A Marcha da Insensatez da burguesia brasileira

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A historiadora estadunidense Barbara Tuchman é autora de um livro clássico, A Marcha da Insensatez. Na obra, a autora descreve o governo da Igreja exercido pelos Papas dos fins do século XV e início do XVI, a atitude da aristocracia inglesa frente às colônias americanas e, por fim, a insistência da elite político-militar dos EUA na guerra do Vietnã.

A mundanidade e a cobiça dos Papas teriam levado a divisão da cristandade à cristandade, com a Reforma de Lutero e Calvino. A inflexibilidade da aristocracia inglesa ao lidar com os direitos dos colonos foi determinante para a perda das Colônias, com a independência americana. A derrota na guerra do Vietnã causou uma crise social e política de longa duração nos EUA.

Como ressalta Tuchman, as ações e as políticas desses grupos só poderiam terminar em desastre. E não foi por falta de aviso. Vários contemporâneos deram os sinais de alerta.

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A burguesia brasileira, desde pelo menos o mandarinato econômico de Levy, encaminha o país para o desastre, em sua própria marcha da insensatez.

A burguesia, industrial, acompanhada pela pequena-burguesia, resolveu que os custos do trabalho deveriam ser reduzidos de maneira radical. Apoiaram a reforma trabalhista e a terceirização irrestrita. Acertaram na microeconomia, podem ter tido ganhos em cima do aumento da exploração, mas erraram na macroeconomia, destruindo a demanda do mercado consumidor na desarticulação do mercado de trabalho.

O agronegócio fechou em peso com Temer e Bolsonaro, de olho na desregulamentação ambiental e no liberou geral fundiário. Levaram junto uma política externa de submissão aos EUA, concorrente do Brasil no mercado agrícola. A submissão aos EUA tem como corolário a hostilidade à China. Não dá pra atacar a China em um dia e querer vender no dia seguinte. A China busca ativamente novos fornecedores de soja. Etiópia, Moçambique e Zimbábue produzem soja pra exportação pra China, com tecnologia Embrapa e tratores Agrale. Sem contar a seca de financiamentos, fruto da destruição do Banco do Brasil promovida pelo Paulo Guedes.

Os bancões, Itaú e Bradesco, passaram a vida apostando na valorização cambial. E pregando pela “disciplina fiscal” pra garantir o capilé do serviço da dívida pública. Conseguiram com o Grande Temer um ministério da fazenda e um banco central pra chamar de seus. E emplacaram a valorização cambial e a lei do teto. Mas por pouco tempo. O gestor de fundos Guedes estava “comprado” em dólar e a desvalorização cambial veio com tudo. E o ministro Guedes está produzindo um déficit fiscal nunca visto antes na história desse país.

O pessoal da média finança, das “assets”, dos fundos, das “butiques financeiras”, dos bancos aéreos sem agência e sem correntistas, vai na onda que nem barata tonta. Apostaram no Bolsonaro pra pegar as comissões e a breve valorização de ativos das privatizações e das “reformas”. Perderam os ganhos da renda fixa, com a queda da Selic, e tiveram uma breve maré boa no mercado de ações, insustentável frente ao desempenho da economia brasileira.

Diga-se em favor dos bancões e da altíssima finança, tipo Lehman, que desde o início não confiaram em Guedes, que movimenta os cordéis da política econômica em benefício próprio e dos seu grupo mais íntimo. Os interesses de Guedes e seus associados caem em contradição com os bancões, que afinal são credores de dezenas de milhões de brasileiros, físicos e jurídicos.

Em resumo, apostaram na radicalização política, na interdição da esquerda e dos movimentos populares, em um candidato fascista para estabelecer um programa de terra arrasada. Podem ter obtido ganhos individuais de curto prazo. Afinal, como notou o velho Marx, os capitais particulares estão preocupados com a sua valorização particular. E a burguesia implodiu as instâncias de coordenação coletiva do capital, os partidos, o judiciário, os sindicatos patronais, os governos estaduais e municipais.

Na caminhada inexorável para o desastre, merecedora de um capítulo à parte do clássico de Barbara Tuchman, a pandemia veio para agravar os resultados das opções da burguesia brasileira, de todas as suas frações, apoiadas pela pequena-burguesia dita empreendedora. A gestão sanitária genocida do presidente, apoiado de maneira entusiástica por vastos setores do empresariado, vai dar destino à marcha para o abismo.

Como diz o conselheiro Acácio, as consequências vêm depois. A burguesia brasileira se vê incapaz de dar curso ao ciclo da acumulação de capital. A burguesia brasileira se tornou um estorvo para o próprio desenvolvimento capitalista no Brasil.

A contagem dos mortos, literais e figurados, será feita também nos escritórios e restaurantes chiques da avenida Faria Lima e do Leblon. Só não devemos permitir que levem o resto do país com eles.

Por Igor Grabois

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