Erasmo, Tijuca e as cinzas – é preciso dar um jeito

erasmo carlos morte
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A Tijuca é o bairro com a maior concentração de talentos por metro quadrado, talvez perca apenas do Brooklyn nova-iorquino. Nova York, que durante tantos anos foi objeto de desejo dos meninos da periferia do capitalismo, apaixonados pelos topetes, rebolados e gingados que viam nos cinemas mofados dos subúrbios. Entre eles estavam o gordinho Tião, o manco Roberto e o desajeitado Esteves. Na mesma praça que anos antes estava um mulato com uma batida diferente, o tal do Jorge Duílio, devoto de São Jorge. Bem Jorge. Jorge Ben.

Comum em todos, a vontade de desbravar a imensidão de texturas, cores, gostos e cheiros do norte. Wop bop a loo bop a lop ba ba!

Nesta Tijuca, filho de mãe solteira (como é a sina da miséria moral que aflige os homens deste país), o grandão da turma, de nome Erasmo, não era propriamente um músico habilidoso. Apesar das incontáveis horas ao som de Little Richard e cia, o jovem tijucano parecia não encontrar nos acordes do violão os amigos que um dia viriam a dar-lhe a merecida glória.

Foi em São Paulo, na rua da Consolação, que as notas que aprendera com Tião (vulgo Tim Maia) fariam sentido. Erasmo, ao lado do manco Roberto e da infantilóide Wanderléia, foi percursor do rock (a maior revolução estética do século passado), num país que até então jamais havia tido contato com as motos, as coca-colas e os filmes com cortes rápidos. A obra era vulgar. Apesar de grandes canções, a Jovem Guarda se limitou à junção da música americana com o cancioneiro italiano. O único diferencial que apresentou foi o talento incomum dos dois tijucanos que tornar-se-iam os compositores mais executados da história do Brasil. Roberto e Erasmo, Erasmo e Roberto. Detalhes gigantes neste universo à beira do caminho. Amigos de fé até que tudo fosse pro inferno.

Na música, é lugar comum dizer que Tremendão é responsável por boa parte das poesias que entornam as canções de Roberto. Ele mesmo admite. O gigante da Tijuca, com uma caneta na mão, era imparável. Uma festa de arromba.

Já em São Paulo, nos anos 70, no Brooklin Velho (à época, menos gasto), dividiu apartamento com o velho amigo Jorge Ben, que ensinou-lhe o truque da mão direita que ganhou o mundo com hits como “Mas que Nada” e “País Tropical”. Erasmo saiu de lá pra gravar discos de Samba-Rock cultuadíssimos. Anos depois, os discos mais psicodélicos, com arranjos memoráveis.

Foi no romantismo que Tremendão deixou sua marca maior na música brasileira. Sofredor adicto, corno, amante, cafajeste, macunaímico, maravilhoso. O turbilhão de emoções transbordava nos quase 2 metros de altura do homem que encantou multidões Brasil afora. E que neste dia 22 de novembro nos deixa, para a tristeza do Brasil, mais tristes com sua partida.

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E na questão pessoal deste que vos escreve, um agradecimento especial:

O tijucano com o coração do tamanho da altura foi o primeiro a dar uma oportunidade na TV para um certo Maestro rechonchudo do Bixiga. O menino que se tornaria homem e meu pai – e sairia da Record pra uma carreira brilhante.

Até mais, Tremendão. É preciso dar um jeito, meu amigo.