Passou da hora de rever o papel das Forças Armadas

reunião do alto comando forças armadas do brasil
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As Forças Armadas brasileiras possuem órgãos de direção coletiva que definem a política da Força. No Exército e na Força Aérea essa direção se chama Alto Comando e na Marinha Almirantado. No organograma das Forças esses órgãos são descritos como auxiliares do Comandante da Força.

São constituídos pelos oficiais-generais de quatro estrelas da ativa. Generais-de-exército, tenentes-brigadeiros e almirantes-de-esquadra, último posto possível nas carreiras em tempo de paz. As listas de promoções de generais, brigadeiros e almirantes saem das reuniões desses órgãos.

Por mais que eu pesquise, não encontro órgão similar em nenhuma força armada do mundo. Na China e na Rússia, a integração é tão grande que mal se consegue distinguir as forças singulares. Em países como EUA, Coreia do Sul, Alemanha ou França, os comandantes das forças singulares não possuem controle operacional sobre as forças sob sua direção. São responsáveis por ensino, logística, pessoal etc. O emprego operacional está na mão de um estado maior geral subordinado ao ministério da Defesa. Na Alemanha, os chefes das forças singulares nem título de comandante tem, são “inspetores”. Ou seja, não tem essa de posição do “Exército”.

O General Júlio César Arruda, quando soube que ia ser demitido, convocou uma reunião do Alto Comando do Exército. O General Villas-Boas, ao redigir o famoso tuite, consultou o Alto Comando. O Alto Comando sempre foi uma assembleia política, corporativa, que delineia as posições das forças como se elas fossem um ente à parte do governo.

A existência desses comitês é apenas um dos exemplos de o quanto é um urgente uma profunda reforma militar. Hoje o Brasil é um país indefeso, sem um poder militar crível e com uma débil indústria de defesa. O poder armado é suficiente pra combater o próprio povo, mas não pra evitar a interferência externa.

Passou da hora de rever o papel das Forças Armadas. Elas não são polícia, partido ou plano de saúde. Devem ser forças de Defesa Nacional, subordinadas ao Estado e ao poder político constitucional.

  1. Penso que somos uma sociedade militarizada. Militares, de todos os tempos, desde o império até às diversas fases da república, dão nomes à escolas, avenidas, viadutos, etc. O militarismo vem de longe.

    Entre tantos males, prefiro focar na questão da segurança pública. É onde a interferência ocorre com maior intensidade e é também o calcanhar de Aquiles do nosso regime democrático. Resumidamente, democracias acabam em grandes confusões, e atualmente no nosso país não existe área mais confusa que a área da segurança pública.

    Qualquer nação democrática e decente tem duas coisas claras e bem separadas uma da outra: defesa da soberania nacional (territorial) é dever das forças armadas, segurança pública é dever da sociedade civil. Aqui existe simbiose entre defesa da pátria e defesa do cidadão. No Brasil temos a estranha peculiaridade de existirem duas sociedades militares: os militares federais das forças singulares, e os militares estaduais das polícias militares. As duas sociedades se comunicam, e o exército é responsável pela inspetoria geral das polícias militares.

    As polícias militares possuem uma capilaridade invejável no processo eleitoral. Ao contrário do militar federal, policiais militares estão em contato permanente com o povo, seja pela presença nas ruas ou nas mídias. Sempre estiveram juntos em programas televisivos policialescos, que exploram as questões da segurança pública e os medos da população. Não é a toa a quantidade enorme de policiais militares candidatos a cargos eletivos, muitos efetivamente eleitos. A reboque, militares das forças singulares, da reserva, também vem se candidatando e se elegendo.

    Mas a questão da confusão na segurança pública é o seguinte: em relação ao crime, nossas polícias estão enxugando gelo, a criminalidade aumenta e não há solução a vista, uma hora o barraco desaba, gerando a confusão desejada para um golpe na democracia.

    Temos um modelo de policiamento de ciclo incompleto. Ciclo completo é quando a polícia atua em todas as funções. Por exemplo, a polícia montada canadense é uma polícia de âmbito nacional que atua com ciclo completo. O policial canadense, quando está na função investigativa, deixa o uniforme no guarda roupas e vai trabalhar a paisana. Se houver necessidade, ele veste o uniforme e vai trabalhar na função preventiva, fazendo patrulhamento e atendendo chamadas. O mesmo policial desempenha qualquer uma das funções. Há outras funções como perícia, logística, comunicações, etc., mas são funções de suporte, o grosso do trabalho policial é relacionado à prevenção e investigação.

    Nosso modelo de ciclo incompleto separa as funções, as PMs fazem a função preventiva e as polícias civis fazem a função investigativa. O resultado é muito ruim, por falta de sinergia e engajamento, nem uma faz um trabalho completo e eficaz.

    Me preocupa muito que esteja sendo discutido e sendo proposto a adoção de ciclo completo nas PMs. A discussão sobre unificação das polícias como modo de buscar maior eficácia no enfrentamento do crime, poderia ir por dois caminhos: militarização total das polícias (o que acabei de citar e que me preocupa), ou desmilitarização total das polícias, com o fim das PMs.

    Sou a favor de instituições policiais civis de ciclo completo, de carreira única, de concurso único, de natureza civil, estruturadas em hierarquia e disciplina e subordinadas aos civis. A militarização total das polícias é um pesadelo a vista. Tirando este entrave do caminho, fica mais fácil definir a reformulação das forças armadas.

    Tenho a impressão que o assunto é pouco debatido pela esquerda, talvez pela falta de visão pragmática e pela excessiva presença de militarismo na questão da segurança pública.

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