Geopolítica das vacinas, as perguntas que a grande mídia não faz

Geopolitica das vacinas as perguntas que a grande midia nao faz
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O mundo hoje vive uma verdadeira guerra para aquisição de vacinas. No mais, como sempre foi, quem tem mais recursos tem mais chances de vencer a guerra. Até o fim do mês de março, 86% das doses aplicadas no planeta foram para nações ricas ou de renda média-alta. Apenas 0,1% dos imunizados estão em países pobres. Enquanto se estima que os Estados Unidos levem 4 meses para chegar a 75% de sua população vacinada e assim atingir a imunidade de rebanho, o prazo estimado para o Quênia vacinar 75% de sua população é de impressionantes 10 anos. Nesse contexto que se trava uma batalha no meio dessa guerra: a quebra de patentes.

No final de 2020, Índia e África do Sul levaram à OMC uma proposta de suspensão das patentes de produtos de combate ao coronavírus. De imediato, 99 países apoiaram o projeto, mas vários países desenvolvidos se posicionaram contra. No entanto, Rússia e China, que também fizeram desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, manifestaram apoio à proposta. Pelas regras atuais, o prazo para vencimento da patente de um medicamento é de 20 anos. Uma alternativa criada pela OMS, ainda no começo de 2020, foi o Consórcio Covax. No entanto, essa iniciativa prometer garantir a todas as nações, independentemente da renda média, somente doses suficientes para imunizar 20% de suas populações em 2021, mas como já discutido nesse texto, para se ter uma eficiente imunização de rebanho o ideal seria pelo menos 75% da população vacinada. Convém lembrar também que das mais de 564 milhões de doses que foram aplicadas no planeta até o fim de março, apenas 6% vieram do Consórcio Covax.

Um debate interno que acontece no Brasil é sobre quais vacinas usar para aplicar na população. A primeira vacina a ser liberada pela ANVISA no país foi a da estadunidense Pfizer. Até agora, o país conta com cinco vacinas aprovadas para uso emergencial ou definitivo pelo órgão, sendo duas para uso emergencial (Janssen e Coronavac) e duas para uso definitivo (AstraZeneca e Pfizer). A AstraZeneca é contada duas vezes, pois considera as doses importadas da Índia e aquelas produzidas no país.

Apesar da vacina da Pfizer ter sido a primeira a ser aprovada pela ANVISA, o país ainda não está vacinando com ela. Isso se deve a recusa postergada do governo federal em adquirir vacinas desse laboratório, como a rejeita de aquisição de 70 milhões de doses ainda em 2020. No entanto, em março e abril de 2021 o Governo já acertou a compra de 200 milhões de doses da Pfizer.

A Pfizer não abre mão da imunidade de responsabilidade por efeitos de sua vacina. A farmacêutica não fecharia negócios com o Ministério da Saúde se o governo brasileiro não aceitasse assumir a responsabilidade por eventuais efeitos colaterais que sua vacina pudesse eventualmente causar.

Mas isso não foi somente no Brasil, uma investigação do Bureau of Investigative Journalism concluiu que a Pfizer pediu a alguns países que colocassem seus ativos soberanos — de exemplo bases militares — como garantia contra o custo de futuros processos judiciais por efeitos colaterais. A investigação citada apresenta a forma dura com a qual a Pfizer tem tratado os governos periféricos, principalmente da América Latina.

Na Argentina, Jorge Rachid, médico que assessora o governador de Buenos Aires, disse que na negociação do governo nacional com a Pfizer para a vacina contra o coronavírus, o grupo estadunidense teria exigido como garantia “uma nova lei com ativos inacessíveis que incluíam geleiras”; “a empresa Pfizer pediu uma lei com garantias, com bens inacessíveis como geleiras e licenças de pesca”.

Já no Brasil, na época o Ministro da Saúde – General Pazuello – disse que as cláusulas do acordo com a Pfizer eram impraticáveis. Pazuello na época listou os seguintes pontos: a Justiça brasileira abriria mão de julgar o laboratório, eventuais processos só poderiam correr nos Estados Unidos; ATIVOS BRASILEIROS NO EXTERIOR deveriam ser disponibilizados para cobrir o acordo como caução; e, por fim, o diluente da vacina não seria fornecido junto com o produto, cabendo ao país comprá-lo separadamente. Isso só pode ser hoje discutido porque o governo quebrou a cláusula de confidencialidade e divulgou o contrato com a Pfizer. O Ministério da Saúde publicou a íntegra do acordo que ficou disponível no site por 10 dias. O acordo não poderia ser publicado pelos próximos 10 anos. No documento, é possível ver o valor de US$ 10 por dose, totalizando US$ 1 bilhão.

