O eixo central do desenvolvimento é o investimento, não o déficit ou a dívida

O eixo central do desenvolvimento é o investimento não o déficit ou a dívida Gustavo Castañon moeda dinheiro
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O economista José Carlos de Assis escreveu uma tréplica às críticas que recebeu por seu artigo “Um bolo sem fermento!”, publicado no Brasil 247. Sua tréplica foi bem elegante, como foi sua crítica original. Muito diferente das reações de seita que jovens adeptos da MMT como polícia econômica e não descrição do sistema monetário passaram a ter a qualquer defesa da sanidade fiscal dentro do campo progressista. Mais uma vez tenho que deixar claro aqui que não tenho nada contra a MMT, só contra interpretações dela que encontramos em certos militantes do PSOL e, incrivelmente, do PT, que praticou a política fiscal mais restritiva da história brasileira.

Vou responder aqui a parte que me cabe, e a parte que cabe a Ciro ou a Benevides, citados na tréplica. Acredito que o “admirador de Ciro” citado seja eu, por isso devo reiterar que Ciro não mostra nenhuma “obsessão com o equilíbrio fiscal” no livro, inclusive, defende nele a imediata revogação do teto de gastos, que considera um garrote inconstitucional a nossos serviços básicos e a nosso desenvolvimento. Esse é um compromisso que ele assume inequivocamente no livro. Portanto, o acusar de defender um “ajuste fiscal” que “submete o orçamento público a restrições de gastos muitas vezes essenciais para a sociedade” não faz qualquer sentido.

Meu argumento é que Ciro no livro defende um orçamento equilibrado, para que se restaure a capacidade de investimento do estado em bases reais, e toda eventual emissão de moeda ou gasto para além do resultado primário das contas seja integralmente direcionado para investimentos. Além disso, só argumentei, como o próprio Assis também argumenta, que emissão de moeda sem efeitos inflacionários relevantes pode ser feita somente em situação de excesso de oferta e capacidade ociosa.

É falso portanto que Ciro considere o equilíbrio fiscal um valor em si, ele somente sabe que ele é condição desejável para o controle das contas públicas e de seu financiamento por um sistema fiscal progressivo, não regressivo. A emissão de dívida pública, portanto, desejável em situações de excesso de demanda, se torna um problema para o desenvolvimento somente no caso de pagar taxas de juros próximas, iguais ou acima do retorno médio dos negócios. Esse infelizmente, sequer é o caso do Brasil, pois nos últimos vinte e cinco anos pagamos (com poucos interregnos) os juros reais mais altos do mundo e nossa dívida interna passou a ser o principal instrumento de concentração de renda no país. Então, a questão é que a política fiscal deve ser anticíclica – exatamente como defende Assis – a dívida sobe durante a recessão e deve ser controlada quando a economia estiver crescendo razoavelmente.

É então por isso que, para Mauro Benevides, “O primeiro passo é fazer ajuste fiscal”. Mas qual é o ajuste fiscal defendido por Benevides e Ciro? É aquele que deixa de fora do cálculo do superávit primário o investimento. Diz Benevides em entrevista ao Estado de Minas em 2018: “Vamos retirar investimentos do teto dos gastos” [1]. Essa posição dele é muito conhecida e publicada, debatida em toda a grande mídia durante a campanha de 2018, não é razoável ignorar isso.

Equilíbrio fiscal, que Assis chama de “fiscalismo”, não é nem de longe a essência do receituário neoliberal. O que caracteriza o neoliberalismo é a abertura indiscriminada dos mercados, a desregulamentação do sistema financeiro, a precarização dos direitos trabalhistas e a destruição da capacidade de investimento do estado. Essa destruição não é feita necessariamente através de “Ajuste fiscal”, como afirma Assis, mas exatamente com o contrário, a destruição das contas públicas com a prática de altas taxas de juros pagas com o que se rouba da saúde, educação e investimentos. Quando Ciro fala em ajuste fiscal ele diz onde cortará as despesas: juros e subsídios.

Volto a repetir, o ponto principal de nossa discordância com a interpretação brasileira da MMT (e, portanto, não com Assis, que se declara adepto das Finanças Funcionais) não é que o Estado não possa se endividar para financiar o desenvolvimento, nem que a emissão seja algo problemático. Ele pode e ela não é. O ponto principal de nossa discordância é que o Estado só pode (e não precisa) se endividar para financiar o investimento dentro de certos limites, ditados pelo perfil da dívida que o mercado aceita financiar. Já o financiamento do Estado com emissão monetária, igualmente obedece a limites (outros), que são a capacidade ociosa da economia, o nível de oferta e o ritmo de crescimento do PIB. Se financiarmos tudo com emissão de moeda, perdemos o controle da taxa de juros e a dívida vem toda para o curto prazo, e aí corremos todos os riscos de fuga de capitais. Nossa moeda é o Real, não o Dólar.

É comum que economistas militantes não respondam a não-economistas. Ou que lancem mão de enxurrada de termos técnicos para seus seguidores em redes sociais para responder somente com baixarias, ironias e por fim com a carteirada do título na área. Esse não é o caso de Assis. Ele sabe que o que importa no debate acadêmico são conceitos, fatos e argumentos. Agradeço, portanto, o debate respeitoso. Além do mais, não tenho dúvidas que o Professor Marconi ou o Professor Benevides não teriam discordâncias severas do que escrevi aqui.

Temos que lembrar sempre que o debate econômico nunca é somente um debate científico ou filosófico, ele é sempre também um debate político. E debates políticos tem interesses. Meu interesse, como correligionário, é defender o projeto de Ciro que eu conheço e no qual acredito. O interesse de Assis, acredito, é ampliar o debate no país em torno de políticas econômicas desenvolvimentistas.

Nenhuma pessoa honesta e bem informada nesse país pode deixar de reconhecer que o desenvolvimentismo foi imposto novamente ao debate nacional por Ciro Gomes. Ao mesmo tempo, nenhuma pessoa honesta e bem informada nesse país pode deixar de reconhecer que o PT, e particularmente Lula, praticou as gestões mais restritivas fiscalmente da história talvez desde Campos Sales. Lula não avançou na agenda neoliberal que descrevi acima, apenas a administrou, acrescentando a ela o crime de uma gestão demagógica e eleitoreira da taxa de câmbio que desindustrializou o país.

Mas há outro interesse em criticar a proposta de Ciro confessado por Assis no último parágrafo de sua tréplica, é “provocar Lula para o debate no campo da economia política”. Lula jamais fez esse debate. O debate de Lula é picanha e cerveja, comer café da manhã, almoço e janta, pobre andar de avião, dar um abraço. Realmente, a perspectiva de poder faz sempre as pessoas acreditarem no que querem. E Assis quer acreditar que o Lula do tripé macroeconômico, das maiores taxas de juros do mundo, da desindustrialização, do câmbio demagógico, de Meirelles, Palocci, Levy e Lisboa, vai agora fazer a política fiscal-monetária que ele defende. Enfim, isso é que é uma vitória da esperança sobre a experiência, o resto, é bobagem.

[1] https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/09/03/interna_politica,985764/vamos-retirar-investimentos-do-teto-dos-gastos-diz-economista-de-ciro.shtml