Não vai ter golpe

bolsonaro não vai ter golpe
Agência o Globo
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Por Juliana Leme Faleiros – Depois de toda a galhardia do 7 de setembro, a capitulação. Apesar de todo o barulho, o recuo do atual presidente já era previsto por quem está atento aos movimentos da direita limpinha, também chamada de gourmet ou tradicional. Nos dias que antecederam o espetáculo, manifestações dos empresários mineiros em defesa da democracia, do Presidente do Senado sobre a inegociabilidade dela e o manifesto da FEBRABAN em defesa das instituições e da harmonia entre os três poderes anunciaram o tom do fiasco.

Colocada a derrota – em São Paulo apenas 6% do público esperado – o dólar subiu, a Bolsa caiu e Jair assinou a declaração à nação que Michel Temer escreveu. Vale recordar que o ex-presidente coautor do golpe de 2016 é alinhado aos militares desde o início de sua carreira, teve Alexandre de Moraes como Ministro da Justiça e foi quem o nomeou ao Supremo Tribunal Federal.

Com a declaração do Temer, o atual presidente expõe com clareza de céu de brigadeiro que é ele mesmo a cortina de fumaça de seu próprio governo; a regra é ser histriônico para defender a si, seus filhos e o projeto de destruição. Se assim não fosse, alguns ministros não estariam trabalhando para separar o governo das falas, veja só, do próprio presidente, como noticiou “Correio Braziliense”. Estranho, não é mesmo? Sim, as medidas de destruição das políticas sociais precisam seguir sendo aprovadas e para isso muito barulho e muita fumaça são necessários para evitar questionamentos. A divisão em alas do governo – técnica e ideológica – tem a função de escamotear seu papel que, além de defender-se, permite estabilidade para a passagem da boiada.

Do mesmo modo, há quem não acredite que o atual presidente recuou e não usou o “zap” (!) para pedir aos caminhoneiros para voltarem ao trabalho. Acusam de farsa ou de imitação de Marcelo Adnet. Essa descrença ancora-se no fato de que, no mesmo pé que publicou a declaração à nação, reuniu-se com alguns caminhoneiros, mantendo acesa a chama da discórdia. Na mesma medida que elogia a China no combate à pandemia em reunião do Brics, continua chamando a coronavac de “vachina”. Além, claro, da “live” para sua claque às quintas-feiras na qual repetiu os mesmos ataques, apenas dispensou os xingamentos. Aliás, para quem quiser assistir, o presidente estava muitíssimo à vontade para ser ele mesmo.

Ele é um militar e foi treinado para cumprir fielmente a missão que lhe foi dada, qual seja, fazer do Brasil terra arrasada como os militares fazem em invasões a países estrangeiros. Invadem, destroem e se colocam disponíveis para reconstruir. Sendo militar, foi catapultado do Exército para a política por conspirar contra, veja só, a instituição que lhe formou. Uma criatura apropriada para esse tipo de missão por ser capaz de fazer qualquer coisa e por confundir aqueles que são considerados adversários.

Portanto, ainda que as medidas antichama tomadas pelos grupos políticos e pelas demais instituições tenham caráter mais enérgico do que nas ocasiões anteriores, é pouco crível que haverá um recuo efetivo. E, desse modo, o que preocupa é o rastro deixado por essa farsa de péssimo gosto vestida de verde e amarelo: a violência nua e crua.

Sua permanência no poder como cortina de fumaça segue servindo às reformas destruidoras de direitos. A recusa de seus seguidores em ver sua atuação performática, me remete à organização Shindô Renmei, muito bem contada no livro “Corações Sujos” de Fernando de Morais publicado em 2000 e transformado em filme de mesmo nome, com lançamento em 2012 e direção de Vicente Amorim.

O livro conta a história da recusa de alguns japoneses, imigrantes no Brasil, em aceitar a rendição do Imperador na Segunda Guerra Mundial, em 1945. A organização decidiu, então, assassinar os japoneses que acreditavam e que aceitavam a derrota de seu país de origem. Chamados pelos membros da organização de derrotistas ou corações sujos, mais de vinte japoneses foram decapitados no interior do estado de São Paulo. Crer que o Imperador tivesse capitulado após tanto sacrifício e dedicação era algo inimaginável. Mais fácil assassinar os que criam na realidade.

A semelhança entre um e outro momento histórico reside na aversão à verdade e na utilidade da manutenção da violência. Se há diferença entre eles, ela reside no fato de que seguidores do presidente contam com uma rede profunda de desinformação via redes sociais e de disseminação do ódio a tudo que é diferente. É uma guerra sustentada numa narrativa, para usar uma expressão tão apreciada por eles, que prega a violência, o fim do diálogo e o extermínio do outro, que gera o aprofundamento da crise política e da dependência econômica. Ainda que o recuo aconteça, os “mitosseguidores” do século XXI servem a um exército que tem o objetivo de refundar a República sob bases antidemocráticas e fomentar a violência entre cidadãos, também tática de guerra.

A subversão das instituições para seus próprios interesses só se concretiza com “Supremo, com tudo” o que inclui membros do Judiciário, os setores do capital, principalmente, financeiro, as grandes empresas de comunicação e os grupos políticos de maior capilaridade. Não vai ter golpe porque o golpe já foi dado. Continuarão a subir a temperatura da violência e agudizar o esgarçamento da proteção social.

Por Juliana Leme Faleiros, mestra em Direito Político e Econômico (MACKENZIE). Especialista em Direito Constitucional (ESDC). Bacharela em Direito e Ciência Política. Advogada.