Hipóteses da eleição de outubro

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Por Leonardo Tomaz Ferreira – Com alguns meses de atraso, publico finalmente alguns pensamentos que vem passando pela minha cabeça, e que venho falando sobre com vários companheiros, desde nosso naufrágio nas urnas no primeiro domingo de outubro de 2022. Dividirei a publicação em duas partes para facilitar o objetivo: fazer esse monólogo semear diálogos. A primeira parte, Espelho, que publico aqui, diz respeito exclusivamente a Ciro Gomes, à “Turma Boa”, ao trabalhismo em geral e à sua versão cirista em específico. A segunda, Panorama, quando publicada, estará em um link aqui adicionado posteriormente, dirá respeito à conjuntura em geral, ao governo çãoLula e a questões nacionais que aconteceram na eleição que não nos dizem respeito diretamente. Sequer chego a chamar esses pensamentos de teses, mas apenas hipóteses, pois aqui não consta uma vírgula que não possa ser repensada depois, à luz de novas circunstâncias ou de melhores argumentos. Esse compromisso eu assumo baseado em um ensinamento popular cantado por Paulinho da Viola, “faça como o velho marinheiro que durante o nevoeiro leva o barco devagar”.

Antes de começar, uma lembrança: o debate público está muito contaminado por ódios, ressentimentos, preconceitos e intensidade, mas eu não sou necessariamente seu inimigo se você eventualmente discordar de mim – pelo que leu ou ouviu falar por terceiros. Apenas, nesse caso, pensamos diferente em poucos, muitos ou todos os pontos, conclusões e até premissas que aqui apresentei – o que não significa que não podemos concordar e ser companheiros em tantos outros. Adiciono que não pretendo encerrar o debate dizendo, “a causa é exatamente essa”, mas contribuir dizendo “olhar os fatos por esse ângulo vale a pena”, e se você sentir falta de um ou outro, talvez ele seja o próximo, e se não for, será uma honra ler sua réplica. Por favor, leia com isso em mente.

PRIMEIRA PARTE – ESPELHO

“Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.” – Albert Einstein

Se tem uma coisa que as derrotas, principalmente as mais duras, podem ensinar, é a ter mais humildade acerca das próprias convicções. Nessa situação específica, é pensar: se eu fracassei fragorosamente na busca de um objetivo que tanto quis e pelo qual tanto lutei, tendo agido conforme minhas convicções, o que isso diz sobre elas? Isso é muito caro a Ciro e aos ciristas, eu sei, visto que é um grupo político baseado em ideias, em um projeto idealizado e em uma visão de história e política que julgamos, com paixão e razão, serem as mais corretas. Mas é um questionamento que precisa ser feito: será se estávamos tão certos assim? E o único detalhe que faz frente a tanta coisa tão certa, tão exata, tão precisa, é que apenas falta ter a adesão de pelo menos 60 milhões de brasileiros?

Ciro está nesse momento em merecido período de descanso e, imagino, reflexão, enquanto aguarda os acontecimentos desenrolarem-se. Espero que durante esse período, ele dê chance ao pensamento mais importante que ele pode ter por hora: “por algum motivo, eu não estou tão certo quanto penso que estou”. Afinal, se estivesse, poderia até ter perdido dadas as difíceis circunstâncias, mas não teria naufragado.

É a tal autocrítica, cuja ausência foi o primeiro motivo que me afastou do PT, depois somado a tantos outros, e que se também não for feita por Ciro, levará a um movimento de afastamento de muita gente boa. E quando cobro, não acho que precisa, ou até que deva ser pública. Deve ser interna, mas não apenas tendo direito de voz apenas nosso líder maior e os seus mais próximos. Aqueles que estiveram juntos na luta até o fim devem ter espaço e voz, assim como aliados próximos que podem até mesmo não ter seguido até o fim conosco, mas que admiram, comungam de valores e ideias conosco, principalmente o nacional desenvolvimentismo, mesmo que com tonalidades e nomes diferentes. A autocrítica na política não tem como fim encontrar o “culpado”, lamentar seus pecados nem dizer “sou pequeno e frágil demais, me perdoem e prometo nunca mais errar”, mas uma revisão de rota e um aprendizado político de fato que propicie um salto dialético em teoria e prática rumo a ser uma força política melhor em todos os sentidos.

Para isso, menos importante que apontar dedos, aclamado esporte nacional, precisamos de gente com hombridade de bater no peito, assumir responsabilidade pelos fatos e pela futura reversão do quadro. É isso que espero de um homem como Ciro Ferreira Gomes, um político cuja grandeza, intelecto e sabedoria foi capaz de tirar a mim e a tantos outros da órbita do grande líder popular de nossa época, mesmo contra tudo e contra todos. Se, por outro lado, Ciro vier preocupado em vinganças e mágoas, em que definitivamente não acredito, se apequenará para sempre como líder político. Em outro verso, dessa vez de uma música sertaneja que ouvi no rádio dois dias depois da eleição: “nem vou culpar o vento por essa bagunça, se fui eu que deixei a janela aberta”. E como vou tentar demonstrar aqui, a minha hipótese é que nós deixamos a janela aberta de várias formas.

I – FOI COM A MELHOR DAS INTENÇÕES

Algumas coisas precisam, antes de mais nada, ser ditas sobre a estratégia de campanha do Ciro: i) com todos eventuais erros, limites e problemas, foi feita com a melhor das intenções; ii) ela não foi pensada pelo Gustavo Castañon, apenas executada por ele, e isso é uma informação, não um palpite. Assim sendo, a estratégia de Ciro Gomes pode ser dividida em duas camadas – a adotada desde outubro de 2018 e outra, desde 08 de março de 2021.
Sobre a primeira: em outubro de 2018, após perdermos no primeiro turno, Ciro declara voto crítico em Haddad em nome do PDT, sai de cena e viaja para Lisboa. “Foi para Paris”, segundo a sempre tão confiável Mônica Bergamo. Enquanto o Brasil escolhia um protofascista para presidente, escolha que, aliás, já não conseguiríamos impedir, Ciro abdicou do palanque. Vamos à suas razões.

Foi Ricardo Cappelli, braço direito de Flávio Dino e que nesse momento em que vos escrevo é interventor federal no Distrito Federal após a intentona bolsonarista, quem chamou de “Domingo Sangrento” aquele dia em que o petismo escolheu perder as eleições vindouras em troca de manter sua hegemonia na esquerda, articulando pesadamente contra Ciro enquanto Jair Bolsonaro era líder nas pesquisas, Lula estava preso e Geraldo Alckmin conseguia uma coligação poderosa (essa última só no papel). A aliança que Ciro queria, PDT-PSB-PCdoB, ainda tendo recebido acenos do Centrão (DEM-PL-PP-SDD) foi ativamente boicotada por Lula e pelo PT. Houve, nesse instante, uma quebra de confiança brutal: depois de defender a impopular Dilma Rousseff no processo de impeachment e denunciar os abusos contra Lula na Lava Jato, mesmo tendo antes criticado repetitiva e publicamente a política econômica e a forma de governança política como causas de tragédias anunciadas, Ciro foi escolhido como alvo dos petistas. Mais um capítulo do histórico de hegemonismo. 13 anos no poder depois, o escorpião ainda era um escorpião a ferroar os sapos que lhe atravessavam, pois mesmo que ambos morressem afogados, a própria natureza não é algo que se mude. Isso era julho e agosto de 2018. O processo eleitoral começava logo depois.
Depois de levar mais uma ferroada do escorpião, Ciro não partiu para a vingança, o rancor, o ressentimento, como faria se fosse esse temperamental egoísta que seus algozes o pintam como sendo. Pelo contrário, se manteve firme em sua mensagem e buscou o apoio que não encontrou na burocracia e no estamento partidário da esquerda naquele que tem a palavra final em uma democracia representativa: sua excelência, o eleitor. Sem muita estrutura, nem dinheiro, nem tempo de televisão, nem equipe profissional de redes, mas com uma militância ativa e um discurso forte, conseguiu superar figurões que gastaram cifras milionárias: 13 milhões de votos, terceiro lugar. O grosso do eleitorado que em 2014 votou em Dilma, porém, seguiu com Haddad. Aí sim, sem amparo do eleitor, Ciro se vê obrigado a redirecionar sua rota e estratégia política.

