A crise da esquerda – eleitoralismo e movimentismo identitário

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QUE A ESQUERDA brasileira, e até no plano mundial, atravessa um desprestígio em ciclos que se agravam desde os primeiros anos da década de 90, ninguém contesta. De lá pra cá, só se agravou o esgarçamento orgânico de suas bases sociais. Que fatores, além do desencanto com a forma como o dito socialismo real se decompôs após o fim da URSS, concorrem pra isso?

Vejo duas razões principais.

A PRIMEIRA, não por ser a principal, é a prevalência do eleitoralismo imediatista, teoricamente reducionista, no estabelecimento de táticas que terminam levando o senso comum alienado a não ver distinção entre esquerda e direita. “Quando chegam lá, é tudo igual”. Faz sentido. Numa campanha eleitoral, fora os protofascistas, todos são defensores de ideias progressistas e do regime democrático.

A SEGUNDA, esta estrutural, eu a encontro dentro do próprio campo da esquerda, na forma como o movimentismo se implantou meteoricamente, e trazendo no seu bojo, produto do pós-modernismo, uma concepção identitarista que fragmenta ao invés de unificar o mundo do trabalho. Me refiro ao movimentismo que, na luta setorial específica, coloca ricos e pobres, patrão e trabalhador assalariado, dentro do legítimo combate pela causa, mas estabelecendo limites que não permitem a derrubada como um todo.

GAYS, PRETOS, FEMINISTAS, em seus nichos, conduzem batalhas grandiosas dentro do regime capitalista. O americano gay e comunista pode ter a seu lado o patrão republicano na Marcha pelo Orgulho Gay. Ou o negro saudoso dos Black Panthers pode estar ombro a ombro com o negro eleitor de Trump, com qual concretiza vitórias expressivas no Black Lives Matter.

OU SEJA, no âmbito da conquista de direitos civis fundamentais, ambos e mais as feministas podem obter vitórias expressivas sem que, com isso, abalem estruturalmente a opressão real das classes dominantes sobre as camadas assalariadas de baixo coturno, ou dependentes de auxílios-desemprego. Os parceiros na batalha pelos direitos civis não deixam de disputar, em campos opostos, via greves contra as quais o patronato não hesita em utilizar o aparelho de segurança do Estado, sempre a seu serviço, a mais-valia produzida por um e aproveitada pelo outro.

SIM, O MOVIMENTISMO setorial, quando despido da visão totalizante e condicionado ao “lugar de fala”, que a esquerda liberal tanto defende, resulta, não raro, em inócuo porta-voz de concepção consciente da luta isolada. Não só se afastando da leitura programática e ideológica, mas principalmente propondo o “fim do ciclo de partidos políticos”. E, citando exemplo próprio, não posso esquecer do episódio, durante a primeira grande manifestação de massas de 2013, me ver atacado por um galalau, apoiado pela juventude que o cercava, tentando me arrancar a bandeira partidária, o que só não conseguiu por conta de intervenção de dois galalaus do meu partido.

ENFIM, nos vemos num cenário que encontra nas classes dominantes não só a adesão total, no caldo de cultura de uma alienante propaganda da “inclusão”, não só na vida corporativa como na política, através desses bizarros formadores de quadros de “renovação” que se transformam em seus sofisticados despachantes nos plenários do Congresso. Nessa lógica da “inclusão” onde uns poucos privilegiados da base da pirâmide social encontram espaço próprio através de um decantado “empreendedorismo”, se sobrepondo à necessidade inadiável de desconstrução e “superação” do regime capitalista, gerador da opressão do grande capital sobre o mundo do trabalho.

RETOMAR a importância do Partido Político, de viés classista, definido ideologicamente nessa concepção classista, é tarefa fundamental para a sobrevivência não especificamente dos Partidos, mas da própria Esquerda. Um Partido que não hesite em participar de todos os embates e espaços institucionais, mas que nunca perca, por suas direções, a visão de que só o Partido, por sua leitura totalizante da realidade concreta, pode ser o mediador entre o espontaneísmo do Movimento e a sua tomada de consciência como classe representativa dos segmentos oprimidos como um todo. Como portador de Teoria, sem a qual, não se realiza a prática transformadora e revolucionária anticapitalista.

Luta que Segue!