Galão da Massa vence novamente o Campeonato Brasileiro depois de 50 anos

Galão da Massa vence novamente o Campeonato Brasileiro depois de 50 anos
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Dedicado ao Sr. Juninho Campos,
meu pai e atleticano que viu, com 25 anos,
o título do Galo de 1971 e venceu a COVID para ver o de 2021

 

Há quase um mês recebi do Portal Disparada a encomenda deste texto: “escreva sobre essa conquista do Campeonato Brasileiro pelo Atlético depois de 50 anos para soltarmos no dia do título” – pediu meu desavisado editor, sabedor de minha alma alvinegra. O motivo de não tê-lo feito com o prazo sugerido é o mesmo que tem espantado a imprensa nacional ao ver que, mesmo com grande dianteira na tabela e aproximando-se do fim da competição, a torcida atleticana, estranhamente, não bradava nas arquibancadas o grito de “É Campeão!” diante da sólida sequência de vitórias de seu time.

E a explicação não se resume apenas à angustiante espera dos 50 longos anos.

O Clube Atlético Mineiro venceu o primeiro Campeonato Brasileiro, em 1971, com um gol de cabeça do folclórico Dadá Maravilha sobre o Botafogo, em pleno Maracanã, com direito à lendária parada no ar que só o craque atleticano era capaz. De lá para cá, se passaram cinco décadas, mas não foram cinco décadas quaisquer.

Galão da Massa vence novamente o Campeonato Brasileiro depois de 50 anos
“Somente três coisas param no ar: o beija-flor, o helicóptero e Dada Maravilha”

Muitos times tiveram um passado glorioso, venceram inclusive o próprio Campeonato Brasileiro, mas, ao longo dos anos, foram perdendo importância no futebol, perdendo popularidade, visibilidade, torcida. Mas o Atlético tem uma história particular: mesmo sem conseguir repetir o título nacional, o Galo mineiro permaneceu sempre vivo nas competições, reinando no reino do “quase”. Só no Brasileirão, ao longo desse meio século de competição, o time ficou 17 vezes entre os quatro melhores colocados.

Eu não peguei a fase áurea do histórico time do Atlético de 1978 a 1983, o esquadrão imortal de Reinaldo, Éder e Cerezo. Comecei a acompanhar o time no início dos anos 90, mas sempre me apropriando das histórias dos “quase” do passado, como todo atleticano faz.

É sempre assim: nada, nada e morre na praia!” – me provocavam na escola os colegas que torciam para o Cruzeiro ou para o Flamengo, o dois arquirrivais do Galo, após alguma das inúmeras dolorosas desclassificações do meu time. E chegando em casa, era recebido pela maldita manchete, que tantas vezes fui obrigado a ler na primeira página do jornal: “Atlético morre na praia mais uma vez”. Sempre havia algum chargista, pouco criativo, para ilustrar a matéria com a imagem de um galo – bicho que não voa nem nada – morto na areia das praias, que nem existem em Minas.

Quantas e quantas vezes a classificação não foi por um triz, naquele último chute de longe, naquela bola na trave nos momentos finais, naquele pênalti perdido que ainda alimenta pesadelos. É o “quase” que moldou parte do espírito atleticano, calejado na frustração, calejado na esperança e calejado na empolgação que se renova por amor ao clube e… por ódio aos rivais, sempre prontos a te apontarem rindo: “Morreu na praia!”

Mas e a arbitragem?! Ah, a arbitragem! “Atleticano só sabe reclamar do apito” – tentavam me calar de pronto.

Quando o Ser se faz Galo, a primeira lição é sobre a fonte primeira dos ‘quases’ do Atlético pelas injustiças cometidas contra o time. Como bem sintetizou o jornalista atleticano, Fred Melo Paiva, no documentário sobre a história do Atlético que estreou nos cinemas mês passado, “Lutar, Lutar, Lutar”: “A gente não é forjado na derrota, mas na injustiça. E a injustiça é muito poderosa. Seja injusto com qualquer grupo, que ele vai se tornar muito forte, ele vai se unir, ele vai encontrar forças, você não sabe de onde, pra vir pra cima.”