Pensando já na eleição seguinte, Ciro pensou: “ao invés de buscar crescer nos 29% que Haddad teve, que vão com Lula para onde for, e ele não me quer presidente, irei para aqueles que votaram em Bolsonaro apenas como forma de vetar o PT e nos que não votaram nem em mim, nem no Bolsonaro e nem no Haddad”. O pedetista aqui decidiu virar o líder da chamada terceira via, e é nesse contexto que “vai para Paris” indo para Lisboa, como que dizendo “deixa a esquerda para lá, o relacionamento deles com o Lula os cegou”.
Sobre essa ideia de terceira via, um breve resumo de todas as eleições presidenciais diretas e democráticas da nossa história:
1945 – Dutra (PSD), apoiado por Getúlio e a máquina política do Estado Novo, derrota o antigetulista Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN)
1950 – Getúlio (PTB) volta em vitória arrasadora de novo contra Eduardo Gomes; em terceiro fica Cristiano Machado (PSD), representante do governo Dutra, que traiu o líder trabalhista
1955 – Juscelino Kubitscheck (PSD) vence colocado como herdeiro de Vargas, contra Juarez Távora (UDN); em terceiro o articulado ex-governador paulista Adhemar de Barros (PSP), cujo partido chegou à presidência no 24 de agosto.
1960 – Jânio Quadros (PTN) tem apoio da UDN, lidera a oposição a JK e vence o governista Marechal Henrique Teixeira Lott (PSD)
1989 – Collor (PRN) recebe as rédeas da direita das mãos da imprensa do sudeste e derrota o então líder ascendente da esquerda Luis Inácio Lula da Silva (PT), que no primeiro turno superou Brizola por uma margem mínima de votos
1994 e 1998 – FHC (PSDB) vence com apoio das classes médias do sul-sudeste e com apoio de oligarquias dos rincões, ficando Lula em segundo lugar
2002 e 2006 – Lula derrota o PSDB duas vezes, sendo um líder de centro esquerda que disputa o centro, o que empurra os tucanos para a centro direita
2010 e 2014 – Dilma (PT) venceu o PSDB mais duas vezes, com uma dinâmica clara de, no discurso, uma candidatura representar as esquerdas pela centro esquerda e outra representar as direitas pela centro direita; Marina Silva faz 20% duas vezes e fica em terceiro
2018 – Bolsonaro (PSL) vence após o PSDB derreter pela direita e derrota Haddad (PT) no segundo turno, com recorde de candidatos no primeiro, o voto se mantem extremamente concentrado nos três primeiros

Nenhuma delas, você pode constatar, foi vencida por um candidato alheio à polarização. Aqueles, como Collor, Lula e Bolsonaro, que ascenderam ao pódio não sendo herdeiro de algum dos então polos reinantes o fizeram se colocando como representantes de seus respectivos campos melhores do que seus antecessores. Collor e Bolsonaro se colocavam como os melhores representantes daquilo que podemos chamar de direita, Lula se colocou como melhor representante daqui que podemos chamar de esquerda. Antes de 1964, vencia as eleições quem se colocava como representante do desenvolvimentismo e do trabalhismo, ficava em segundo quem se colocava como sua antítese (fora 1960, quando trocam as posições).
Eu sou daqueles que não acredita que o povo se paute pelas categorias de direita e esquerda sequer saiba defini-las corretamente. Entretanto, tem coisas mais precisas. Em minhas férias mais recentes, fui visitar um amigo da família, vizinho de propriedade, no interior. Em uma casa muito simples, em meio a todo aquele mato, aqueles dois idosos assistiam ao programa do Datena. Quando chegamos, se mostraram extremamente atualizados com os fatos nacionais. Falavam da intentona bolsonarista, de que aquilo deveria mandar o ex presidente para a cadeia, da violência em SP (onde nunca puseram os pés) e sobre como haviam votado: votaram no Lula porque ele “é também pelos pobres”, enquanto o Bolsonaro “só se importa com os ricos”. Isso eles entendem.
Pelos pobres/pelos ricos; governo/oposição; esquerda/direita… São várias as formas binárias que categorizam a política no imaginário popular, com grau crescente de complexidade. Não que elas sirvam para tudo, o mundo é complexo demais para ser só oito ou oitenta, sabemos. Mas existe uma tendência irresistível da política nacional se organizar de forma binária, isso desde antes de 1989, quando o país passa a ter, pela primeira vez, segundo turno. Eu acredito piamente que isso se dá como consequência de como é de fato a sociedade brasileira, mas disso falamos depois.
Fato é que, como o então novo presidente é caracteristicamente uma figura polarizadora, que desperta paixões e ódios, representatividade e ojeriza, já era óbvio qual seria a divisão que pautaria a política brasileira: pró-Bolsonaro vs. anti-Bolsonaro. E o Ciro deveria buscar ser o líder do campo anti-Bolsonaro, ser identificado como a principal figura da oposição. Só que a primeira coisa que ele fez depois de perder a eleição foi “ir para Paris”, apostando ingenuamente no triunfo natural da verdade sob os símbolos. Preocupado em agradar o antipetista que só votou em Bolsonaro por isso, sabendo que eles se decepcionariam com o governo, Ciro abriu uma guerra em duas frentes, enfrentando dois oponentes completamente distintos em tanto, mas similares entre si em algo – tinham uma estrutura de comunicação de massas que ele não tinha. Com outro grupo político, o dos liberais democráticos, onde está toda a grande mídia, Ciro não abriu uma frente direta de batalha, mas também nunca conseguiu estabelecer pontes e parcerias duradouras, porque a politica econômica desses é justamente a versão mais bem acabada daquilo que seu projeto de país quer enterrar.

Também, enquanto PT, PSOL e PCdoB agiam de forma unânime contra os projetos do governo, às vezes os dois primeiros até de forma hipócrita e demagógica, o PDT tinha uma ala correspondente a um terço da bancada federal que sistematicamente se alinhava ao governo em votações decisivas, como, para começar, a da Reforma da Previdência. Assim, relativamente isolado e comprometido simbolicamente pela “ida para Paris” e por alguns do próprio partido, o posto político de “líder da oposição” escapava definitivamente das mãos de Ciro mesmo quando ele e os seus mais próximos no PDT suavam para barrar absurdos do governo em tudo que podiam, recorrendo tantas vezes ao STF, a Rodrigo Maia e David Alcolumbre, a pedidos de impeachment e até processo na corte de Haia.

A aposta na quimera da terceira via, que incluía eleitores de Meirelles e Amoedo, foi alimentada pelo combustível do sonho de unir os brasileiros – só faltou combinar com eles e com Bolsonaro, encarnação de motivos e interesses que dividem o país atualmente.

