Keynes e a intervenção política

Keynes e a intervenção política
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Reli na semana que passou “As consequências econômicas da paz” (1919), de J. M. Keynes (1883-1946), para um curso que estou ministrando na Universidade. É um livro pequeno (200 páginas), escrito em língua de gente (ou seja, compreensível até por um néscio como eu) e encontrável na biblioteca virtual da Fundação Alexandre Gusmão (Itamaraty).

Keynes e a intervenção política

É absolutamente estupendo. Aos 36 anos, Keynes integra a comissão de negociadores britânicos no Tratado de Versalhes (jan-jun 1919), em Paris, que imporá pesadísimas multas, entrega de riquezas, abertura de seu mercado interno e vários outros constrangimentos a uma Alemanha derrotada na I Guerra Mundial.

O economista britânico abandona a função semanas antes de seu final, indignado. Volta para Londres e escreve uma obra que situa o Tratado e o conflito na conjuntura europeia pós-1870, combinando História, refinada análise política e econômica e panfletarismo de alto impacto. O perfil que ele traça dos grandes líderes – em especial de Clemanceau – é afiadíssimo.

A obra teve repercussão imediata. Como todo intelectual consciente de seu papel público, Keynes produziu um trabalho de divulgação – o que na academia muitas vezes é desconsiderado – e acabou por consagrar a visão referencial das longuíssimas negociações que geraram mais tensão do que pacificação.

Suas palavras são indignadas: “Não há precedentes para a indenização que o Tratado de Paz impôs à Alemanha”. E mais adiante: “A política de reduzir a Alemanha à servidão por toda uma geração; de degradar a vida de milhões de seres humanos, de privar de felicidade uma nação inteira devia ser odiosa e repulsiva – mesmo se fosse possível, ainda que nos fizesse enriquecer, mesmo que não semeasse a decadência na vida civilizada da Europa. Alguns a pregam em nome da justiça”.

Keynes antevê ressentimentos, animosidades, orgulhos feridos e sede de vingança e desforra que brotariam no país derrotado e uma difícil convivência entre as potências europeias, a partir dali. Ele quase vislumbra a ascensão de forças xenófobas e extremistas como o nazi-fascismo, a partir da paz punitiva (Hobsbawm) imposta pelos vencedores.

O autor se torna figura central no debate público a partir daí, papel que se consolida com a publicação da “Teoria geral” (1936) e de sua participação em Bretton Woods (1944).

O que faz de Keynes o mais importante economista do século XX é a mesma matriz evidenciada em Marx, David Ricardo, Michal Kalecki, Raul Prebisch, Celso Furtado e vários outros. Não é apenas o domínio da teoria econômica, mas suas profundas capacidades de elaboração e intervenção política. Arrisco até a afirmar ser esse o predicado essencial de cada um deles: a percepção do mundo que os cerca, da História e a ousadia de intervir no desenho do futuro.

Ou seja, a recuperação do que no século XIX se chamava Economia Política, ciência social e não-exata, dependente do jogo de forças na sociedade.