O Datafolha e a resiliência de Bolsonaro

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A pesquisa Datafolha divulgada ontem à noite tem pouca repercussão entre setores progressistas. Ou seja, entre nossa bolha. Não entendo o motivo.

Semana passada, em uma live, comentei ser possível haver uma decepção entre os nossos pelo fato de Bolsonaro manter um bom colchão de aprovação nas pesquisas que sairiam dali por diante. É o que acontece agora. Mesmo em queda, ele exibe apoios ao redor de 30% dos pesquisados. Vou arriscar aqui alguns palpites das razões disso.

Bolsonaro parece perder simpatizantes na sociedade “desorganizada”. A meu ver, o Boçal reúne dois tipos de apoio, desde 2018. O pilar principal está numa espécie de organicidade de opinião que a extrema direita construiu desde 2013. É a turma da “intervenção militar” e do “Vai pra Cuba”, branca, classe média e que detesta preto e pobre. O segundo pilar é formado pelo eleitor profundamente decepcionado com Lula e Dilma, por motivos variados, disposto a votar em qualquer um para “tirar o PT de lá”. Aqui entram os pretos, pobres e periféricos bolsonaristas.

Diferentemente do PT, que partiu de sindicatos e associações populares e, ao chegar ao governo, ampliou sua legitimidade junto a vastos setores dispersos – pobres e miseráveis espalhados pelo país -, graças a políticas sociais de Estado (v. André Singer), Bolsonaro, em seu curto trajeto pré eleitoral, ganhou setores desorganizados que votavam no PT. Atraiu os dispersos antes das eleições, navegando nas águas do antipetismo.

Isso se deu em primeiro lugar pela decepção com o conjunto de desastres patrocinados pelo PT no governo Dilma II – e seu negacionismo desenvolvimentista – e foi impulsionado pelo combo Lava Jato+prisão de Lula+fundamentalismo evangélico+mídia.

Assim, a soma de votos de seu núcleo duro de extrema-direita com os dos desorganizados possibilitou a Bolsonaro vencer o pleito, cavalgando um eleitorado híbrido.

Tudo indica que ele vem perdendo aceleradamente a franja difusa e dispersa de apoiadores que um dia escolheu o PT (o segundo pilar, mencionado acima). No entanto, o genocida mantém seus apoiadores orgânicos, com os arreganhos de estupidez recorrentes. Ou seja, seu percurso é inverso ao de Lula: este ganha os desorganizados quando chega ao governo; o Boçal os ganhou antes e agora os perde.

Repetindo, é pouco provável que Bolsonaro sangre significativamente daqui para frente. Se quase 300 mil mortos não sensibilizam esse eleitor fascistizado, a tendência é que as disputas daqui até as eleições se deem com mudanças residuais nesse quadro. É preciso ainda ver o efeito que o corte do auxílio emergencial terá nesse eleitorado fiel da extrema-direita. É o fator para mim imponderável.

Nessa configuração de forças na sociedade, a situação dificilmente se alterará no Congresso.

Há decepção entre os setores progressistas com a pesquisa, universo no qual me incluo. Mas o pior caminho é ignorar a sondagem. É preciso estudá-la melhor.

  1. Interessante que o voto de uma pessoa que elege o Huck (na pesquisa possui potencia de voto similar ao Ciro) vale o mesmo de alguém que analisa profundamente a política. É por isso que o país está nessa situação: boa parte do povo detém baixíssima capacidade de reflexão política. Os 14 anos de poder do PT não alteraram o grau de informação fornecido pelo sistema educacional, para a reflexão política crítica sobre dívida pública, dominação de mercado, privatizações, influência das potências estrangeiras, etc. E nem se escuta tratar deste tema na pregação de Ciro Gomes. Se a sociedade não foi educada com informação política crítica, a direita sempre estará em vias de manter o poder, porque é da desinformação e ignorância que se alimenta o poder da elite financeira.

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