Dia Nacional do Futebol: As Origens do Futebol no Brasil

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Por Lívia Vasconcelos dos Reis – “Charles Miller? Que nada, o futebol brasileiro surgiu em Bangu com Thomas Donohoe”. Com essa chamada, o Diretor-Executivo do Jornal Diário do Rio, Quintino Gomes Freire, em matéria de 2014, corrobora a tese da historiadora Gracilda Alves de Azevedo Silva (SILVA, 1985, p. 104), professora do IFCS/UFRJ, atual IH/UFRJ, de que o bairro operário, localizado na Zona Oeste carioca, pode ter sido o pioneiro na História do Futebol no Brasil.

A 9 de setembro de 1894, numa manhã de domingo, ocorreu, no pátio da Fábrica de Tecidos Bangu, de propriedade da Companhia Progresso Industrial do Brasil (CPIB), uma partida de futebol, que pode ter sido a primeira do país, uma genuína “pelada”, organizada pelo “Seu Danau”, nome pelo qual Thomas Donohoe (1863-1925) – técnico tintureiro escocês, e eleito vice-presidente na primeira administração da Fábrica – era chamado pelos operários. A partida só foi realizada porque o administrador da Fábrica, João Ferrer (substituindo Eduardo Gomes Ferreira, português antipático à presença do futebol na Fábrica), deu autorização e incentivo, proporcionando, assim, a realização de evento possivelmente anterior à partida capitaneada pelo paulistano Charles Miller, ocorrida em abril de 1895.

Até a década de 1920, o Rio de Janeiro era o maior polo fabril brasileiro, resultado do surto industrial iniciado na década de 1880. De acordo com Márcio Piñon de Oliveira (OLIVEIRA, 2008, p. 96), o setor têxtil era responsável por quase 73% do capital investido no ano de 1920, segundo dados do censo realizado naquele ano, na então capital federal, maior centro econômico do país, antes de São Paulo ocupar esse posto.

A industrialização no Rio – a exemplo de outras cidades do mundo – contou com três fatores marcantes na história do seu desenvolvimento: investimento do comércio, mão-de-obra especializada imigrante e maquinário industrial britânico. São inúmeras as fábricas fundadas por aqui em finais do século XIX que atendem a essa configuração, Fiação e Tecidos Aliança (1880); Confiança Industrial (1885); Fiação e Tecidos Corcovado (1889), Fábrica Bangu (1889), dentre outras.
O maior contingente imigratório brasileiro em terras cariocas era de portugueses, dado consagrado na literatura. Isso é um dado geral, mas nas fábricas recém-inauguradas, a expertise necessária era característica do currículo dos nacionais oriundos do berço da industrialização mundial, a Inglaterra.

A Fábrica de Tecidos Bangu, projetada pelo engenheiro inglês Henrique de Morgan Snell, fundada no ano de 1889, em antiga fazenda com engenho de açúcar, era de propriedade da Companhia Progresso Industrial do Brasil (CPIB). Esta empresa teve como principais sócios acionistas, o Barão de Salgado Zenha, português nascido em Braga, em 1837, comerciante e banqueiro; e o carioca Conde de Figueiredo, nascido em 1843, comerciante e alto funcionário do Banco do Brasil.

Para o início das operações em 1893, a Fábrica já havia adquirido, em 1891, o maquinário e contratado técnicos através da agência Platt Brohters and Co, situada em Manchester, que designava funcionários especializados para indústrias mediante contrato (MOLINARI, 2004). Paulatinamente, a Fábrica ia se formando e os imigrantes ingleses iam chegando em Bangu.

Após uma viagem de barco de aproximadamente 17 dias no navio S.S. Clyde, aportado em Southampton, com destino ao longínquo Brasil, desembarcou, em 1894, o operário tintureiro, de 31 anos, natural da Escócia, Thomas Donohoe (MOLINARI, 2004), integrante do corpo de técnicos da Fábrica Bangu, e a rigor, um proletário em busca de progressão profissional, fora dos limites da saturada cena industrial britânica. Em outras palavras, em sua terra natal, Donohoe dificilmente deixaria de ser operário, já em Bangu, ele veio para se tornar mestre da Seção de tinturaria, tornando-se mais que isso até, sendo eleito para vice-presidente da Fábrica e do Bangu Atlético Clube, time de futebol oriundo da Fábrica, cuja fundação data de abril de 1904.

