Dólar barato, o vício da Faria Lima

Dolar Barato
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O dólar caiu a patamares que não víamos há muito tempo nesta quinta-feira (02 de fevereiro). Chegou a furar o piso de 5 reais por algumas horas, coisa que não acontecia desde maio do ano passado – e ainda assim como exceção. A “verdinha” estadunidense se manteve acima de cinco reais de modo estável há pelo menos 3 anos, quando em abril de 2020 atingiu este patamar e dele nunca mais saiu.

Os sacerdotes da Faria Lima se apressaram em elogiar o haddad-guedismo por este feito. Segundo estes religiosos, foi a obediência cega ao chamado “equilíbrio macroeconômico” que teria promovido esta bela realização para o Brasil. Como de praxe, todos os jornalões brasileiros controlados pela oligarquia que nos submete há tantas décadas se acotovelaram pelo privilégio de reproduzir a mesma ladainha maçante de sempre, como se essa velharia dos anos 1980 fosse uma novidade com cara de moderna.

A tal prudência macroeconômica é, na verdade, uma hábil mentira, calcada na destruição do patrimônio público. Foi o esvaziamento do BNDES, as privatizações antieconômicas da Eletrobrás e da Petrobrás que artificialmente produziram esse superávit fiscal, que supostamente seria o responsável por atrair a esotérica figura do “investidor estrangeiro”. Claro, a carne mais barata do mercado é a brasileira: a queda na renda real dos trabalhadores, patente na defasagem do salário-mínimo e na tabela do Imposto de Renda, também contribuiu significativamente para este cenário idílico.

Como os mágicos de rua que com um rápido movimento ocultam as cartas de seu público, o que estes sacerdotes escondem é a boa e velha arbitragem de juros. Ao manter os juros reais beirando 8%, o COPOM, nas mãos de um cartel de banqueiros e rentistas, não só continuou a trajetória de suicídio econômico que destrói nosso país desde 1994, como atraiu um vasto volume de capital especulativo para o país, valorizando nossa moeda. No mesmo dia, o Fed, o equivalente ao Banco Central do Império Estadunidense, anunciou uma subida de juros menor do que a antecipada pelos oligopólios rentistas. Quase como num grito de rebelião, os gafanhotos que destroem as economias, os vastos fundos líquidos que desesperadamente procuram por oportunidades de aplicação a taxas positivas em um mundo de juros reais negativos, correram para comer a economia brasileira.

Para o público brasileiro, o real valorizado é fácil de ser vendido como a oitava maravilha. Afinal, as quinquilharias chinesas se tornam acessíveis, consoles de video games ficam mais baratas, espertofones da moda passam a ficar a alcance, e toda a parafernália que uma febre de consumo costuma trazer consigo. Inclusive, uma economia como a brasileira, constituída por serviços de baixa complexidade tecnológica, isto é, um varejo em escala continental, pode até responder positivamente no curto prazo a mais uma injeção de importações. O neoliberalismo reduziu o Brasil a um camelódromo e, como tal, o faturamento sobe quando somos soterrados por mercadorias estrangeiras.

É por isso que o ópio do dólar barato, o vício da Faria Lima, é triplamente pernicioso.

Em primeiro lugar, exige a manutenção da taxa básica de juros em um patamar que não possui nenhuma justificativa na economia ou, francamente, em qualquer ciência. Nem mesmo o disfarce de “combate à inflação” cola mais, porque a última escalada inflacionária deixou claro que foi artificialmente provocada para criar os dividendos recordes distribuídos por uma Petrobrás controlada por uma elite apátrida e traidora. Não só a nossa petroleira, mas também a anglo-holandesa Shell e outros cartéis do sangue negro também se aproveitaram da fome para engordar as planilhas de Excel dos rentistas mundo a fora.

Em segundo lugar, o ópio do dólar barato contribuí para continuar a destruição do nosso tecido industrial brasileiro. Num momento em que todos os países do mundo disputam pelo controle das cadeias de valor industriais mundo a fora, entregamos de graça a nossa para os demais. O câmbio é somente um dos instrumentos disponíveis para que o Brasil seja o gigante a que está vocacionado a ser e há uma metodologia para seu cálculo, limites superior e inferior.  Todavia, não é o único instrumento, ainda que um dos mais importantes. Mecanismos de planejamento que sigam o princípio de demanda efetiva para nossa indústria, acordos bilaterais Sul-Sul e a exploração de sinergias são outros dentre tantos.  Porém, nada funcionará se estivermos afogados em importações.

No entanto, o pior de todos é o terceiro efeito. Exatamente como o ópio, o dólar barato anestesia o Brasil em uma febre de consumo. Tira de nossos Trabalhadores a capacidade de luta, esconde de nossos empresários que é a competição injusta com os oligopólios estrangeiros que corrói seu faturamento (junto com os sanguessugas da Faria Lima) e cria em nossos governantes a ilusão do apoio popular fácil, sem trair os interesses ocultos dos rentistas.

É assim, que entorpecido pelo ópio do dólar barato, o Brasil se cai nos braços de seu traficante, a Faria Lima. Como um dependente químico, entregamos nossa vida de pouco em pouco para aqueles que nos destroem.

Passou da hora de pensarmos o Brasil estrategicamente.