A esquerda do ‘Não’

A esquerda do Nao
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No festival Afropunk tinha uns letreiros políticos. Era uma série de bandeiras. Quais bandeiras? As bandeiras do “não”. Não ao racismo, sexismo, machismo, homofobia, lesbofobia, capacitismo etc. Todas bandeiras válidas e indispensáveis. Mas vamos além.

A propaganda escolhida pelo festival é um ótimo sintoma de uma tendência das esquerdas na América Latina, Europa Ocidental, EUA e Canadá. Não sabemos dizer o que queremos, seduzir, conquistar, encantar as pessoas. Apresentar um horizonte de felicidade e prazer.

A tendência predominante é dizer o que não fazer. E veja, não tem problema em si nisso. É preciso na disputa política combater várias práticas atuais e apontar para comportamentos, práticas e noções naturalizadas que devem ser destruídas. Toda construção tem destruição também. O problema é a predominância disso. É uma comunicação política, uma estética e um programa centrado na negação. Negar é fundamental. Mas é preciso afirmar. Afirmar projeto, valores, perspectivas de futuro, afetos, horizonte de bem-estar. Um exemplo básico.

Na hora de negar, somos enfáticos, sempre colocando o fim de algo. Mas na hora de afirmar, surge a timidez: “reduzir a miséria”, “aumentar um pouco as vagas na universidade”, “diminuir a fome”, “criar um pouco mais de vagas de emprego”. E tudo dito com ar tecnocrático. Falta tesão, paixão, ousadia, coragem, capacidade de convencer as pessoas. É tudo muito seco, sem graça, em negativo, formal, tecnocrático. Eu, se fosse um trabalhador desorganizado, não iria me mobilizar muito por uma fala seca que comemora melhorar um pouquinho as coisas.

Voltemos, pois, para José Carlos Mariátegui. Não existe política sem paixão. Não existe mudança só negando, sem a afirmação que encanta. Falta uma boa veia do que a sociologia burguesa chamava de “populismo” no século XX. Falta um carisma ala Fidel Castro ou Hugo Chávez.