Nova âncora fiscal: a bola de chumbo para o futuro brasileiro

Nova ancora fiscal a bola de chumbo para o futuro brasileiro
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Não contem comigo para defender algo que já nasceu podre:

O aspecto mais curioso da “nova âncora fiscal“, que poderia se chamar bola de chumbo do FMI para o futuro brasileiro, é uma estranha noção deformada de meritocracia, típica do neoliberalismo. Eu explico:

Para além do economiquês mais ilusório, está posto o seguinte pressuposto extremamente perigoso:

Se for possível pagar superavit para banqueiros então os pobres brasileirinhos trabalhadores podem receber, vejam só, um prêmio. E que prêmio seria esse? Ter seus direitos básicos quanto a serviços públicos cumpridos por conta da expansão do investimento e possibilidade do aumento da infraestrutura pública. É isso mesmo que a nova âncora fiscal traz conceitualmente ao cidadão comum. A nova âncora fiscal legitima esse pensamento.

Agora, caso não seja possível pagar superavit de banqueiro, tal regra determina que o crescimento do investimento no ano seguinte sofrerá redução restrita, para não cair demais de uma só vez, por um “piso”. Onde está o pulo do gato neoliberal? Está na parte que afirma que, além de ter esse piso mínimo quando não for possível cumprir a meta, também existirá maior “restrição fiscal” dito abstratamente, para uma população que não faz ideia da distinção entre política fiscal e monetária.

O que isso significa na prática?

Que aumentaremos os juros, para remunerar mais rentistas e prejudicar mais ainda a grande massa de trabalhadores, para “compensar multiplicado”, com juros + restrição do investimento até o piso + aumento da exploração laboral, o superavit que não foi pago anteriormente. Apenas a redução do investimento até o piso não paga a “dívida pelo déficit” anterior, isso está implícito no projeto. Nesse caso a taxa de juros, como veremos adiante, não é utilizada na prática como instrumento de política monetária como seria usual de se imaginar na teoria.

A única coisa que poderia diminuir a gravidade do quadro de tal âncora, seria a aprovação de uma reforma tributária profundamente progressiva, a aplicação de uma taxação grande em forma de lei de remessa de lucros, taxação de heranças, de lucros e dividendos e de demais áreas que liberem a classe trabalhadora de ser onerada e perder mais renda, e tribute os super ricos, além de garantir o fim dessa “autonomia do BC” e acabar com o cartel bancário privado. Porém, tais reformas não parecem estar sinceramente nem um pouco próximas de ocorrerem. Alguém vislumbra que isso irá ocorrer?

Qualquer pessoa que leu um pouco sobre o tema sabe que tal âncora é uma aposta perigosa, que pode queimar popularidade à toa e rápido, e que isso tem enorme potencial para terminar de colocar nossa economia em espiral de queda já que no nosso caso, os juros e a busca brasileira ideologicamente burra e intoxicada por um superavit a qualquer custo, não são o remédio, e sim o próprio veneno. No Brasil, de forma muito particular, se usa o instrumento dos juros para uma função que claramente não é o “controle da inflação” nem tão somente para a política monetária, mas sim o controle da aceleração da taxa de lucro do rentismo.

O Brasil é um dos poucos países do mundo em que a economia pode ir a frangalhos e a população pode ficar jogada a fome a miséria, mas mesmo que seja contra a base do pensamento econômico teórico, na prática, aumentam os juros, permitindo vultosos lucros para o capital usurário, com um cartel em território brasileiro ao nível interno e para os rentistas graúdos ao nível internacional, pois o estado é literalmente organizado para isso, e não para atender a população mais do que o necessário para trabalharem, se alimentarem mal, gerarem dívidas, consumirem produtos e serviços do estrangeiro, muitas vezes prestados aqui como vemos com as privatizações e concessões, e serem superexplorados em trabalho informal. O que será que isso significa?

Basta observar o Banco Central e se questionar quem detém o poder político completo no Brasil desde 2016, e ainda não o devolveu ao povo brasileiro, mas tenta nos enganar de que vencemos alguma coisa.