De minhas memórias infantis, me recordo de aprender, numa época em que não havia internet, que “Chicão quebrou a perna de Ângelo” e que “José Roberto Wright foi comprado para nos roubar no Serra Dourada”  antes de entender bem o que era um impedimento. Como estamos na época da internet, para não prejudicar meu fígado descrevendo fatos que são mais nocivos a ele que uma cirrose, deixo vocês com um vídeo explicativo do grande atleticano, Eduardo de Ávila:

Além da revolta causada pelos roubos da arbitragem e das injeções de ânimo/frustração dos quase-títulos, o espírito do atleticano não pode ser explicado sem o anti-Atlético, o oposto, o rival que forma o par dialético que move o futebol mineiro: o Cruzeiro Esporte Clube.

Até meados dos anos 90, quando minhas memórias começam a se formar, os embates discursivos contra cruzeirenses terminavam com atleticanos ostentando seu título do Brasileiro de 1971 e os torcedores do Cruzeiro com sua Libertadores da América de 1976, conquistas inéditas aos seus antagonistas. Em 1992, o Atlético ganhou a Copa Conmenbol, o que forneceu um ano de artilharia contra os cruzeirenses, que venceram a Copa do Brasil de 1993, reequilibrando o placar dos bate-bocas de boteco. Porém, a partir da segunda metade daquela década, algo terrível aconteceu: o Cruzeiro passou a ganhar títulos e o Atlético, quase.

Nesse período, a Raposa ganhou mais três Copas do Brasil (1996, 2000, 2003), mais uma Libertadores (1997) e o inédito Brasileirão (2003). O Galo ainda venceu mais uma Conmenbol em 1997, colecionou mais um quase chegando às quartas de final da Libertadores em 2000, mas tropeçou várias vezes nas finais do Campeonato Brasileiro. Perdeu a semifinal em 1996, ficou em 3º lugar em 1997, sendo desclassificado na 2ª fase da competição que, segundo as regras da época, já daria acesso à final, foi vice-campeão em 1999, perdendo a final para o Corinthians, ficou na semifinal em 2001, nas quartas de final em 2002 e, já no período dos pontos corridos, em 2005, teve o ano mais trágico de sua história, sendo rebaixado para a série B.

“Todo time tem uma torcida, mas a do Atlético é a única torcida que tem um time” – vaticinaram certa vez. Esse rebaixamento, que poderia ter sido o fim dessa história, foi talvez o evento mais marcante em termos de mobilização e apoio da massa atleticana. Apoio que começou no instante seguinte ao término da partida que colocou o Galo na segunda divisão. Vendo os jogadores chorando em campo, após lutarem com garra até o último segundo do jogo com o Vasco sem conseguir a vitória, os 46 mil torcedores presentes no Mineirão, também aos prantos, começaram a aplaudir o time de pé e a entoar, a todo pulmão, o hino do clube.  Estava lançada ali a mais empolgante campanha da história do Atlético Mineiro, que fez os jogos do time baterem todos os recordes de público de 2006, entre todas as divisões do campeonato, o que acabou gerando até um documentário, “Coração em Preto e Branco”.

Cada jogo era um espetáculo emocionante, onde a torcida empurrava o time como se fosse um jogador extra em campo. Por isso, após a campanha vitoriosa de 2006, a diretoria do Atlético resolveu, assim como fez o Vasco com a camisa 11 de Romário e o Santos com a 10 de Pelé, imortalizar a camisa de número 12 do Galo, mas em homenagem à sua torcida. Ninguém mais joga com essa camisa no Atlético, porque ela pertence permanentemente à massa atleticana, ao décimo segundo jogador do time.

O glorioso retorno à série A do Brasileirão trouxe um clube com a alma lavada, mas com as contas em frangalhos. Com a crise, causada por um enorme endividamento e já sem pagar salários, a direção do clube renuncia antes do fim do mandato. A nova diretoria precisa assumir de imediato e é esse evento de início trágico que inaugura a nova fase do Atlético, com a gestão de Alexandre Kalil.

