O Império se agita: os EUA e a técnica da fervura política

O Império se agita os EUA e a técnica da fervura política joe biden
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Enquanto os tambores de guerra ressoam no mundo, a panela da Terceira Guerra Mundial entra em pré-fervura, tudo orquestrado pelos norte-americanos. Com que propósito?

Joe Biden já não cora de vergonha diante das câmeras. Pálido como uma parede branca e com um sorrisinho sagaz no canto da boca, o presidente dos Estados Unidos (EUA) parece manipular marionetes. Antes mesmo de assumir o posto, ainda na campanha eleitoral, Biden já subia o tom contra Putin e a Rússia para se fazer de valentão. Uma vez sentado na cadeira, ainda sentindo o calor da bunda de Trump, Biden resolveu “trucar” atiçando a OTAN contra as fronteiras russas. A mesma OTAN que Trump chamou de imprestável.

Esse processo vem de longe. Pelo menos desde 1996 sob Clinton, a OTAN começou a expandir suas garras em direção ao Oriente, assediando as antigas Repúblicas Soviéticas. A leitura dos americanos na época era de que uma Rússia economicamente fragilizada e nas mãos de uma oligarquia corrupta, era alvo fácil para se criar um verdadeiro cinturão de defesa – o famoso “escudo antimísseis” capaz de neutralizar os temidos mísseis cruzeiros russos, dando vantagem nuclear aos EUA. No cálculo militar, essa era a “questão dos três minutos”, isto é, num hipotético conflito nuclear, ficará em vantagem quem conseguir responder efetivamente a ameaça em três minutos. Como EUA e Rússia são países distantes, o Pentágono sempre trabalhou para alocar armas nucleares de médio alcance nas portas das fronteiras russas… nos Países Bálticos e na Ucrânia, por exemplo. Em caso de guerra: cabum! Em três minutos Moscou viraria cinzas.

Todos nós sabemos que armas nucleares são armas de dissuasão. Elas são muito mais arsenal do jogo geopolítico do que propriamente do campo militar. E o jogo de xadrez é mais ou menos o seguinte: criar animosidades, crises regionais de todo tipo para geri-las do conforto de Washington. É um sistema de pesos e contrapesos, isto é, a doutrina “soft power” dos democratas, nem tão soft assim.

Se uma potência regional coloca a cabecinha de fora, logo, os americanos geram crises internas ou regionais em seus alvos para desestabilizar e manipular os agentes locais em favor dos seus interesses. Foram os norte-americanos que insuflaram a rivalidade entre Irã e Iraque. Foram os americanos que sustentaram a Al Qaeda e Osama Bin Laden contra a influência russa no Afeganistão, assim como são os mesmos americanos que injetam rivalidade entre Japão, Taiwan e China, Coreia do Sul e Coreia do Norte, Colômbia e Venezuela. Essa estratégia de gestão do mundo é bem explicada por George Friedman, cientista político e empresário que presta serviços para a Casa Branca por meio de sua empresa chamada “Geopolitical Futures”.

Primeiro a questão gira em torno dos cálculos econômicos, das balanças comerciais, das bolsas de valores, da flutuação do câmbio, etc. Se não resolver, a questão passa às crises internas, ao lobismo, às intervenções ocultas dos serviços de inteligência, às ingerências nos parlamentos. Se ainda assim houver algum prejuízo para os interesses estadunidenses, então as crises regionais são acionadas como fatores de desestabilização. Só em último caso, o alto custo da guerra.

Na América Latina, por exemplo, agitações populares e infiltrações nos sistemas de justiça são muito corriqueiras, e quando não dão o fruto desejado, então as rivalidades militares se acendem.

Foram os democratas, inclusive, que sugeriram acordos regionais para privilegiar a Argentina e enfraquecer o Brasil tanto sob Lula quanto sob Bolsonaro. Se nada der certo, basta acender a fagulha entre Colômbia e Venezuela.

