É praxe que no dia 8 de março os olhares se voltem para pautas de enfrentamento das desigualdades que atingem as mulheres. Em regra, abriremos os jornais, as redes sociais e leremos sobre temas como a vulnerabilidade das mulheres no campo do trabalho, a dupla jornada e, dentro do cenário atual, o impacto da pandemia nessas relações.
Ocorre que ainda que exista essa atenção voltada para as mulheres, alguns subgrupos continuam na linha da invisibilidade. É o caso das mulheres privadas de liberdade.
Se a situação anterior à pandemia do Covid–19 já demandava um olhar crítico acerca das questões que envolvem o cumprimento de pena das mulheres no Brasil, após esse estado essas questões só se intensificaram.
O encarceramento feminino cresce aceleradamente no Brasil e no mundo, superando a taxa de crescimento de encarceramento masculino[1]. Enquanto no período de 2000 a 2017, o crescimento populacional masculino foi de 30%, os níveis de encarceramento feminino cresceram em 50%[2] – por não ser o foco principal do texto, não serão aprofundadas as razões do maior crescimento carcerário feminino nos últimos anos, mas importa mencionar que em muito se relaciona com a chamada “guerra às drogas”, tanto pelo cometimento do delito de tráfico de drogas, como a forte criminalização da mulher usuária de entorpecentes.
Dito isso, as peculiaridades dentro da perspectiva de gênero não podem seguir o caminho da neutralização, como tende a acontecer. É necessário entender as diferenças e demandas das mulheres encarceradas, quais as violações mais presentes e de que modo é possível garantir que todos os direitos dessas mulheres permaneçam assegurados.
A partir desse cenário, o primeiro obstáculo a ser superado é a ausência de dados atualizados acerca da população feminina encarcerada. Apesar da existência de um estudo direcionado a essas mulheres, elaborado pelo Departamento Penitenciário Nacional e intitulado de “Infopen Mulheres”, o último relatório disponibilizado no portal eletrônico é datado de junho 2017[3].
Apesar do esforço de algumas instituições sociais de abordarem o tema, como a Pastoral Carcerária, que em 22 de dezembro de 2020 disponibilizou uma pesquisa sobre mulheres presas em tempos de pandemia, o que se reitera é a dificuldade de ter dados concretos acerca da situação das mulheres presas. De acordo com a conclusão da pesquisa “pôde-se confirmar a grande dificuldade em obter informações sobre as mulheres privadas de liberdade, reforçando sua invisibilidade dentro de um contexto que já é excludente e agravado pela pandemia. A resistência em fornecer informações sobre o que está acontecendo nas prisões não só prejudica a produção de uma análise aprofundada sobre a situação atual das mulheres presas como também deixa familiares e organizações sociais que lidam com o cárcere no escuro em relação às violências e torturas que vem ocorrendo nas prisões, e que tipo de ações preventivas – se há alguma de fato – estão sendo aplicadas”[4].
A falta de informação acerca da presença de mulheres encarceradas pertencentes aos grupos de riscos, por exemplo, pode dificultar a implementação de mecanismos de proteção dessa população. O estudo feito pelo Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) acerca da saúde das mulheres migrantes, realizado com 1436 participantes, no período de 2008 a 2019, mostrou que 58% delas estavam enfrentando algum problema de saúde[5].
É possível imaginar que a situação não se difere do sistema como um todo, o que demonstra a vulnerabilidade das encarceradas frente ao COVID-19. A fragilidade da saúde de grande parte dessas mulheres, somada à ausência de condições materiais para tratamento de infectadas, gera um ambiente de alto risco à vida.
Para além da situação apontada, é necessário levantar a questão do abandono das mulheres encarceradas que se intensificou no período de pandemia.
Pesa dizer que dentro da sociedade patriarcal em vivemos, as mulheres encarceradas sofrem com o abandono familiar quando inseridas dentro do sistema prisional, mas o corte das visitas no período de alta transmissibilidade do Covid-19 contribui ainda mais para a falta de contato com a rede de apoio externa ao cárcere.
Em algumas unidades prisionais foram disponibilizadas visitas eletrônicas, mas nem sempre os visitantes têm acesso a essa tecnologia, o que agrava o abandono já presente e implica em nítido prejuízo para saúde mental das mulheres privadas de liberdade. A ausência de visitas também impede o recebimento de itens de higiene entregues por familiares, que auxiliam na escassez desses itens disponibilizados pelo setor público. A ausência dos itens de higiene, por consequência, gera a fragilidade da saúde dessas mulheres, que também sofrem com a falta de atendimento médico.
Para não dizer que não houve nenhuma previsão para as mulheres encarceradas no período da pandemia, a Recomendação número 62 do Conselho Nacional de Justiça, visando à adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo coronavírus no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo, chegou a apontar a necessidade dos magistrados de reavaliar a prisão preventiva e a concessão de saída antecipada dos regimes fechado e semiaberto, em relação às mulheres gestantes, lactantes, mães ou pessoas responsáveis por criança de até 12 anos, ou por pessoa com deficiência, assim como idosos, indígenas, pessoas com necessidades especiais e demais pessoas presas que se enquadrem no grupo de risco.
Todavia, por ser uma recomendação e não uma determinação, não há registros significativos do impacto e aplicação dessa Recomendação, o que remonta à estaca inicial abordada no texto: a ausência de dados disponibilizados pelo nosso sistema de justiça.
Dito isso, reitera-se a preexistência desses e tantos outros problemas, mas a necessidade de olharmos para o agravamento ocasionado pela pandemia, tendo em vista as especificidades de cada grupo e subgrupo. É importante ter em mente a invisibilidade da mulher privada de liberdade, as suas demandas e só a partir dessa consciência, pautada em estudos próprios, que será possível trabalhar na melhora e na garantia dos mais diversos direitos, a fim de assegurar, principalmente, a saúde e dignidade dessas mulheres.

Referências
↑1 | Visto em: http://ittc.org.br/encarceramento-feminino-eua-brasil/. Acesso em 04.02.2021. |
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↑2 | Visto em: http://ittc.org.br/encarceramento-feminino-eua-brasil/. Acesso em 04.02.2021. |
↑3 | Visto em: http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres. Acesso em 04.02.2021. |
↑4 | Visto em: https://carceraria.org.br/mulher-encarcerada/pcr-nacional-divulga-pesquisa-sobre-mulheres-presas-em-tempos-de-pandemia. Acesso em 08.03.2021. |
↑5 | Visto em: http://ittc.org.br/boletim-saude-migrantes/. Acesso em 04.02.2021. |