 600% na de materiais de transportes.

Pois bem, o que Bolsonaro, já se aproximando do seu último ano de mandato, tem para comparar com esses feitos? A produção de veículos em 2020 quase 50% inferior à de 2013? O PIB se encaminhando para fechar 2021 cerca de 3% abaixo do nível de 2019? A renda domiciliar per capita no seu menor nível desde 1996, segundo dados do IBGE? As menores taxas de participação da indústria na produção nacional e dos investimentos desde a década de 1940, aprofundando tendências destrutivas dos governos anteriores? As mais de 600 mil mortes (em números oficiais) causadas pela Covid, boa parte delas decorrente da omissão governamental? O retorno de dezenas de milhões de brasileiros à situação de insuficiência alimentar? A explosão dos preços dos alimentos, do gás de cozinha e dos combustíveis? Finalmente, a confissão deliberada de Bolsonaro da sua impotência diante dos interesses do “mercado”?

Afinal, onde estão as semelhanças, remotas que sejam, entre as “realizações” de Bolsonaro e as de JK?

No único momento de alguma lucidez do seu delirante texto, Serrão, referindo-se aqueles que comparam Rodrigo Pacheco – provável candidato do PSD (o atual, o do Kassab) à Presidência – a JK, exclama: “Pura falsidade! Propaganda enganosa!”

Temos que concordar. Nada vemos, em absoluto, que habilite essa comparação. Nem mesmo o estado de nascimento, aliás, Pacheco e JK têm em comum. Porém, o desavergonhado Serrão não fez melhor. Ao tentar igualar o anti-presidente Bolsonaro a Juscelino, um dos principais líderes da nossa história – embora não isento de erros e contradições –, Serrão produziu uma das maiores e mais grosseiras falsificações e propagandas enganosas da nossa história recente.