Enquanto isso, a militância digital, antes tão focada em promover as propostas de Ciro, perdeu dois longos anos vivendo as fases iniciais do luto quanto a derrota de 2018. Parecia que o tempo tinha se congelado naquela semana final de campanha no primeiro turno quando as pesquisas indicavam que Ciro derrotaria Bolsonaro, mas Haddad não, e o desespero nos fez implorar “quem quer derrotar Bolsonaro, vote Ciro mesmo não sendo ele seu favorito”. O famoso “voto útil”. Todos os dias as redes da Turma Boa ecoavam “o PT preferiu manter hegemonia que derrotar Bolsonaro” (o que é verdade, aliás, só não era estrategicamente o que deveria ser foco), “os petistas não votaram contra Bolsonaro em 2018”, “covardes não deram seu voto útil contra o fascismo”. Em novembro de 2020, disse em uma live o quanto esse argumento em que a militância se lambuzava era frágil: “você não pode sustentar uma candidatura inteira em um argumento que está a uma pesquisa de acabar”. Aí veio o dia 08 de março de 2021.

Lula voltou, primeiro por uma tecnicalidade, mas depois Moro foi jogado na suspeição. Faz um discurso extraordinário no sindicato, parecendo estar de volta à melhor forma. Mais uma vez o Brasil vira de ponta-cabeça. Naqueles dias o país perdia milhares de nacionais todos os dias para a Covid, e a incompetência, omissão e perversidade do governo federal parecia que faria o país refém dessa ameaça permanentemente. Na primeira pesquisa eleitoral divulgada, Lula aparecia em primeiro disparado. Seu inferno pessoal que começa em 2015 chegava ao fim. Lula, livre, estava, na cabeça do povo, seu velho conhecido, no posto de líder da oposição – sua ausência no ano anterior, já de pandemia, foi totalmente perdoada, pois nesse imaginário da população não teve outro que ocupou essa posição.

Como o governo derretia, as parcelas da sociedade que não são adeptas ao lulismo mas, como Ciro imaginou, se arrependeram de apoiar Bolsonaro, passavam a querer construir uma alternativa conjunta, a tal da terceira via. A vaga que estava aberta, pensávamos, era a de Bolsonaro, cada vez menos popular e preso nas cordas, com a possibilidade do nocaute já dada. Isso foi naquele momento.

Não sendo um quadro de direita, a estratégia desenhada por Ciro e João Santana (que inicialmente era contra tentar mesclar antibolsonarismo e antipetismo) para tomar a vaga de Bolsonaro era apelar a signos e afetos legítimos dentro dessa onda de revolta popular que começou em junho de 2013.

Basicamente, a tese, ao meu ver correta, é de que a Nova República, com seu desempenho pífio na economia, foi em geral incapaz de entregar à população os direitos sociais previstos na Constituição de 1988. Isso em meio a um contexto de um sistema tributário que pune os pobres e principalmente a classe média, que paga dobrado para viver (paga impostos para financiar o SUS, a polícia, e a educação, mas tem de pagar também plano de saúde, segurança privada e escolas particulares para seus filhos). O sistema econômico atual do Brasil é montado para transferir, ainda, renda de quem trabalha e produz para o rentismo, o país se desindustrializou, por uma soma de motivos, e os juros da renda fixa dão mais dinheiro que a rentabilidade média dos negócios.
Bolsonaro é, de fato, apenas a febre de uma infecção no sistema político corrompido, carcomido e incapaz de gerar resultados. Ciro clamava o povo brasileiro a tratar os dois ao mesmo tempo. Se desse certo, o bolsonarismo morreria, perderia sua razão de ser. O sentimento anticorrupção finalmente seria canalizado de forma produtiva e benéfica à totalidade do país para melhorar as relações da política e do Estado com a sociedade e com o capital. Os batalhadores do Brasil conseguiriam peitar seus encostados. O Brasil viraria a página!

Mas essa estratégia dependeria de inúmeros fatores e agentes externos, e os fatos não vieram a nosso socorro: Jair Bolsonaro recuperou o fôlego. Com a vitória de Arthur Lira, a porta do impeachment se fechou. Com o orçamento secreto, o apoio parlamentar ao governo cresceu, e algo de positivo passou a ser feito. Paulo Guedes aceitou financiar o Auxílio Brasil como pedágio para o resto de seu projeto de austericídio e dilapidação das riquezas nacionais. Depois de deixar claro ao mercado que tudo não passava de estelionato eleitoral, trocou o presidente da Petrobrás até achar um que baixasse o preço dos combustíveis. Com a cumplicidade por omissão da imprensa liberal democrática, adepta de uma visão ortodoxa da economia, usou a pandemia e a Guerra da Ucrânia como muletas discursivas para justificar seu fiasco econômico – meia verdade, sendo que a primeira obviamente faria mal, mas fez mais mal ao Brasil que a qualquer outro país e a segunda poderia ser encarada como oportunidade por um governo competente.

Além dos fatos que possibilitaram a Bolsonaro sair das cordas e ganhar terreno, lamento dizer que nós, mais uma vez, subestimamos a representatividade de Jair Bolsonaro para algo em torno de um quarto do eleitorado, em interesses e em valores que eles, contaminados pela vigorosa máquina de propaganda digital, ainda acham que ele porta. Há também algo em torno de um décimo que está ciente dos valores que de fato Bolsonaro porta e concordam com eles.

Ciro, no fim, não conseguiu adesão em bloco de eleitores arrependidos de Jair Bolsonaro porque, afinal, é um nacionalista de esquerda com um projeto nacionalista de esquerda. Conseguimos sim adesão de alguns lobos solitários, que se somaram a eleitores que vinham de 2018. Porém, às vésperas da eleição, a pressão de todo o resto da sociedade pesou, e o que vinha pautando e dividindo a população bateu na porta do eleitor que conquistamos: a opinião dessas pessoas sobre Lula e Bolsonaro. O eleitor antipetista que Ciro conquistou voltou então para Bolsonaro e vários antibolsonaristas que ainda tinha foram com Lula.

O que teria dado certo? Difícil responder. Era uma missão impossível, vejo olhando em retrospecto. Ciro comprou brigas demais tendo poder de bala de menos. Já em 2018, tomou uma rota que impediu a conquista do posto de líder da oposição ao comprar briga direta com o PT. Depois, assistimos a Lula voltar como uma fênix e Bolsonaro sair das cordas. Assistimos, tristes e atônitos, nossos compatriotas racharem outra vez em nome desses dois, comprando até toalhas com seus rostos.

É estranho que Ciro e João Santana, de tão experientes, geniais e conhecedores do Brasil, objetiva e subjetivamente, respectivamente, não tenham se dado conta do que estava acontecendo e que desaguaria no resultado final. Acho que pesou o imperativo categórico de se colocar como alternativa ao acirramento da polarização e a um governo que tinham a expectativa que seria mais uma decepção mortal. “Nações também se suicidam”, dizia Ciro ao dizer que o 38 eventualmente pararia de dar tiros no próprio pé para fuzilar o futuro nacional ainda mais (fato), e que a picanha era carne de gato e a cerveja era uma Backer Belorizontina (não é bem assim). Acreditavam também que a margem de Lula nas pesquisas era menos sólida que parecia, e o estreitíssimo resultado final os mostraram ao menos parcialmente corretos.

A esses dois homens que admiro, mas também ao eleitor, adiciono um componente psicológico: a inércia depois de uma decisão ser tomada. Depois de decidirmos algo, como ser candidato a presidente, ser marqueteiro de um candidato contra um ex-cliente, votar e declarar publicamente adesão a uma candidatura, surgem pressões intrapessoais e interpessoais por mantê-la, acreditar ainda mais que ela é correta e dará certo (p. ex., apostadores costumam ficar muito mais crentes no resultado em que investiram após fazerem a aposta), pois bancar a decisão passa a ser parte do instinto de ser coerente, algo que todo ser necessariamente busca. Isso também vale para quando se escuta conselhos de Nicolas Sarkozy, e se lança candidato a presidente para denunciar a Lava Jato como complô político – fica difícil voltar atrás até depois de preso, nesse caso tenho dúvidas se haveria sequer vontade.
Deu tudo errado, mas foi com a melhor das intenções.

