O legado de Brizola entre o horror, o suspense e a tragédia

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A história, longe da assepsia de uma ciência exata, antes é, como nos disse o filósofo alemão Walter Benjamin, fabulação, narrativa. Seria possível, portanto, classificar tais narrativas em gêneros e modelos literários? Ainda que para alguns a resposta seja não, o exercício se mostra particularmente interessante quando analisamos a história do Brasil.

Como classificaríamos nosso período colonial? E nosso período imperial? Provavelmente concordaríamos em dizer que estas foram narrativas de horror, suspense e grotesco, uma espécie de “Ero Guro”, gênero japonês caracterizado por expressar o pior das deformações morais humanas em desenhos igualmente bizarros.

Mais interessante ainda, seria pensar em nosso período Republicano. Pensemos na instauração da República, que se deu não para a criação e organização de um Estado que servisse aos interesses do povo brasileiro, mas apenas para passar o poder das mãos dessa figura política e socialmente abominável, o Imperador, para as mãos das igualmente execráveis oligarquias regionais, que em sua unidade, formalmente passavam a ser nossa classe dominante!

A “República Teatral”, porém, embora idealizada por aqueles do andar de cima, como ilusão, ao ser movida pelas necessidades e conquistas de nossa classe trabalhadora, não tardou a acreditar na própria farsa e querer se tornar em uma República de verdade, ou seja, na materialização da união de nosso trabalho e espírito, na forma de infraestrutura coletiva, socializada para o benefício de todo o nosso povo e de nossos irmãos seres humanos ao redor do globo. Tal batalha, entre as forças que queriam uma república para os brasileiros e aqueles que pretendiam manter a antiga ordem sob a face de uma república teatral, foi precisamente o nexo central de nossa história durante todo o século XX.

Podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que até aqui a história da República Federativa do Brasil vem sendo mesmo uma tragédia. Não o digo no sentido banal, pequeno, mesquinho. Pelo contrário, a história do Brasil durante o século XX, guarda horrores, mas também, uma beleza sem igual. O termo tragédia, portanto, deve ser aqui empregado em um sentido particular e original do termo, que se refere ao antigo gênero artístico grego.

Sintetizando tudo acima exposto, poder-se-ia dizer que a história de nossa República no século XX foi como uma tragédia grega, gênero no qual o ponto de partida já define o fim da história, em que padece nosso herói, mas ainda assim, este nos faz crer que irá superar os deuses e seu destino, apenas para não concluir seu objetivo em uma espécie de anticlímax. Particularmente no caso de nossa história, capítulos como estes não nos faltaram.

Getúlio Vargas, João Goulart, Prestes e Brizola, todos, em suas diferenças, carregam consigo semelhanças, dentre outras coisas, na forma da estrutura-lógica de suas tragédias individuais, tão entrelaçadas com nossa tragédia republicana. Como diria um dos maiores intérpretes da cultura brasileira, Chico Buarque:

“Faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há; mas eis que chega a Roda viva, e carrega a roseira para lá”.

Poderia Sófocles pensar em tão bela e melancólica tragédia? Qual seriam os impactos de tal narrativa na cultura e espírito de nosso povo? Para um país que é vendido e se vende, como um exemplo de “alegria”, causa espanto e certa curiosidade quando constatamos que apenas estivemos entre o horror, o suspense, e a tragédia.

Esse fenômeno certamente não nos ocorreu por acaso. Como nos deixa claro em sua obra chamada “Teses sobre a história”, Walter Benjamin, a história é feita, e sobretudo, perpetuada, tanto na construção de seus mitos e narrativas, quanto na realidade presente, de forma ativa, em batalhas reais, de vida e morte, e em geral a “história oficial” é a história da classe dominante, que vive de suprimir e moer aqueles que todas as riquezas produzem, os trabalhadores.

Isso, porém, não significa que estamos destinados ao masoquismo, por amar tal mal-afortunada pátria e tão espirituoso povo. Quando tratamos de textos literários, quando não gostamos da narrativa, poder-se-ia culpar o autor. Muito mais complicado, porém, é, entender quem dita e escreve nossa história “por nós”, sobretudo quando se observa o presente imediato. Este é o ato inicial para o despertar de nosso povo e nossa pátria.

Para tal, é necessário olhar a interação e a correlação de forças entre as classes sociais e o modo e método de produção e organização do trabalho durante certo período histórico. Afinal, quem são estes que saqueiam o Brasil e impedem que nossa “República Teatral”, meramente formal, se torne uma pujante República verdadeiramente popular?

Disso analisado, a Tragédia da “República Teatral” só irá se tornar num Épico, quando nossa história for escrita pela classe trabalhadora, por nosso povo, a quem convém apenas redenção, e não mais tragédia. Exatamente por isso, rogamos por uma vitória real contra o Bolsonarismo e o Neoliberalismo, não uma vitória de Pirro ou nova farsa. Isso só virá com hegemonia intelectual e moral de um projeto soberano e socialista em nossa sociedade. É algo que vai muito além de eleições formais e disputas partidárias vãs, ambas muitas vezes oportunistas.