O ponto fundamental, no entanto, é que com Biden, a OTAN ganhou corpo e deixou de ser um amontoado de reuniões e exercícios militares enfadonhos. É cada dia mais perceptível que nos Estados Unidos mudam-se as moscas, mas a merda é a mesma. O Império, esse com “i” maiúsculo não tem o seu centro de poder no Salão Oval da Casa Branca. Nada disso. O Império é uma rede, uma ampla rede de comando que se retroalimenta. Ele é composto pelos EUA como nodo fundamental e poderoso, mas também por uma grande aliança do baronato internacional. Quando Trump dizia que não colocaria nenhum dólar a mais na OTAN, não era ele quem estava reclamando, mas o baronato que o sustenta. Por isso, Biden assumiu para “resolver” a questão da OTAN, ou seja, fazer com que a aliança administre o conflito eurasiático aliviando os custos de intervenção de Washington, cada vez mais elevados em relação aos recursos naturais.

Biden não sossegou nenhum minuto desde que assumiu o posto no sentido de empurrar a Europa para um conflito contra a Rússia de Putin. As primeiras razões já são conhecidas e são econômicas: trata-se de impedir que a Rússia venda gás e petróleo para a zona do Euro, mas também existem segundas razões, como impedir a escalada militar da Rússia minando também sua aliança eurasiática com a China, além claro da revanche acerca das intervenções russas nas eleições americanas que privilegiaram Trump em 2016. O mesmo Trump, aliás, que mantém altos negócios com oligarcas russos.

Desde 2010, os americanos identificaram 5 grandes “ameaças” geopolíticas: a China, a Rússia, o Irã, os BRIC’s, e a Coreia do Norte.

A China é um problema sem solução a curto prazo. Existe muita grana envolvida, e os oligarcas chineses, amigos amados dos oligarcas norte-americanos não querem nem pensar em qualquer situação que desestabilize os fluxos de capitais entre os dois países. O Irã encontra seu contrapeso na Arábia Saudita e nos Emirados, todos bem amarrados pelos americanos em contratos bilionários mediados por petroleiras, e por mais que Israel faça pressão, não é interessante para os americanos movimentarem a máquina de guerra onde está jorrando dólares. Se tudo der errado, basta fomentar a guerra entre os próprios árabes e continuar lucrando.

Os BRIC’s, estrutura que seria em tese uma ameaça econômica começou a ser desmontado a partir do momento em que os governos passaram a cogitar uma estratégia de defesa conjunta. A partir daí as intervenções políticas, e a eleição de governos alinhados a Washington, como no caso brasileiro minaram os esforços. A Coreia do Norte, por sua vez, foi contornada por Trump, que conseguiu a proeza de amarrar um acordo diplomático envolvendo Seul, já a Rússia é o capítulo atual.

Enquanto a indústria norte-americana de guerra solta fogos e festeja o aquecimento do mercado de armas, outra guerra está sendo travada: é a guerra da informação, a ciber-guerra do presente, tão importante quanto a primeira. Biden e seus asseclas estão jogando pesado. É a guerra do “bem versus o mal”, do Ocidente “democrático” contra o Oriente “arbitrário”. O mais interessante, porém, é notar a logística da coisa, ou seja, como as redes de TV, as grandes mídias, as empresas de tecnologia e a rede mundial de computadores se alinharam rapidamente à narrativa do Ocidente. Páginas na internet, grupos de hackers, ONG’s, igrejas e toda a máquina de guerra foi posta em alerta. É campanha de oração para cá, alistamento individual de mercenários para lá, distribuição de comida nas fronteiras, o Papa, o Elon Musk, o McDonald’s, a Zara, o Twitter, os vídeos de zap, tudo mobilizado o tempo inteiro para a iminência da grande catástrofe, afinal, os afetos também são armas de guerra, não são?

Fervura.

Os jornalistas gritam freneticamente enquanto mostram imagens de prédios “residenciais” em chamas e blindados atropelando velhinhos nas ruas de Kiev. O presidente ucraniano virou um popstar, um “homem corajoso”, um “resistente”, enquanto pastores pedem orações pela Ucrânia e ONG’s fazem arrecadações para os refugiados. Desequilibrados mentais de todo tipo de alistam em “legiões estrangeiras” para defender a liberdade da Ucrânia – a liberdade de se submeter aos interesses dos barões do Ocidente, claro.