II – PARTIDO, PARTIDO, PARTIDO!

Ciro foi mal nas urnas, muito mal. Mas no resultado pífio não está só: em 2018 quadros da expressão de Marina Silva e Geraldo Alckmin foram igualmente trucidados, tendo quedas bruscas em relação a eleições passadas, perdendo de forma inédita até em seus berços eleitorais. Nisso se soma até Leonel Brizola, em 1994.

Enquanto isso, vejam só, Fernando Haddad em 2018, após ser humilhado na tentativa de reeleição em São Paulo, Capital, fez 29% na eleição seguinte à deposição de Dilma, prisão de Lula e desmoralização do PT diante da maior parcela da sociedade. Após quatro anos, o próprio Lula volta ao poder, atingindo já 48% no primeiro turno.

Por que líderes da biografia, da identidade e do calibre de Ciro, Marina, Alckmin e Brizola se esvaziaram eleitoralmente – um pleito depois de, respectivamente, sair de um fortalecido terceiro lugar, ter chegado à liderança nas pesquisas semanas antes do primeiro turno, ter sido reeleito governador de SP no primeiro turno (com recall de 40% na disputa pelo Planalto) e tendo ficado a 460 mil votos do segundo turno – e Fernando Haddad, lançado a 20 dias do primeiro turno, de oratória morna, carisma nulo, um programa de governo feito pelas cucuias, naquele contexto tenebroso para seu partido, fez 30 milhões de votos?

It´s the party, stupid! Partido não é tudo, só olhar para Ulysses Guimarães em 1989, mas é muito, muito mesmo, na disputa presidencial do Brasil moderno, com cultura de massa e sociedade mais ou menos organizada. Existem inúmeros fatores que destacarei aqui e em outros textos a seguir.

Um partido organizado e com capilaridade como é o PT, tendo governadores, prefeitos, vereadores, deputados, tendo construído um aparato de mídia aliada própria, mesmo que de relevância média, tendo militância organizada e presente nos movimentos sociais, está a mais de meio caminho andado para qualquer segundo turno. Basta uma mensagem de algum valor eleitoral (a memória sebastianista do lulismo) para rodar e já se coloca entre os dois mais bem colocados.

A grande tragédia da vida política do Ciro sempre foi, segundo ele próprio, sua própria vida partidária. Não é inacreditável, portanto, como pode parecer para nós ciristas, que ele não chegue ao Planalto.

Nesse país continental, é o partido o instrumento prioritário de organização política de modo a organizar diferentes grupos socioeconômicos na busca pelo poder.

Mas Bolsonaro venceu em 2018 advindo de um partido ínfimo, você pode estar pensando. Certo, isso no meio da maior crise política da história, quando o partido que organizava os grupos econômicos do baronato, o PSDB, derreteu – foi abatido em um matadouro da JBS, vítima do machado do moralismo que ele próprio afiou –, em um contexto em que a burguesia agrária e os evangélicos passaram a ter mais protagonismo social, além dele ter conseguido organizar os meios policiais como nunca antes, fora o apoio de forças externas que ele recebeu. A noção de que Jair Messias Bolsonaro venceu sozinho “com o povo”, “só na força das redes” se mostra uma farsa.

Em 2018 Ciro dizia que teria diante de Haddad a vantagem de conhecer cada palmo desse chão, diferentemente de seu adversário direto. É verdade, quem conhece as duas figuras minimamente concorda que essa diferença existe. Mas eleitoralmente, muito mais valeu a quantidade de militantes, políticos com mandato e candidatos que, do Oiapoque ao Chuí, levaram ao eleitor a notícia que Lula tinha um candidato. Não interessou que até o chamassem erroneamente de “Andrade” se, no fim das contas, a capilaridade petista conectou o eleitor ao candidato pelo seu número, o 13, e sua única mensagem, “É Lula”.

O coletivo tem a vantagem de poder estar em vários lugares ao mesmo tempo, conhecer mais pessoas, ter abordagens distintas e complementares que qualquer indivíduo jamais terá. Assim, na busca de fazer do verbo carne, a história política de Ciro não pode nos fazer restar dúvidas, a construção precisa ser coletiva.

III – A EUROPA NÃO É AQUI
“O Brasil é um deserto de homens e ideias” disse, na década de 1930, nosso estimado Oswaldo Aranha. Já estava junto a ele o homem que faria desse país, já logo a seguir, solo fértil de homens e ideias. Paradoxalmente (como esse homem baixinho costumava agir) implantou um projeto de país que pariu o Brasil moderno ao mesmo tempo que fazia política de forma personalíssima. Nas diversas fases da república brasileira nenhum político inspirou tanto culto à personalidade quanto Getúlio Dornelles Vargas.

Agora, no século seguinte, o trabalhismo é liderado por Ciro, fio condutor da história no que diz respeito ao sonho de ver um projeto de país nacional desenvolvimentista florescer, e herdeiro da indignação de Aranha por, outra vez, ver o país carente em homens e mulheres que tenham capacidade de liderar politicamente e de ideias que pensem o Brasil.

Mas existe uma diferença gritante entre Ciro e nossos líderes do passado, o que inclui também Brizola e Jango – sua cultura política. Aqui, a questão é a forma de se fazer as coisas, não o conteúdo. Ciro tem uma crença e, principalmente, uma vontade de fazer o eleitor votar baseado em ideias e projetos apresentados pelos candidatos. Pensa ser solução para o impasse político diante de propostas reformistas, “apresento a ideia, tomo a pancadaria que tiver de tomar e, se passar, passo eu e a ideia” tantas vezes disse. Quatro campanhas presidenciais depois, acho que é possível dar o veredito: se for assim, não passa nenhum dos dois. E a questão não é pessoal com Ciro, políticos como Eneias Carneiro e Paulo Maluf também faziam campanha baseados em planos de governo bastante detalhados – nunca chegaram a dois dígitos, o que também se deu por tantos outros motivos, claro.

Em todas as eleições democráticas que tivemos, me recordo somente de dois casos em que planos de governo razoavelmente sofisticados foram componentes marcantes na campanha presidencial: Juscelino Kubitscheck e o Plano de Metas, em 1955, e Fernando Henrique Cardoso com o Plano Real, em 1994. Mas nota-se que i) JK focou sua campanha em ser o candidato herdeiro de Getúlio Vargas para falar às massas, sendo o Plano de Metas algo a mais; ii) quando FHC se lança candidato o Plano Real já não era só ideia, mas uma política de governo experimentada pela população, que já conhecia seus resultados no cotidiano.

Getúlio assim mandou responder quando Pasqualini pediu que sua campanha presidencial de retorno, em 1950, tivesse uma mensagem de caráter doutrinário e programa de governo detalhado: “eu não vou fazer campanha doutrinária do trabalhismo, e sim campanha para vencer, com aliados que não são do partido e o povo em geral”[1].

Essa cultura política platônica de Ciro tem na Europa os sistemas que melhor a representam, com o parlamentarismo, regime de governo que ele confessadamente prefere ao presidencialismo – não é coincidência que seja outra diferença de cultura política quanto aos trabalhistas do passado, sendo que Jango e Brizola lutaram contra esse regime, o último duas vezes. Aliás, em todos os aspectos Ciro, antes de encontrar o trabalhismo brasileiro, se inspirava na cultura política europeia para pensar como fazer política no Brasil. Na juventude, admirava o eurocomunismo[2], a mais parlamentar e idealista (no sentido de mais focada em ideias, não mais utópica) das tendências de esquerda marxista. Já maduro, o excepcional ex-primeiro ministro sueco Olof Palme, amigo do terceiro mundo e de Brizola, e os partidos sociais democratas do velho continente, em especial a dobradinha SPD-CDU na Alemanha o inspiravam.