O futebol como esporte moderno foi criado na Inglaterra, em torno de 1863. Nas duas últimas décadas do século XIX, já há relatos da presença, embora incipiente, do football no Brasil, sendo que, em seus primeiros anos de vida em nosso país, tratava-se de modalidade apreciada e praticada majoritariamente pelas elites. A História assinala o protagonismo do paulistano do bairro do Brás, Charles Miller, em relação à organização do primeiro match brasileiro, em abril de 1895, já com a aplicação das regras oficiais, incluindo o field com medidas corretas, uniformes e a pelota oficial, com o seguinte placar: São Paulo Railway 4×2 The Team of Gaz (MOLINARI, 2004). Todavia, existem registros, na linha da tradição oral sobre “peladas” de football em diversas cidades brasileiras, em datas anteriores, mas sem a documentação comprobatória. Conta a História que uma dessas “peladas” aconteceu no campo de futebol da Fábrica de Tecidos Bangu, em 9 de setembro de 1894. Seu Danau organizou o match informal, usando duas traves para fazer as vezes de gol improvisado, não havia uniformes e os times foram compostos por 6 players de cada lado. A bola de futebol foi trazida pela esposa de Donohoe, Elizabeth Donohe, que chegou da Escócia, com os dois filhos do casal, para morar com o marido na Vila Operária de Bangu, nos primeiros dias de setembro de 1894.

A organização das atividades da Fábrica sob a batuta do Diretor-Chefe João Ferrer foi um elemento-chave para que fosse estabelecido o domingo como dia para se jogar futebol. Era realizada uma feira no local do campo de futebol, impedindo, portanto, seu uso para lazer dos operários, de modo que que Ferrer mandou construir um mercado para o comércio dos gêneros vendidos na feira, desembaraçando a utilização do campo, e assim, pouco a pouco, os operários foram se juntando aos técnicos ingleses naquele novíssimo esporte que, tornar-se-ia, em finais dos anos 1930, o maior esporte de massas do Brasil, não sem antes acompanhar a fundação do maior clube operário carioca, em 1904, surgido justamente em Bangu, na e da Fábrica, cujo presidente de honra foi o Seu Ferrer e o vice-presidente, Seu Danau, cujo filho mais moço, inclusive, viria a se tornar o primeiro grande ídolo do The Bangu Atlhetic Club, o atacante Patrick Donohoe, que jogou no time entre 1913 e 1922.

Não é possível afirmar, em vista da ausência de documentação, que a primeira partida de futebol do Brasil tenha sido a realizada no campo de Bangu, a 9 de setembro de 1894, tampouco há relevância definitiva em buscar essa afirmação. Todavia, não seria em nada desarrazoado pensar na gênese do futebol brasileiro como fruto da prática esportiva de imigrantes ingleses, vindos para laborar em uma das maiores fábricas, do maior centro econômico brasileiro até então, em pleno surto industrial, no primeiro maior polo fabril do país.

Em que pese o advento do futebol em São Paulo e a realização da partida com base nas regras formais e com vasta documentação, no Rio de Janeiro, houve o pioneirismo do The Bangu Athletic Club e seu protagonismo no esporte, dentro e fora das quatro linhas.

Na região do antigo sertão carioca, antes e depois da Fábrica Bangu – e até os dias atuais -, a maioria maciça da população é composta por negros, mestiços e mulatos. Quando o time do Bangu é fundado, em 1904, este aceita jogadores operários e pretos, e já em 1905, contrata o primeiro jogador negro (que é também operário) do time, Francisco Carregal. Contratação escandalosa para modalidade esportiva praticada pelas elites brancas e aristocráticas, imitadoras das modas inglesas, que passaram a ver o Bangu com maus olhos, por suas livres contratações. Assim que, em 1907, a Liga Carioca de Futebol proibiu que os clubes adotassem “homens de cor” em seus quadros de jogadores, em uma estratégia nitidamente de ataque ao clube do bairro operário. O feito da Liga gerou forte reação no Clube banguense que, bancando sua equipe e suas próprias diretivas, retirou-se da agremiação, firme na ação de repúdio contra a instituição.

Em termos de História Social, é a partir da presença e da atuação de negros e mestiços que o futebol brasileiro ganha identidade própria, com seus contornos e feições definidos pela “cara do povo”, ou melhor dizendo, da nação brasileira. Nesse sentido, a agência do Time do Bangu tem um peso enorme na configuração do esporte, outrora de elite, mas que, com a contribuição definitiva do Bangu A.C, ganhou o jeito preto e forte, tradicional e característico do nosso futebol canarinho, fruto, dentre outros fatores, do protagonismo e pioneirismo da luta do time de operários, que contribuiu sobremaneira para o desenho e avanço do esporte da pelota.

Se Mário Filho estava correto – e ele estava –, o futebol brasileiro, como conhecemos, está muito mais vinculado a Bangu e Seu Danau, que a Charles Miller e a primeira partida em solo paulistano.

Por Lívia Vasconcelos dos Reis

Publicado pela Frente Sol da Pátria

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