O Ocidente, que como bem sabemos, é uma ficção, não existe e nunca existiu pelas bandas de cá, não é uno e muito menos indivisível, muito pelo contrário, o Ocidente tal como diz Biden e Putin, não passa de uma constelação de empresas, bilionários e instituições alinhadas.

Por outro lado, China e Rússia são retratadas como ditaduras sanguinárias, enquanto Biden posa com a bandeira norte-americana de fundo dizendo que o “modo de vida” do Ocidente não será ameaçado. É claro que Biden ladra, mas não morde, justamente porque sabe que do outro lado do muro existem pelo menos 4.650 ogivas nucleares ativas e nas palavras de Vladimir Putin “em estado de alerta máximo”.

E o que se produziu efetivamente? Apenas cenas lamentáveis do presidente ucraniano se rastejando em vídeo pelos parlamentos de todo o “Ocidente” implorando para que a OTAN estabeleça uma zona de exclusão aérea e entre em combate direto contra as aeronaves russas.

Isso não acontecerá nem a pau. No máximo Zelinsky arrancará aplausos, simpatia e um bom punhado de dólares (ou euros?) para recomeçar a vida. Defesa direta? Nem a pau Juvenal!
É tudo um jogo de retórica. As provocações também são antigas: para a “mãe americana de todas as bombas”, existe o “pai russo de todas as bombas”. Para os drones indetectáveis americanos, existe o Sarmat, o pesado sistema de mísseis intercontinentais russos. Para a arma secreta construída por Trump, existe as armas a laser recentemente desenvolvidas por Moscou. Todo mundo sabe, porém, que a maior arma mesmo é a boa e velha saliva.

Mas, afinal, o que querem os americanos, além de mais dólares e mais petróleo?

Pois bem, Biden sente-se vitorioso, tanto pela capacidade de mobilização do Ocidente contra um inimigo em comum quanto pela ciber-guerra, a guerra da (des)informação que manipula mentes e corações.

Biden colocou a panela para ferver. Por semanas compareceu diante das câmeras de TV descabelado denunciando a iminente “invasão” russa. Ao mesmo tempo, Boris Johnson o patético primeiro-ministro inglês começou a ameaçar os russos. Onde? Militarmente? Não, claro que não, mas sim no bolso com as famigeradas sanções.

As agitações de soldados nas fronteiras, tanques para lá e para cá escondem o verdadeiro teatro de guerra: as mesas onde se negociam vultosas quantias. De lado a lado, o dinheiro é que define os passos da guerra. Putin não deseja uma guerra longa, porque não quer ver a Ucrânia se transformar em atoleiro. Mas tem paciência e frieza suficiente para esperar o momento certo do bote.

Para Biden, os objetivos estão claros: cutucar a OTAN para que torne-se efetivamente um agente de intervenção estratégica na questão eurasiática, diminuindo os custos para os americanos, mobilizar os esforços de guerra no Ocidente alinhando-o como bloco indiviso (e esse já é um recado à China), rachar a aliança Rússia-China visto que os chineses dependem dos acordos realizados com o Ocidente para financiar seu projeto estratégico de longo prazo (a tal Nova Governança Chinesa de Xi Jinping), arruinar os negócios entre Europa e Rússia, especialmente a economia que gira em torno da indústria do gás natural, provocar danos econômicos à Rússia sufocando seu projeto de atualização das Forças Armadas, além, claro de aumentar a pressão econômica sobre os chineses.

Zelensky é humorista. Biden é um ator, dirigido por gente que não mostra a cara nos palcos.

A Rússia, por sua vez, vem se preparando para esse confronto. Isso fica muito claro nas entrevistas de Putin a Oliver Stone. Mesmo com uma economia ainda frágil, Putin investiu pesadamente nas Forças Armadas porque sabia que os norte-americanos tramavam formas de neutralizar a influência russa no Leste Europeu. É briga de cachorro grande! Em 2014, V. Putin deu seu passo, até então, mais ousado: anexou a Crimeia para manter o controle do Mar Negro e garantir o funcionamento de suas frotas nucleares. Era um recado claro para os norte-americanos. Mesmo assim, a OTAN continuou avançando, financiando um governo de extrema-direita em Kiev. Ninguém diz, mas os “coitadinhos” dos ucranianos mantém nesse atual governo, neonazistas e corruptos de toda estirpe.