Mas a Europa não é aqui. Diante dessa cultura política em que os partidos necessariamente lançam planos de governo especificados para através deles disputar o voto, o povo brasileiro já se manifestou em duas oportunidades: em 1963 77% preferiu o presidencialismo e em 1993 foram 69%. No último, o então partido de Ciro, PSDB, foi o único a apoiar a via parlamentarista.
O povo disse que prefere um contato direto, pessoal, com a pessoa do Presidente da República. O povo brasileiro, mesmo que crescentemente neopentecostal, tem quase todo berço católico, cultua santos e imagens, e é impossível desconectar essa subjetividade em sua crença em pessoas. Chega a ser descarada essa conexão quando até o papel que entregamos para o eleitor com o rosto do candidato, nome, número e às vezes propostas, é chamado de santinho.

Para além dessa questão cultural de berço, vale questionar: o brasileiro, por acaso, tem por média o nível de educação que o capacite para entender com profundidade programas de governo? A nossa imprensa é conhecida por fomentar o debate honesto, abrangente e aprofundado de ideias, de forma democrática? O brasileiro desnutrido vai parar para prestar atenção na qualidade de ideias de políticos, se a renda mínima vai ser constitucional ou não? As respostas não são mistério para ninguém, e precisamos nos adaptar a elas.

Essa cultura personalista é tão forte e poderosa que o cirista mais atento vai perceber que nem a Turma Boa escapa. Atrasar a publicação desse texto me possibilitou ver militantes nossos criticando a nomeação do desenvolvimentista Uallace Moreira para uma secretaria no Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços anunciada em redes sociais do próprio Geraldo Alckmin, fazendo companhia aos mais toscos liberais. Berraram para quem quis ouvir: “ele atacou o Ciro de forma sorrateira na campanha, então mesmo que defenda ideias que eu também defendo, vou criticar sua nomeação, e o faço por homenagem ao político que me ensinou a não ter político de estimação e a tratar assuntos públicos de forma racional e programática”.
E agora você pode se perguntar: estamos então eternamente presos à miséria intelectual na política? O Ciro errou ao percorrer o Brasil fazendo tanta gente sonhar com um projeto de país? Foi um erro inspirar tantos a conhecerem, se aprofundarem e se engajarem nas questões políticas? Vamos à próxima hipótese.

IV – LIVE AND LET DIE

O Brasil tem uma peculiaridade em relação aos outros países da América Latina: aqui foi o único em que o processo de independência foi liderado por um membro da Família Real do país que nos colonizou. Não nos tornamos imediatamente uma república, mas uma monarquia constitucional. Esse foi o único momento em que fomos parlamentaristas, ficando o poder simbólico, as paixões populares diretamente ligadas ao Imperador, que era agraciado diretamente pela própria Igreja Católica.

Com todas as pontuações que já fiz sobre o povo preferir o presidencialismo pois é o regime mais adaptado à sua cultura política há que se notar como a política nacional lida com uma lógica dessa época: a separação de poderes no Executivo. Poder simbólico e poder de fato não tinham o mesmo dono (salvo o aspecto moderador), mas agora tem, e o povo deve eleger ao mesmo tempo Chefe de Governo e Chefe de Estado, símbolo maior da nação e administrador da coisa pública. Mas nem todos os políticos se dispõem igualmente diante dos dois papeis. Ciro, Tebet, Lula e Bolsonaro foram candidatos a presidente. Ciro e Tebet, na construção de suas imagens foram candidatos a se comportar como primeiro ministro. Lula e Bolsonaro foram candidatos a imperadores. Aqueles falavam mais de gestão, políticas públicas, reformas de Estado e de paradigma na economia. Estes, de como deve ser o Brasil e o brasileiro. Quando João Santana disse, no Roda Viva, que a chapa ideal seria Ciro presidente e Lula vice, seria pensando nessa complementariedade, indo o chefe de governo para o Alvorada e o de Estado para o Jaburu.

Não é como se Ciro não tivesse respostas, ditas em várias falas sobre a ultima questão, mas isso nunca foi o seu foco ao se apresentar ao brasileiro. Focando nos três em que mais prestei atenção: Lula dizia querer um Brasil democrático onde todos façam ao menos três refeições por dia, em que os pobres tenham oportunidade de estudar e consumir, onde o meio ambiente seja respeitado e que o país seja um ator altivo e ativo no mundo, focando nas relações Sul-Sul; Bolsonaro dizia querer um Brasil temente a Deus, com tolerância zero para o crime, em que o cidadão de bem possa viver e reproduzir seu modo de vida conservador sem temer o mimimi de seus inimigos (esquerda, feministas, abortistas, fiscais, ambientalistas, índios, sem terra, sindicalistas, militantes de direitos humanos, turma do politicamente correto, etc.); Ciro dizia querer a retomada do consumo porque é motor da economia, promover em especial quatro áreas da indústria pois além de impulsionarem uma reorganização produtiva para realavancar o setor que gera melhores salários ainda ajudaria a reequilibrar nossa balança comercial, levar ao filho do pobre as melhores práticas internacionais em serviços públicos e promover justiça tributária. Dois candidatos a imperador, desenhando na cabeça do eleitor visões de mundo com a baixa complexidade que a massa é capaz de entender; um candidato a primeiro-ministro, dizendo como chegará aos objetivos que a nação se colocou através da Constituição Cidadã. Dois líderes políticos de massas; um gestor público.

Mas, com limitações, defeitos e insucessos na luta pelo Planalto, eu estaria mentindo se dissesse que não considero o Ciro um político brilhante! Absolutamente extraordinário, diria o mesmo. Capaz de pensar e refletir como poucos, amante sincero do Brasil, corajoso, preocupado com a sorte do povo brasileiro, entre tantas outras virtudes, Ciro não foi presidente. Mas não pode deixar essa lacuna o resumir. Barão de Rio Branco, Rui Barbosa, Oswaldo Aranha, Ulysses Guimarães, Celso Furtado, Leonel Brizola e, na prática, Tancredo Neves, entre tantos outros estadistas, também não o foram. E daí?

Somente tivemos 39 mandatos presidenciais, sendo na verdade 36 pessoas a ocupar a cadeira e destes apenas 9 eleitos diretamente em eleições livres. Se fosse necessário ser presidente para ter impacto na vida brasileira, levar essa ambição a sério seria vã e estúpida ilusão. Se a cultura do brasileiro é de não eleger “primeiros-ministros” com política mais programática e doutrinária – fora JK e FHC, as exceções cujas respectivas excepcionalidades já expliquei – seria injusto privá-lo dos talentos e capacidades de alguns de seus mais geniais compatriotas, que tem também outros lugares de prestígio que os cabem.

Há espaço para operar mudanças na política institucional para além do terceiro andar do Palácio do Planalto. Não apenas localmente, mas nacionalmente. E agora, imagino que livre da prisão de pautar sua rotina pelo sonho de ser presidente, talvez seja a hora do Ciro aproveitá-los mais. Seu último mandato acabou em 2011, ele foi governador 28 anos atrás, como ministro não ficou nem meia década, sua única experiência legislativa foi na terrível câmara baixa, nunca deu chances para o Senado, tendo perfil para tal como poucos. É bizarro alguém que sabe e até usou da importância dos cargos políticos ter vivido a maior parte da carreira nacional fora deles, buscando o dia em que o povo lhe passasse a mais badalada bola. Talvez, se quiser, o nosso líder deveria dar mais chances aos tantos outros postos possíveis nos próximos anos. Um adendo: não estou sugerindo ser ministro do Governo Lula III, até porque haverá outros a partir de 2027.