Tal piso celebrado por alguns, é literalmente uma trava para que a economia não colapse de uma só vez ficando sem espaço para investimento, mantendo essa roda de moer brasileiros girando, mas claramente não pode impedir que colapse a médio prazo, justamente pelo fato de que o que está carregando nossa economia para baixo é fundamentalmente empobrecimento da maior parte da população e total falta de acesso ao crédito, quando este último existe, é sobre-taxado em uma escravidão moderna tipicamente brasileira. Para tudo, se suga mais um pouco da renda das famílias, se reduz a oferta e a qualidade dos serviços públicos, e aumentam, ou mantém elevada, a famigerada taxa de juros. Da classe dominante brasileira, isto é, em nosso caso, generalizando, latifundiários e banqueiros ( que muitas vezes são os dois ao mesmo tempo), nada se retira, nada se tributa, nenhum esforço esta empenha no teatral arrocho nacional.

Tal “âncora” não é feita no intuito de quebrar tal sistema, pelo contrário, tem a função de legitimar sobrevida ao mesmo, refundando-o na fabricação de um novo, falso, consenso nacional. Por isso, está fadada ao fracasso quando colocada em prática. Para sair desse quadro é simplesmente impossível não entrar em deficit e continuar em uma busca estúpida por superavit a qualquer custo, cegueira essa que é justamente o que tal âncora persegue e “suaviza” quando comparada ao rústico “Teto de Gastos” da dupla Temer/Meirelles, para tornar o mesmo conceito econômico “passável”. Percebam que tal âncora pune o déficit, que se bem utilizado, paradoxalmente, é o mecanismo para tirar o Brasil do buraco, mas premia ( de forma ilusória proporcionalmente) o superavit, cuja busca insana está umbilicalmente ligada ao nosso problema econômico que é político e de classe, e está atrelado a contradição imperialista. Qual o critério para tal? Estão as famigeradas “perdas internacionais”, como diria o velho Leonel, aí expostas para todos verem bem de perto. Eles reiteradamente escolhem por Mamon, mas dizem servir ao povo.

Se o Brasil crescer muito, o espaço para o investimento será ampliado em um pouquinho, mas o lucro dos banqueiros será proporcionalmente imenso, e estará reservado para ser pago imediatamente junto ao superavit. Se o Brasil não crescer, os trabalhadores serão penalizados, agora de forma legitimada por uma norma, enquanto o lucro dos banqueiros e rentistas continuará avassaladoramente imenso, só irá demorar um pouco mais para “cair na conta” e virá com “bônus”, pois aqui na periferia do capitalismo a taxa de lucro da classe dominante vem fundamentalmente de super-exploração do trabalho + usura pura e simples manifesta no controle da taxa de juros. O que nos parece o provável no momento? Um crescimento estrondoso de nossa economia em um tempo curto? Todos sabemos que não.

A cereja do bolo é tal regra ser proposta da forma como foi, pelo partido que simbolicamente ( por conta de muitos fatores) tomou a hegemonia da representação da esquerda nacional no imaginário popular. Qualquer um que estuda o caso da Europa sabe que esse foi exatamente o contexto que tornou a extrema-direita uma força constante na política do velho continente, roubando muitas vezes o espaço da esquerda em propor mudanças no sistema, justamente porque a esquerda se aliou aos banqueiros e cedeu com isso tal espaço para a direita monopolizar a ideia de mudança no imaginário popular.

O que isso deixa exposto? Que a República está mais que morta e é uma mentira. Que o objetivo desse Estado escroto que preda nossa gente é trabalhar pelo lucro dos rentistas e tão somente. Sei que é uma fala dura e forte, mas quem está falando isso não é um daqueles fetichistas que pregam contra a república da boca para fora. Não, pelo contrário. Vem de alguém que genuinamente ama a república e sente nojo de ver essa demagogia oligárquica que se vende como república. Infelizmente, não existe mais república no sentido original do termo, “a coisa pública”, a única coisa realmente pública é o ônus de pagar a quota destinada ao rentismo, trabalhando para um latifundiário, para um aplicativo internacional não taxado, ou em algum bico.

A Nova República não tem nada de nova, ela é a Velha República, seu objetivo, como na primeira república, é tão somente o de continuar com a escravidão de uma forma que seja mais difícil de ser combatida pois é defendida por todo o sistema que a naturaliza. Não é a “nossa República”, é a “República deles”, da classe dominante, dos países centrais, somos apenas mercadoria. Quem entende isso, e se cala, defende a escravidão, não importa quão descolado ou “progressista” pareça.