Gilberto Gil e Neymar: O Brasil em transe

Gilberto Gil e Neymar O Brasil em transe
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Se a psicanálise é a ciência do trauma, o Brasil parece ser o paciente de almanaque. O transe caótico tomou conta do povo que tira 7 dias do ano pra dançar na rua.

Nesta semana Gilberto Gil foi agredido no Catar por um sujeito cujo nome é Ranier Felipe dos Santos Lamache, sócio de uma franquia Spoleto e Dominos. O mau gosto de “papito rani” (como se autointitula – ou autodeprecia), pode ser notada pelos seus negócios. Ninguém que tenha comido algo parecido com comida italiana é capaz de comer a gororoba spoleta. Rani mora nos Estados Unidos, mas o nome composto ajuda a lembrar de que falamos sobre um homem de Volta Redonda. Ranier Felipe é um novo rico, morador de Miami e incapaz de realizar uma sinapse em abstrato. Provavelmente deve ter dificuldades em escolher a dezena de ingredientes sem gosto que habitam o cardápio de suas franquias. A mesma boca que xinga Gil poderia ser ouvida dizendo “Mais bacon, por favor. Isso, junta com creme de leite”.

Papito Rani é a miséria da humanidade. O Brasil que deu errado passa pela estética terrível que norteia esse figurante pastelão da tragicomédia brasileira.
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O trauma síntese do Brasil são as eleições. Os insatisfeitos com o resultado estão por todos os lados. De um, o mais completo surto psicótico, com urnas, etês, pneus, generais de pantufas e adjacências. De outro, a vontade reprimida de ver o derrotado humilhado, sem força para reagir. Nenhum dos dois têm razão. Lula venceu legal e legitimamente as eleições e Bolsonaro definitivamente não morreu e conta com 50 e tantos milhões de votos pra assegurar-lhe o poder, inclusive, para brincar de não aceitar o resultado. As travessias do ex-presidente em atividade vão colocar-lhe de sunga em cima de algum jetski, ouvindo temas de gosto duvidoso em alguma praia de igual qualificação. Nada mais. Bolsonaro não será preso. Os mais exaltados, desistam.

Nos próximos anos, repetiremos o triste fenômeno americano, cujas bolhas “”ideológicas”” não conversam de forma alguma. Realidade paralelas criadas por figuras absolutamente lunáticas. É o Brasil em transe.

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Neymar é o maior craque da última década na Terra de Vera Cruz. O terceiro maior artilheiro da história da nossa seleção parece caçado diuturnamente, como uma anta (substantivo). Seja pelos ex-iugoslavos ou pelos ex-torcedores em atividade. A seleção sem o craque macunaímico, no último jogo, foi burocrática e pasteurizada, para o desespero dos que vibraram com o tornozelo de esfiha, fruto da brutalidade iuguslava.

Grandes ídolos do esporte não costumam acertar muito em política. Pelé foi ministro de Fernando Henrique, Ronaldo não tem culpa (votou no Aécio), Michael Jordan jamais defendeu qualquer pauta que não fosse a do seu bolso e Neymar, a anta (adjetivo), em descuido imbecil, acabou cooptado por um bolsonarismo vago e delirante. Se perguntarem ao jogador do PSG quem são os chefes dos três poderes é capaz dele responder com o nome dos Cavaleiros do Zodíaco. Esperar que o animal (adjetivo) saiba algo para além dos seus instintos é exigir demais da natureza. Deveria o adulto Ney focar no que sabe de melhor – e sabe muito -, jogar bola. Lá, a anta vira leão e a caça, caçador.

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No divã brasileiro, o psicanalista Lula receitou Geraldo Alckmin. O ex-comentarista da Rede Vida e ex-governador de São Paulo tem exercido a chefia de governo de forma burocratica e pasteurizada, mas diferentemente da seleção brasileira, era mais ou menos isso que esperávamos. Algo sem solavancos. Entregar o que interessa pra meia duzia de burocratas comprometidos sabe-se-lá-com-quê, negociar o grosso da bunfunfa com o neo-petista Arthur Lira e aparar as arestas com os ex-bolsonaristas do centrão, que já se avolumam em seu gabinete em busca de uns trocados pro ano que vem. As emendas não se pagarão sozinhas, afinal.

Se Alckmin chefiar o governo a política ficará mais tediosa e poderemos voltar a pensar no que interessa, como por exemplo, no grande livro lançado nesta semana, compilado pelo baiano Antonio Risério, de nome “A crise da política identitária”. Provavelmente o único assunto realmente relevante no debate público brasileiro. Igual a Neymar, Risério já está sendo caçado pela máfia identitária que vive de transformar o Brasil num conglomerado gigante do partido democrata. No livro, um acalento: apesar dos apesares, sobreviveremos – anarquicos, morenos, felizes e acima de tudo, brasileiros.

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Gilberto Gil é o maior tropicalista da história e um dos maiores artistas do nosso país. Neymar, no futebol,
O menino Gil, para além da porcaria identitária que apoia na cultura contemporânea, é uma das figuras mais respeitadas da nossa república. O adulto Ney, para além de sua burrice galopante, é um dos jogadores que mais se doaram com a amarelinha. Ambos caçados pela barbárie das redes. No divã do Brasil em Transe, o Rivotril parece não chegar nunca. O paciente, histérico, estribucha: “Mais bacon, por favor. Isso, junta com creme de leite”.