Para além da política institucional, Ciro também deveria, e imagino que já planeje, se tornar um líder intelectual. Mas reitero que: i) para além de ideias de como gerir o Estado para atingir a felicidade plena da nação e questões relativas ao futuro, ideias sobre como a dinâmica social se dá por aqui (defendo que Ciro faça uma revisão metodológica e metafísica nesse ponto) e sobre como se dá a conquista do poder político devem ser pautadas; ii) o verbo precisa se fazer carne, e isso só se dá na forma da construção coletiva. Não adianta fazer palestra no país todo se não conseguirmos uma bancada partidária no Congresso que reflita o que é dito na prática, esse deve ser o objetivo para 2026; iii) pelo menos em um primeiro momento, a hora é de menos monólogos e mais escutas e diálogos – na sociedade e nos corredores do poder – mesmo que com pessoas que brigamos em 2022, visando inclusive, no futuro, conseguir novos adeptos ao nosso partido; iv) para além do PDT, outras formas de organização coletiva devem ser plantadas; v) a comunicação deve ser profissional e estratégica, e se não for, será inútil.

A ideia de que Ciro deve ser presidente precisa morrer para que, livre da visão que ele próprio tem de como chegar lá, realize seu potencial com excelência, e cultive o trabalhismo e o nacional desenvolvimentismo outra vez, deixando um belíssimo legado. A sua forma de fazer política tem vantagens e desvantagens, querendo ser presidente deveria rever muitas coisas que lhes são caras, mas se muda o objetivo pode segui-las sem problema. Eu creio que, conseguindo, eventualmente alguém chegará à Presidência da República com nossas ideias na cabeça.
Nas principais faculdades de administração e de inovação tecnológica do mundo, costuma-se dizer aos futuros empreendedores: “você deve se apaixonar pelos resultados que almeja, não pela forma que está tentando chegar lá”. Só com essa mentalidade é possível a autocorreção. Apaixonar-se por métodos que julgamos corretos, mas não nos trouxeram os resultados, que é o que mais importa, é se tornar prisioneiro dos próprios erros.

Quanto à cultura política do Brasil em geral: melhorará quando a realidade material permitir, quando o povo tiver educação de mais qualidade, acesso a meios de informação mais democráticos, não estiver passando fome, e tiver tempo para refletir sobre política. A estratégia de mudar mentes para mudar a realidade, nesse caso, se faz ineficaz, o correto é mudar a realidade para mudar mentes.

V – O ESTOICO DO SUL

É um homem calmo numa terra de esquentados. Um disciplinador numa terra de indisciplinados. Um prudente numa terra de imprudentes. Um sóbrio numa terra de esbanjadores. Um silencioso numa terra de papagaios – Érico Veríssimo sobre Getúlio Vargas.

Certa vez o general Manuel Vargas estava reunido em sua estância, em São Borja, com lideranças políticas gaúchas quando ouviu um estrondo. O filho Getúlio e o amigo Gonzaga haviam derrubado o retrato de Júlio de Castilhos, então governador do Estado e líder maior do positivismo rio-grandense. Enfurecido, o pai saiu correndo atrás do filho, que tinha uns 13 anos, em busca de lhe dar umas palmadas. Getúlio então correu disparado junto com o amigo e subiu no umbuzeiro do quintal, árvore cheia de galhos e copa densa, perfeita para esconder os dois baixinhos.
Para não perder a reunião, Manuel ordenou a um peão que os procurasse pela fazenda e os trouxesse para levarem a surra merecida. Não os achou, e continuavam desaparecidos quando a tarde chegava ao fim, o que fez o general então mobilizar toda a fazenda na busca pelos meninos, em seu território e pelos matos ao redor. Nada ainda. A janta veio e a aposta de que a fome os traria de volta falhou. O desespero veio quando houve um boato de que uma lavadeira os viram na direção da lagoa – Getúlio era mau nadador. Uma ronda por lá na noite escura também terminou no vazio. A madrugada passava, e os pais ficavam cada vez mais preocupados. Na copa da árvore, Getúlio convenceu Gonzaga que só valeria a pena descer quando o pai descartasse a ideia da surra. Veio a manhã, e ele viu que a preocupação já era aflição nos olhos da mãe, descendo então, e sendo acolhido amorosamente por ela e também pelo pai.

Quando mais velho, contava a lição que tirou do episódio: “quando a circunstância não se mostrar garantida, o melhor a fazer é esperar, resistir, transformar o tempo em aliado. Jamais descer do umbuzeiro antes da hora.”[3]

Getúlio Dornelles Vargas foi o melhor presidente da história do Brasil. Sob sua direção, foi feito o Brasil moderno com instituições que perduraram, e foram plantadas as sementes de um país que se buscou industrial, urbano, vibrante e depois, consequentemente, democrático. Ideologicamente, abandonou-se a visão eugenista de que o problema nacional era o “sangue ruim” dos mestiços em troca daquela que dizia “a sorte do Brasil é ser um país mestiço”. As oligarquias agrárias e seu modelo político arcaico levaram um golpe decisivo, vendo finalmente nascer a si um contraponto poderoso. Isso tudo em um contexto geopolítico perigoso, de ascensão nazifascista, com correspondentes internos inclusive dentro do governo – o que leva à famosa estória do Getúlio aliado ao Eixo, ledo engano plantado no seio da historiografia brasileira pelos derrotados em 1932. Nossos dois maiores problemas, a economia dependente e a desigualdade social, consequências diretas do colonialismo e do escravismo, levaram em seu governo suas maiores pancadas até hoje.

E sua personalidade, sua paciência histórica, sua frieza e capacidade de se colocar no controle dos acontecimentos, de administrar o tempo político, foi o que possibilitou tais avanços. É desaconselhável pensar história no passado do pretérito, mas é razoável especular que se Getúlio não fosse esse estoico maquiavélico que era, talvez não teria feito tanto. Provavelmente teria sido derrubado antes por uma das tantas forças que queriam sua cabeça em uma bandeja de prata. Durou quase 15 anos, saiu por uma quartelada, voltou nos braços do povo, ficou mais uns 3 e meio, saindo definitivamente suicidado, evitando assim outra quartelada.

Percebe-se que, em um país onde a sabotagem interna e externa, o massacre, o que Darcy Ribeiro chamou de “moinho de gente” são tão fundamentais no nosso funcionamento, o mais bem-sucedido político dominava o xadrez maquiavélico como ninguém, dava nó em pingo d’água e fazia avião parar no ar. E olha que ele teve que se matar.

“Vou para quebrar ou ser quebrado”, frase tão corriqueira para Ciro, revela uma mentalidade, que se traduz em ação, que diferencia muito os dois. Não só Ciro, Brizola também era muito diferente de Getúlio nesse aspecto. Não que eu não me arrepie ouvindo entrevistas e discursos do gaúcho. Não que não me energize e me tome de esperança pela coragem e disposição de luta que o cearense sempre mostrou. Mas o Brasil ainda é cruel demais, um jogo trincado, uma dinâmica interna, relacionada a seu papel em outra, externa, com estruturas arcaicas e injustas que ainda tem poder demais.

