As empresas estatais não ameaçam o capital privado, o laissez-faire sim

As empresas estatais não ameaçam o capital privado, o laissez-faire sim
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As empresas estatais brasileiras nunca ocuparam o espaço da iniciativa privada, muito pelo contrário, apenas atuavam nos setores onde ela não tinha interesse e/ou condições de atuar, e, ainda por cima, criavam demanda e mercado para o setor privado onde antes não havia nada. Nenhuma estatal brasileira fabricava seus próprios materiais, equipamentos e maquinaria, como a mineradora estatal sueca LKAB faz até hoje e como a petroleira estatal italiana ENI fazia antes de ser privatizada. As estatais brasileiras, ao contrário dessas outras – cuja reputação ninguém nunca duvidou – sempre assumiram o compromisso de comprar de outras empresas, preferencialmente nacionais, para incentivar o empresariado brasileiro.

A CSN e a Cosipa tinham até prejuízos crônicos por venderem aço e estruturas metálicas a preços abaixo do custo para o setor privado interno, o que deixaram de fazer depois de privatizadas, contribuindo para a desindustrialização brasileira. Sem Petrobrás, Eletrobrás, CSN, Cosipa, Vale do Rio Doce, Embratel, Embraer etc., não haveria empresariado privado no Brasil – não sou só eu que falo, o udenista Hélio Beltrão (o pai, não a aberração do filho), insuspeito de estatismo, também dizia isso em plenos anos 80.

A maior ameaça ao capital privado não é a atuação estatal estratégica, é o laissez-faire liberal, que drena recursos da produção e do consumo para alocar na especulação e na criminalidade.

A privatização de setores estratégicos (energia, telecomunicações, finanças, viações, subsolo, utilidades públicas, materiais de defesa e indústrias de base) é, em si, uma fraude. Quando se trata desses setores, não há nem pode haver privatização honesta, pois entrega a grupos privados o que possui uma natureza coletiva por definição e que, portanto, não é da competência deles. Então, não surpreende nada a fraude bilionária detectada pelo TCU na privatização da Eletrobrás.

Todas as privatizações brasileiras ocorridas de 1990 para cá foram gigantescas fraudes de valor incalculável, com a Eletrobrás não seria diferente. Mas não é que exista um “preço certo” para o que foi privatizado: o patrimônio nacional não tem preço, o trabalho de gerações inteiras de brasileiros não tem preço, o que mantém o país de pé e andando não tem preço. A soberania nacional não tem preço e, sem ela, não há cidadania, não há economia, não há nada que presta, só golpe, estelionato, especulação e bandidagem.

Alguns podem me achar exagerado, radical ou o que seja, mas se o Brasil não der um jeito de reaver todas as privatizações e extinções ocorridas de 1990 para cá, com base na farta documentação de corrupção e picaretagem em que elas estiveram envolvidas, vai perder o bonde da história para os países que continuam tendo o controle estatal desses setores, como todos os nossos parceiros de BRICS.

Não se trata de voltar ao passado mas de fazer as pazes com o futuro, pois a Vale do Rio Doce, o sistema Telebrás, a CSN, a Usiminas, a BR Distribuidora, a Embraer, a Embrafilme, a Portobrás, a Rede Ferroviária Federal e os bancos estaduais, por exemplo, não eram passado mas o nosso passaporte para o futuro.