Esse período foi marcado por uma reestruturação do clube que conseguiu equacionar suas dívidas, profissionalizar sua parte comercial, aumentar suas receitas e fazer investimentos visando uma construção de longo prazo. O primeiro resultado expressivo dessa nova fase veio em 2013, na Era Ronaldinho Gaúcho, que já havia levado o Galo ao vice-campeonato brasileiro de 2012.

Tinha chegado a hora do carma dos cruzeirenses que sempre gostavam de encaixar a seguinte provocação nas discussões sobre títulos: “Libertadores não é campeonato para time pequeno”. O que me faz lembrar de outra frase cármica dos torcedores do Cruzeiro, que eu tive que engolir várias vezes depois de 2005: “Time grande não cai.” Mas isso é assunto para outra hora…

2013 foi um ano-chave na consolidação da nova fase do Atlético, tanto em termos de projeto de futebol e de negócios, quanto no protagonismo da torcida atleticana como o elemento mais importante do clube. Paixão, martírio, fé e vitória forjaram um povo.

Quartas de final da Libertadores da América. Um pênalti contra o Atlético aos 46 do segundo tempo. Uma oração entoada por 21 mil pessoas que lotavam a terra sagrada do Estádio do Independência, em Belo Horizonte: “Eu acredito! Eu acredito!” Só um milagre do goleiro Victor, ainda não canonizado, poderia salvar o time. O Milagre do Independência foi a abertura do Mar Vermelho da Nação Atleticana.

De martírio em martírio, chegou o dia da final com Olímpia do Paraguai, no Mineirão. “Por que precisa ser tão sofrido assim, meu Deus do céu?!” – gritou o radialista, Mario Henrique Caixa, no microfone da Rádio Itatiaia, quando o Atlético conseguiu empatar aos 41 minutos do segundo tempo e levar o jogo para os pênaltis. O Dia do Galo chegou:

No ano seguinte, foi a hora de outro título inédito. E quis o destino… aliás, destino nada! Quis o próprio Deus que a final da Copa do Brasil de 2014 fosse entre Atlético e Cruzeiro. A intervenção divina já havia ocorrido na semifinal contra o Flamengo, quando o Galo perdeu a partida de ida por 2×0 no Maracanã e, aos 33 do primeiro tempo do jogo de volta em Belo Horizonte, levou mais um gol. Enquanto Éverton, autor do gol do Flamengo, ainda comemorava o lance, para espanto de todos, ouviu-se alto das arquibancadas o grito-prece: “Eu acredito! Eu acredito!”. A torcida acreditava que o Galo ainda conseguiria fazer os 4 gols necessários para a classificação. Prece ouvida e atendida: Atlético 4×1 Flamengo.

Na final, para surpresa da imprensa, o Atlético, que tinha o mando de campo da primeira partida, quis jogá-la no Independência, ao invés do Mineirão, que é muito maior e daria bem mais público e renda. Mas a mística do “La Bombonera do Galo”, ou como diz a torcida “Caiu no Horto, tá morto”, em referência ao bairro Horto, onde fica o Estádio do Independência, fez tudo valer a pena: 2 x 0 para o Atlético. E no segundo jogo, esse sim no Mineirão, mas ainda sob o efeito da transcendência da Nova Era, outra vitória do Galo, essa por 1 x 0, fechando o Mar Vermelho em cima do exército azul celeste que o perseguiu por tantos anos.

E assim chegamos a 2019, quando o time grande que não cai, caiu. E agora, com o retorno do América à primeira divisão em 2021, Minas Gerais segue com dois representantes do estado na série A e, a partir de 2022, com dois na série B, já que o Cruzeiro vai para o terceiro ano rebaixado e o Tombense, vice-campeão mineiro de 2020, subiu da série C esse ano.