E a gente tem que saber que o jogo vai ser duro mesmo, ninguém é obrigado a encarar, mas uma vez na arena, convém fazer o que se mostra mais efetivo. Talvez então, ao invés de anunciar a quem quiser saber o tanto que seremos revolucionários com o poder na mão, vale usar do exemplo de Vargas, e também do que notou Sun Tzu tantos séculos atrás, “a dissimulação é a arte da guerra”.

Em 2018, Barack Obama e Bernie Sanders se encontraram. O ex presidente disse ao senador: “Bernie, você é um profeta do Velho Testamento – uma voz moral para nosso partido nos dando guia. Mas eis o porém, os profetas não se tornam reis. Reis precisam fazer escolhas que profetas não fazem. Você está disposto a fazer essas escolhas?” [4] Para refletir.

VI – POR UM PROJETO DE PODER TRABALHISTA

Jair Messias Bolsonaro – militares; policiais militares; a histórica classe média reacionária temente ao comunismo; agronegócio e seus representantes culturais, os cantores do sertanejo universitário; bilionários do mercado financeiro, não os mais prestigiados, mas principalmente uma ralé ultrarreacionária interna; a base social histórica do fascismo, o lumpen, os pilantras, os trapaceiros, os imbecis, os desmatadores ilegais, os garimpeiros, os milicianos, os aventureiros de passado obscuro; evangélicos neopentecostais, com uma conexão feita por baixo e por cima, com o crente e com o pastor milionário que o faz de ovelha; homens de classe média baixa assustados com as mudanças culturais e a violência; a facção judiciária antipetista, lavajatista e udenista.
Luis Inácio Lula da Silva – cinturão de pobres do sertão nordestino que tiveram sua vida transformada por programas sociais e obras de infraestrutura que lhe deram segurança hídrica, principalmente as cisternas; classe média ilustrada preocupada com a sorte da democracia liberal; classe média esquerdista que simula estética dos anos 1970, usa camisa com fotos do Lula sindicalista e enxerga o mundo pela dualidade Estado burguês opressor X povo libertário; pobres e miseráveis no Brasil inteiro que só tiveram alguma qualidade de vida digna no governo Lula, com sua valorização do salário mínimo; trabalhadores que enxergam o PT como representante da classe; minorias sociais e militantes de causas de direitos difusos; funcionários públicos revoltados com o desmonte do Estado; profissionais liberais anti Bolsonaro.

Ciro Ferreira Gomes – ?

Não é que não tenha ninguém em sua coalizão, mas eu queria que você refletisse um pouco sobre isso. Quem é o eleitor do Ciro? Que eleitor ele estava buscando? E para o trabalhismo em geral? Quais grupos sociais são imprescindíveis para sustentar um projeto nacional de desenvolvimento como esse que advogamos? Esses grupos estavam com quem?
Algum militar, evangélico ou PM que votou no Ciro e está lendo isso pode estar revoltado, mas o lembro que a adesão da classe não precisa ser unanime, mas decisivamente majoritária, e é inegável que essas foram por grande, avassaladora maioria para Jair Bolsonaro desde 2018 e fazem parte de sua base social mais convicta. Em especial nessas três acharemos boa parte daqueles 25% que achavam o governo ótimo no mesmo dia que 2 mil brasileiros morriam de Covid.

A questão aqui é que não adiante ter projeto de país se não tiver projeto de poder, isto é, uma estratégia que identifique o caminho que trilharemos até lá. O entrechoque de diferentes classes socioeconômicas (e suas respectivas formas de organizar o trabalho e a política) é o motor da história, não as ideias. Se fossem as ideias, pensem vocês comigo, não chegariam ao segundo turno justamente as duas candidaturas mais vazias em programa político na eleição – que chegaram lá por fazerem grandes coalizões com classes socioeconômicas diversas se sentirem representadas. E o partido, ou a organização coletiva – para ser amplo e adicionar formas alternativas que vem surgindo no mundo em contraponto a essa – é como se busca o protagonismo de cada grupo social. Os grupos mais conscientes de seus próprios interesses, organizados politicamente, prestigiados socialmente e fortes materialmente serão aqueles que vencem cada entrechoque e cujos representantes passam a ter a honra de dirigir a sociedade.

Não vou me alongar nesse assunto para além do seguinte ponto: o PDT precisa mapear, buscar nacional e regionalmente, quais grupos, classes, organizações e lideranças devemos representar diretamente. Quais são aqueles em que o nosso projeto nacional toca em interesses mais diretos, imediatos e explícitos. Esse será um trabalho longo e custoso, de uma geração, mas definitivamente será o que nos levará aonde queremos. Tenho lá minhas hipóteses de aqui e acolá, mas isso é conversa para instâncias internas, em um ambiente de diálogo franco e aberto.

VII – A ANTI ÁGORA

“Os homens em geral acham que são livres porque escolhem entre possíveis, mas desconhecem as causas pelas quais são levados a escolher, e por isso lutam por sua servidão como se fosse por sua liberdade.” – Baruch Spinoza

São inúmeros os estudos, livros e documentários publicados que falam de como as redes sociais afetam para pior o comportamento de seus usuários. Elas, com suas ferramentas de compensação social por dopamina e seus algoritmos incentivam a agressividade, a irreverência, que a emoção seja mais intensa, que a linguagem seja mais incisiva, que as nuances desapareçam, que a busca por compreender o outro seja abandonada, que as multidões sejam uníssonas e aos dissidentes só reste o ostracismo e o assassinato de suas reputações.

Politicamente, elas foram decisivas para a atual crise da democracia liberal e para o enfraquecimento de tecidos sociais pelo mundo, inclusive alguns que tantos juravam que seriam eternos. Não vou me alongar em um tema tão debatido e tão bem exposto tantas vezes, mas apenas dizer que sua consequência mais óbvia deve ser a certeza da necessidade de treinamento do militante que milita pelas redes e uma relativização do comportamento alheio.

É útil lembrar outra citação de Spinoza: “os homens, porque julgam que são livres, se votam entre si um amor e um ódio maiores que às outras coisas.” Sem saber, ou sabendo e esquecendo, dos motivos que incentivaram aquele opositor político que você não conhece, aquele parente que você até então estimava, a adotar uma posição que você detesta, a vir te contestar de forma ríspida, a ironizar coisas sérias de forma estúpida, a levar para o ridículo coisas legítimas demais, a tendência é pensar “de todas as coisas do mundo, esse aí escolheu fazer logo essa canalhice. Só pode ser um desgraçado!”

Acontece que nós não seríamos tão ríspidos se as redes sociais não existissem como são. Talvez aquele petista não iria te causar tanta raiva. Provavelmente o bolsonarismo nem existiria. Talvez você deva refletir sobre isso antes do próximo tuíte, post no Facebook, discussão no WhatsApp e, coletivamente, nós devamos fazê-lo antes da próxima eleição. Provavelmente a Turma Boa, se quiser deixar um legado no Brasil, vai ter de buscar também cada vez mais o ambiente presencial para interagir com outras forças.

VIII – SOBRE O TAL IDENTITARISMO

Uma questão que vem desde 2018 sendo pauta em ambientes ciristas é sobre como lidar com as chamadas “pautas identitárias”. Pretendo em breve me debruçar sobre os temas e falar de forma mais aprofundada em cada uma especificamente. Mas já adianto uma máxima: nosso guia deve ser o bom senso.