A mídia não diz. A mídia repete apenas o velho palavratório sobre a “oligarquia russa”, como se no Brasil não existem oligarcas. Aliás, a concentração de renda aqui é pior do que a de lá; mas a mídia permanece caladinha, ela mesma financiada por essa oligarquia brasileira corrupta.

A Ucrânia é uma zona de segurança inegociável para a Moscou, porque uma vez instaladas ogivas nucleares em seu território, o adversário obtém a seu favor a regra dos “três minutos”. O histórico das guerras do passado demonstra que a Ucrânia funciona como um escudo de proteção natural para Moscou. Com a Ucrânia pelo caminho, possíveis inimigos da Rússia precisam percorrer cerca de 1,6 km para atingir Moscou por terra. Se o ataque partir de território ucraniano, essa distância cai para cerca de 640 km. É o tempo de uma reação. Foi a Ucrânia que salvou os russos de Napoleão, por exemplo.

E os russos estão errados em tentar evitar a presença de forças hostis na vizinhança de seu território? Creio que não. Imagine o alvoroço se tropas russas pudessem estacionar em Toronto, Ottawa ou em Monterrey, por exemplo? Toda essa ladainha cultural invocada por Putin é mera tergiversação. Durante o período soviético, os russos quase dizimaram os ucranianos produzindo uma terrível fome para poder exportar os grãos que lá eram produzidos. O problema é friamente geopolítico, e essa é a razão pela qual Putin tentou por diversas vezes estabelecer um governo pró-russo em Kiev, nos moldes da Bielorrússia sem, contudo, obter sucesso.

A guerra não está atrasada. É mentira deslavada da mídia quando afirma que os russos “não esperavam resistência”, foram “pegos de surpresa” ou coisas do tipo. A tática empregada por Putin e Serguei Choigu (o ministro da defesa russo) é clara: não se trata de ocupar a Ucrânia, mas de eliminar sua estrutura militar e cercar Kiev como uma pinça. Enquanto se negocia a pinça abre ou fecha, todavia, aperta.

Como se vê, a estratégia vai de vento em popa. Os blindados russos não enguiçaram ou estão sem gasolina como a Globonews e seus satélites anunciaram. Na verdade, a marcha de tanques poderia invadir e tomar Kiev em 48 horas. Não o fez porque não é interessante para Moscou.

Agora a trama caminha para um desfecho dramático. Salivas de parte a parte, Biden pode se considerar vitorioso porque boa parte de seus objetivos foram alcançados sem que nenhum soldado americano saísse ferido. Mas Putin também sai vitorioso, porque apertando Kiev, ao que tudo indica, alcançará seus objetivos: o desmantelamento total das forças militares ucranianas, o desmantelamento econômico da Ucrânia, o reconhecimento das Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk, o reconhecimento da Crimeia como território russo, a proibição de tropas estrangeiras em território ucraniano, além do controle das usinas nucleares. Derrubando ou não o governo de Zelensky, é questão de tempo para que a Ucrânia volte a orbitar Moscou.

Tudo por causa de uma panela fervendo. O capitalismo atual está disposto a varrer nações inteiras do mapa. Síria e Ucrânia são testemunhos vivos e recentes. O Império se agita e sempre que põe tudo a ferver é porque deseja reorganizar o tabuleiro de forças. Logo mais as peças se ajeitam novamente e os oligarcas voltam a sorrir nos bancos de Bermudas ou das Ilhas Cayman, ou ainda nos belos iates estacionados em Monte Carlo.

O importante mesmo é perceber a força dessa rede, que se move como um monstro onipresente, destruindo territórios inteiros, esfacelando os corpos. Não haverá OTAN. Não haverá União Europeia. Tudo isso foi um sonho de verão, ou melhor, um pesadelo de inverno cujo objetivo final era enriquecer ainda mais os mesmos de sempre.

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