Quanto ao Atlético, nesse ano da graça de 2021, liderando o Brasileirão desde a 15ª rodada, conseguiu o tão sonhado bicampeonato brasileiro com o grande elenco atual – que só foi possível ser formado graças aos trabalhos iniciados há mais de uma década –, somado à sua cautelosa torcida de alma marcada por 50 anos de luta. Um trabalho conjunto, bem expresso na convocação do técnico Cuca, quando afirmou que: “A torcida do Atlético não tem que vir ao estádio para torcer. Tem que vir para trabalhar.”

Galão da Massa vence novamente o Campeonato Brasileiro depois de 50 anos

Sobre o futuro, pelos motivos aqui descritos, deu para ver que atleticano não comemora títulos antecipadamente. Mas, segundo o jornalista Rica Perrone, um insuspeito são-paulino, a estrutura montada pelo Galo indica que essa década deve ser gloriosa ao clube.

É a vitória contra a tempestade, da mais bela crônica de Roberto Drummond, “Se houver uma camisa preta e branca…”, grande atleticano que infelizmente partiu antes de ver o Galo bicampeão, a quem cito em homenagem a todos os nossos soldados que também partiram antes e que tanto contribuíram nessa vitória, nesse dia de êxtase transcendental:

“Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento.

Ah, o que é ser atleticano?
É uma doença? Doidivana paixão?
Uma religião pagã?
Bênção dos céus?
É a sorte grande?

O primeiro e único mandamento do atleticano é ser fiel e amar o Galo sobre todas as coisas. Daí, que a bandeira atleticana cheira a tudo neste mundo.

Cheira ao suor da mulher amada.
Cheira a lágrimas.
Cheira a grito de gol
Cheira a dor.
Cheira a festa e a alegria.
Cheira até mesmo perfume francês.

Só não cheira a naftalina, pois nunca conhece o fundo do baú, trêmula ao vento.

A gente muda de tudo na vida. Muda de cidade. Muda de roupa. Muda de partido político. Muda de religião. Muda de costumes. Até de amor a gente muda. A gente só não muda de time, quando ele é uma tatuagem com a iniciais C.A.M., gravada no coração.

É um amor cego e têm a cegueira da paixão.

Já vi o atleticano agir diante do clube amado com o desespero e a fúria dos apaixonados. Já vi atleticano rasgar a carteira de sócio do clube e jurar:

Nunca mais torço pelo Galo. Já vi atleticano falar assim, mas, logo em seguida, eu o vi catar os pedaços da carteira rasgada e colar, como os amantes fazer com o retrato da amada.

Que mistério tem o Atlético que, às vezes, parece que ele é gente?
Que a gente associa às pessoas da família (pai, mãe, irmão, tio, prima)?
Que a gente o confunde com a alegria que vem da mulher amada?
Que mistério tem o Atlético que a gente confunde com uma religião?
Que a gente sente vontade de rezar “Ave Atlético, cheio de graça?”
Que a gente o invoca como só invoca um santo de fé?
Que mistério tem o Atlético que, à simples presença de sua camisa branca e preta, um milagre se opera?
Que tudo se transfigura num mar branco e preto?

Ser atleticano é um querer bem. É uma ideologia. Não me perguntem se eu sou de esquerda ou de direita. Acima de tudo, sou atleticano e, nesse amor, pertenço ao maior partido político que existe:

O Partido do Clube Atlético Mineiro, o PCAM, onde cabem homens, mulheres, jovens, crianças. Diante do Atlético todos são iguais: o bancário pode tanto quanto o banqueiro, o operário vale tanto quanto o industrial. Toda manhã, quando acordo, eu rezo: Obrigado, Senhor, por me ter dado a sorte de torcer pelo Atlético.”

 

P.S.: Ah! Esqueci de mencionar. O Galo ainda disputará esse ano a final da Copa do Brasil contra o Athlético Paranaense, nos dias 12 e 15 de dezembro.

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Atualização: O Galão da Massa venceu as duas partidas da final do Copa do Brasil contra o Athlético Paranaense, a primeira no Mineirão por 4×0 e a segunda em Curitiba por 2×1, se sagrando também Bicampeão da Copa do Brasil em 2021!

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