A descriminalização das drogas pelo STF pode aprofundar a crise de legitimidade do poder da República sem voto

A descriminalizacao das drogas pelo STF pode aprofundar a crise de legitimidade do poder da Republica sem voto
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Na próxima semana, o STF vai pautar a descriminalização das drogas. Três Ministros da Corte já votaram, e dois deles restringiram o alcance da decisão à maconha. Mas mantiveram a interpretação de Gilmar Mendes, de que o artigo que criminaliza o consumo de drogas é “inconstitucional”.

Já surgiram textos na Folha de SP celebrando. Segundo parte da mídia, já que o Congresso não “atualiza” a legislação sobre costumes segundo as “exigências” modernas, então cabe ao STF fazê-lo.

Mas há uma razão para que o Congresso não descriminalize as drogas, não transforme a homofobia juridicamente similar ao racismo, não legalize o aborto etc. Os parlamentares precisam disputar eleições. Precisam buscar voto, passar pelo escrutínio das urnas. E, como já disse Luiz Fux, os Ministros do STF podem dar uma banana pro que pensa a população e interpretar a Constituição ao seu bel prazer.

Podem, por exemplo, julgar que os constituintes de 1988 achariam um absurdo criminalizar as drogas e o aborto. Uma bizarrice sem tamanho, que consiste simplesmente em chamar a população de ‘idiota’ na cara dura.

Independente da maior ou menor justiça destes temas, eles deveriam ser decididos por consulta popular. É hora de colocar fim à excrescência de dizer que o STF é “guardião da Constituição” só para fazê-lo legislar segundo a visão de mundo de uma minoria.

Não há diferença substancial nenhuma entre o STF impondo a pauta de costumes da esquerda de Oslo e a República Velha proibindo o samba, o entrudo, chamando Antônio Conselheiro e o Monte Belo de bárbaros etc. Trata-se da mesmíssima elite minúscula, que se considera ‘iluminada’, e que gostaria de viver sob as leis da Europa, tentando “ensinar” ao povo brasileiro como ele deveria de fato viver, quais valores deveria professar, que instituições deveria defender. É o mesmo colonialismo de sempre, não importa qual a fantasia de justiça com que se adorne, se a expansão da fé entre bárbaros pagãos, se a defesa da razão contra os costumes tradicionais, se o culto ao progresso, se a proteção ao indivíduo etc.

As noções de Bem e Mal são comunitárias. É possível a um monarquista viver sob uma República caso seja esta a convicção da maior parte da população. E vice-versa, e possível a um republicano viver sob uma Monarquia caso esta última represente a imaginação profunda do meio em que vive. O que não é possível é um país inteiro viver sob a tirania de meia dúzia de três que tem valores distintos dos seus, e que acham que estes valores a tornam uma elite superior que deve governar sem fazer caso do que o povo pensa.

Mil vezes um democracia ”plebiscitária” que o atual arranjo pequeno burguês travestido de democracia.

A reação a este estado de coisas é uma questão de tempo. A crise de legitimidade é inevitável em uma situação assim. Não é de espantar que as pessoas contemporizem com golpes, desprezem as instituições, não deem crédito às eleições. Afinal, elas sabem que, não importa o que pensem, o STF vai decidir ao seu bel prazer, e com olhos fixos na esquerda do Norte Geopolítico, o que é bom e o que é mau, o que é civilizado e o que é bárbaro, o que vale e o que não vale.

Talvez esteja chegando o dia em que o povo brasileiro vai redescobrir o seu senso de unidade. Tanto a direita quanto a esquerda se sentirão partícipes de um todo no ódio comum ao STF e ao esvaziamento do papel do Executivo, o poder mais democrático que existe na nossa cultura política.

Mas isto por enquanto não passa de uma esperança. O presente é de crise, descrédito, autoritarismo, alienação e esgarçamento da República e da Nação.