No entanto, o Brasil acabou cedendo, prova disso é que outras vacinas, como a Sputnik V, tiveram suas aprovações postergadas. No caso da vacina russa, a Sputnik V até hoje não conseguiu liberações da ANVISA, mesmo usando tecnologias muito mais conhecidas, ao contrário da Pfizer. Segundo porta-voz da produtora de vacinas, o preço da Sputnik V também é mais barato que o da Pfizer e da Moderna e os russos já credenciaram um laboratório brasileiro – a União Química – para produzir o imunizante em solo nacional. Sabendo disso, não se pode esquecer que os EUA pressionaram o Brasil a não comprar a Sputnik V, informação essa que consta em documento oficial do governo dos EUA.

Por fim, ainda tem as contradições envolvendo a AstraZeneca, já que parte de sua propriedade tem a participação do grupo sueco Investor, da Família Wallenberg. A Família Wallenberg também tem parte proprietária da Saab, que junto com o Brasil desenvolve o caça F-39 Gripen, e também é proprietária da Ericsson, interessada no leilão do 5G. Em visita a Suécia em Fevereiro desse ano, o ministro de telecomunicações do Brasil, Fábio Faria, se encontrou com o magnata Marcus Wallenberg na sede da Ericsson. Fábio Faria destacou do encontro: “Nós passamos o dia todo em reunião e fomos muito bem recebidos na sede da Ericsson. Conversamos sobre as tecnologias utilizadas no 5G e também pedimos ao Wallenberg para que leve ao conselho da AstraZeneca a nossa necessidade por mais doses e insumos para a vacina”. Aqui não se afirma nada, mas o que garante que não há uma permuta? Digo, o que garante que a Ericsson continua em condições de isonomia em relação as outras concorrentes pelo 5G no Brasil já que a Ericsson é de propriedade do mesmo grupo que detém a AstraZeneca e pode jogar com essa questão? O site Defesa Net relata que as negociações de transferência de tecnologia da SAAB para o Brasil também enfrentam dificuldades. Ainda nesse contexto, especialistas apontaram que haviam cláusulas abusivas no contrato da AstraZeneca com a Fiocruz e que isso poderia prejudicar o calendário de vacinação.

Os apontamentos e indagações feitos nesse texto tem o único intuito de qualificar o debate sobre a geopolítica das vacinas, trazendo ao debate pontos que são esquecidos – ou soltos dispersamente – pela grande mídia. No mais, parte desses problemas o Brasil poderia não estar enfrentando se tivesse uma Indústria Nacional de fármacos associada a um poderoso Complexo Industrial de saúde e sanitização.

REFERÊNCIAS:
1. https://www.defesanet.com.br/pw/noticia/39942/PANWAR—Strategic-Vaccine-Power-e-a-submissao-do-Brasil/
2. https://www.poder360.com.br/coronavirus/governo-quebra-clausula-de-confidencialidade-e-divulga-contrato-com-a-pfizer/
3. https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/02/22/Quais-os-entraves-para-a-compra-de-novas-vacinas-contra-a-covid
4. https://www.lanacion.com.ar/economia/asesor-kicillof-nid2554923/
5. https://www.telesintese.com.br/na-suecia-faria-visita-a-ericsson-e-pede-liberacao-de-vacina-da-astrazeneca/
6. https://www.defesanet.com.br/pw/noticia/39941/PANWAR—A-Guerra-das-Vacinas—Strategic-Vaccine-Power/
7. https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2021/02/22/pfizer-nao-abre-mao-de-que-responsabilidade-por-efeitos-da-vacina-seja-do-brasil
8. https://oglobo.globo.com/mundo/desigualdade-concentracao-de-vacinas-em-paises-ricos-ameacam-adiar-fim-da-pandemia-de-covid-19-24953984
9. https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/03/governo-negou-3-vezes-ofertas-da-pfizer-e-perdeu-ao-menos-3-milhoes-de-doses-de-vacina.shtml
10. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-04/anvisa-atualiza-exigencias-para-armazenamento-de-vacina-da-pfizer
11. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2021/02/24/pfizer-e-acusada-de-chantagear-governos-latino-americanos-em-negociacoes-da-vacina.htm
12. https://www.camara.leg.br/noticias/742716-camara-vai-debater-quebra-de-patentes-de-vacinas-em-comissao-geral-na-quinta-feira/
13. https://ojo-publico.com/2505/pfizers-demands-include-countries-use-sovereign-assets
14. https://www.poder360.com.br/coronavirus/perfil-da-sputnik-5-diz-que-vacina-sera-mais-barata-que-pfizer-e-moderna/