Quando Sônia Guajajara, então candidata a deputada federal da República Federativa do Brasil e atualmente ministra de Estado publica, no dia do bicentenário da Independência, uma foto sua fazendo um gesto ofensivo a Dom Pedro II (será se confundiu o filho com o pai?), depois tira fotos sorridentes ao lado do Rei Charles III da Inglaterra (então seu problema não é nem monarquia nem genocídio) e é gravada falando alegremente sobre os financiamentos que recebe da Fundação Ford a pulga tem que ficar atrás da orelha. Mesmo! É claro! E quanto aos militantes do movimento negro que querem abolir esse uso que acabo de fazer da palavra “claro”? A paranoia linguística, marca de nossos tempos, faz alguns quererem obrigar a sociedade a abolir a milenar metáfora claro/escuro, originada obviamente na dicotomia dia/noite, pois existe uma lógica que poderia associar supostamente isso a cor de pele na cabeça das pessoas e assim fomentar o racismo (!?!?) E o que dizer das Olimpíadas do Sofrimento, que Michael Scott queria ver no escritório, mas só foi se materializar anos depois no Twitter?

Por outro lado, porém, para ficar na pauta racial, é inegável o tanto que o Brasil precisa reconhecer e mudar o quanto é estruturalmente racista. A pauta antirracista é, em nosso caso, uma pauta nacional. A síndrome de vira-lata, componente ideológico antinacional que tanto combatemos, é indissociável do racismo. A maioria da população é negra ou mestiça, e ainda assim o país é extremamente hostil à negritude, em questões objetivas e subjetivas, sendo assim, hostil a si mesmo.

O que precisamos fazer é lutar por um salto dialético que faça que os militantes de causas específicas se sintetizem com causas da totalidade, e assim passem a enquadrar suas lutas como pautas civilizacionais, como bem sintetiza o professor Elias Khalil Jabbour. A melhor forma de combater o surto iconoclasta e o divisionismo como elemento discursivo que vem tanto contaminando a esquerda (sinais de confusão e impotência) é semear abordagens dessas causas que as casem com a causa da nacionalidade. Acho que o Trabalhismo tem condições de liderar esse processo, se assim o quiser.

REFERÊNCIAS
[1] NETO, Lira. Getulio: da volta pela consagração popular ao suicídio (1945-1954) – 1 ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2014. P. 191.
[2] EU VI O MUNDO. Entrevista com Ciro Gomes – Parte 1. < https://youtu.be/8G2sl3061wg>
[3] NETO, Lira. Getulio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930) – 1 ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2012. P. 44.
[4] Um jornalista da CNN conseguiu essa citação que virá no vindouro livro de Ari Rabin-Havt, ex-vice-gerente de campanha de Sanders em 2020, que estava presente nessa reunião. < https://twitter.com/IsaacDovere/status/1515414106248990729?t=b4vyae4vnK0LvUkec6NY8g&s=19>

Por Leonardo Tomaz Ferreira, graduando em Direito pela UFMG e militante do PDT-MG

  1. Infelizmente, não poderei ler todo seu texto, pois tenho outros afazeres nesse momento. Mas deixarei um pequeno comentário sobre seu trecho sobre a “auto-crítica”, e as armadilhas dela.

    Essa palavra se tornou moda para nós, pois daqui saía muito, mas outros lados por cinismo ou pouco caráter, a praticavam pouco. Por isso, tenha um cuidado: não tente ver excesso de autocrítica de onde não deve.

    Ciro perdeu por dois grandes motivos:

    – 1: não é vendido ao sistema. Não teve toda a máquina da midia e dos faria limers a seu favor como Lula, ou do agro e de outros setores como Bolsonaro. O projeto dele é bom principalmente para o povo. E o povo, nessa conjuntura de despolitização, radicalização e desinformação atual (tanto dos podres de Lula como dos de Bolsonaro), acabou sendo o último a saber. O fato de portar esse projeto já fez de Ciro o saco de pancadas perfeito para os barões liberais dos arranha-céus e dos latifúndios que financiam seus asseclas nos grupos de mídia, à revelia do interesse popular. Aceitemos, não adianta manter ilusões de achar que podemos mudar tudo, vencer todo esse sistema poderoso e vencer milagrosamente a eleição.

    Agora, alguns detalhes que faltaram a Ciro eu posso apontar também, mesmo que nuns 80% achar que ele tenha agido corretamente.

    Lhe faltou CALMA. Um estadista não pode ser destemperado como ele foi, sair cuspindo marimbondos e até palavrões de Bolsonaro e Lula o tempo todo como ele fez. Mesmo que algumas coisas que ele diga sejam coisas que nos provoquem profunda indignação, é preciso se portar como estadista. Quando se fala de maneira enraivecida, se perde a mensagem pelo caminho para apenas se prestar atenção no tom. Podem reparar nisso. E as pessoas se assustam com pessoas furiosas, creio que isso seja até um instinto.

    – 2: Ciro não joga o jogo sujo que seus rivais estão dispostos a jogar para obter o poder. Se o 1 era não se vender ao sistema, digo, ser visto como figura corrompida pelo mesmo, a ponto de eles lutarem por sua causa, no 2 é o fato de ele não agir corrompidamente em busca do poder a qualquer preço. No 1 o sistema corrupto te elege, no 2 ele agiria com desvios de caráter para obter o poder a qualquer custo. Nisso estamos falando de um ponto que os rivais Lula e Bolsonaro também têm e que Ciro não deveria ter e nem mudar para que tivesse, a menos que deseje se tornar corrompido politicamente como seus rivais. E isso significaria abrir mão de projetos, fazer negociatas espúrias, e jogar o sempre mentiroso melzinho nos ouvidos das patotas que desejam viver de simbolismos e passar pano pra realidade.

    No ponto 2 o pouco que penso que Ciro poderia ter mudado seria sinalizar um apoio mais claro para Lula. Assim como em 2018. E apenas isso. E veja, eu concordo plenamente que ele teria motivos para não apoiar Lula, tem todo direito de até se enojar de muitas coisas que o petista praticou contra ele direta ou indiretamente, mas deve pensar em construir seu legado. Se ele se dizia primeiramente anti-bolsonarista, era necessário um posicionamento mais claro no segundo turno. E tanto essa, quanto a postura inadequada que apontei em 1, creio que poderiam ter lhe rendido mais dividendos políticos, tanto nessa eleição quanto em 2018.

  2. Bom texto, Leonardo. Parei para refletir em diversos pontos, pensamentos que nem me passavam pela cabeça sobre a derrota do Ciro. Destaco muito a questão da imagem de imperador e profeta e a analogia aos Chefes de Estado e Governo. Seria um ponto interessante a se pensar sobre uma característica que é necessária a vitória de um Presidente no Brasil, e o líder do Trabalhismo/Nacional-Desenvolvimentismo não deveria negá-lo, como Ciro fez, apesar de entender a justificativa dele na demagogia por trás desses líderes (lembro do episódio do pastel da feira kkkkk). No mais, reitero que a posição de Ciro em 2022 era em um cenário impossível, e é preciso analisar sim a campanha de Lula (e seus ataques ao Ciro) e Bolsonaro. Infelizmente, a autocrítica aqui é necessária, mas não deve ser considerada sem os agentes externos. Espero seu próximo texto em relação a esse ponto. Destaco, por último sua seguinte frase: “A noção de que Jair Messias Bolsonaro venceu sozinho “com o povo”, “só na força das redes” se mostra uma farsa.” – Creio que aqui também é necessária afirmar os fatos semalhantes (mas não idênticos) à eleição de Lula no ano passado. Abraços!!

  3. Houve erros, sim. Nunca gostei deste discurso de apostar na inteligencia do povo. Ele nao é inteligente, é apaixonado e vez ou outra pragmatico. Espero que Ciro nao se candidate mais. Já trabalhou muito, e como apontado, 2018 era o ano dele, mas o que o lulopetismo fez nao tem perdao, nao tem pragmatismo, nao tem volta.

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