Morre Arnaldo Jabor (1940-2022)

Morre Arnaldo Jabor (1940-2022)
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A vocação convexa e pouco linear do Brasil é a chave para entender os nativos que aqui se destacam. Aos moralistas do plano cartesiano, saudosos de um bom mocismo – que nunca deu as caras por aqui – resta apenas uma saudade do tempo que nunca existiu.

Arnaldo Jabor honra a tradição dos polemistas brasileiros, além de uma certa verve autodepreciativa muito comum no jornalismo de opinião judaico – povo do qual o cineasta e jornalista brasileiro descendia. Filhote de Glauber Rocha e seu Cinema Novo (e não novo cinema, como pintam até hoje), o carioca de alma cafajeste começou sua carreira ainda na mídia impressa, a mesma que o abrigaria muitos anos depois. Debutou no Jornal da UNE, que ainda não era refém do esquerdismo de boutique atual (e possuía alguma relevância no debate nacional). Para efeitos de comparação, a União Nacional dos Estudantes promovia debates sobre os rumos culturais do Brasil com gente que viria a operacionalizar a revolução cultural tupiniquim, responsável pelo Cinema Novo, a Bossa Nova, a poesia concreta de Ferreira Gullar. Hoje em dia a organização parece mais focada em imprimir carteirinhas de estudante mal diagramada e formar quadros incapazes de ganhar eleições condominiais.

Após o primeiro contato com a imprensa, Jabor dedicou-se à profissão de cineasta, que o consagraria como um dos grandes diretores brasileiros. Sob a influência do neorrealismo freudiano da Itália, Jabor encontrou em Nelson Rodrigues o formulador perfeito para sua orgia de Nouvelle Vague e Cinema Novo (com tempero de pornochanchada). Em sua filmografia, destacam-se os filmes : “Pindorama”(1970), “O casamento” (1975), “Tudo bem” (1978) e seus dois maiores sucessos, “Toda Nudez Será Castigada” (1973) e “Eu sei que vou te amar” (1986).

Nelson Rodrigues tem papel fundamental na obra de Jabor. Durante os anos que seguiram, a presença do reacionário pornográfico parecia cada vez mais pujante na obra do cineasta (até então) esquerdista. Com o fim do cinema brasileiro no governo Collor, Jabor fora buscar acalento nas páginas da Folha de São Paulo, mesclando seu tempo entre crítica cultural, analises políticas furadas e a direção de comerciais sofisticados mas muito pouco rentáveis. Em resumo: enfrentara o drama de todos os artistas deste país, obrigados a atuar, dirigir, tocar, assoviar, chupar cana, sapatear e torcer para que algum burocrata despeje meia dúzia de trocados aos que, como este escriba, são idiotas o suficiente para acreditar na arte brasileira.

Dono de uma escrita concisa, elegante e provocativa, Arnaldo logo ampliou seu leque de atuação. Foi contratado pela Rede Globo, além de manter colunas no jornal homônimo e diversos outros órgãos de imprensa. Suas coletâneas foram um sucesso de vendas, com destaque para “Amor é Prosa, sexo é poesia” de 2004 – um amontoado de textos primorosos sobre sexualidade, Brasil, moralismo e política.

O episódio seguinte de seu drama existencial é o mais conhecido do grande público. O artista caricato que vociferava nos programas globais contra qualquer coisa que parecesse consenso. E nessas, como qualquer polemista brasileiro que se preze, acabou flertando com o moralismo que tanto criticava. Contradições de um país quase “contradicto”. O Brasil que deu certo, afinal (muito antes dessa cafonice de cancelamento e identitarismo tacanho das carolas “multiculturalistas”).

A morte, o destino (e tudo) resolveram levar o velho cineasta na manhã desta terça-feira (15), após meses internado devido ao AVC que debilitou a mente por trás da segunda fase do Cinema Novo. O cérebro não aguentará as veias de verve. Deixa 3 filhos e inúmeras ex-mulheres. E fãs órfãos, um destes, apaixonado desde a tenra infância pelos textos impecavelmente malcriados, como é da tradição deste povo anárquico e maravilhoso, neste realismo fantástico destas terras. Fará falta.